Acho que nunca comentei a frase que ouvi de uma pessoa realmente importante para mim, uma quase-irmã, quando a encontrei para dividir com ela a decisão de encaminhar a minha separação. Primeiro, ela começou a chorar. Chorou por mim. Pelo que sabia que eu ia passar. Por ter passado pelo mesmo.

Tu tens certeza?

Se eu tenho certeza? Sim, eu tinha certeza.

Uma pessoa comum, não habituada a rompantes e movimentos insensatos durante a vida, não decide se divorciar após quase dez anos de casada e com dois filhos pequenos se não tiver certeza absoluta. E eu tinha. Essa era a minha fortaleza, o meu amparo mais sólido, mais firme. Mas aí ela me surpreendeu:

Você vai conhecer o inferno, minha irmã. E vai abraçar o Diabo. Não desejaria para ninguém.

Acho que hoje entendo o que ela quis dizer com inferno. A momento pré e pós divórcio é realmente um inferno. Talvez pelo fato do aparente (e temporário) inimigo naquele momento, ser íntimo. Por ele conhecer seus pontos fracos, seus valores, suas crenças e ser pai dos seus filhos. Esse contexto torna o momento diabólico. Lembra daquele filme “Dormindo com o Inimigo”? É como você se sente quando está na frente do juiz da vara da família discutindo direitos, guarda e pensão, ou nas intermináveis discussões por conta de pés de meias desaparecidos entre uma casa e outra.

Sim, eu fui ao inferno quando em muitos momentos fui oponente daquele que dividira comigo uma casa e dois filhos. Quando quis por vezes vê-lo desaparecer e de imediato me dar conta que não poderia jamais desejar esta sorte aos meus filhos.

Há quem diga que ex-marido bom é morto, mas que mãe poderia dizer isso do pai de seus filhos? Só funciona em piada. Isso só tornaria o inferno mais quente e mais profundo para ambos. E os seus filhos, o que achariam disso?

Há quem diga também que nada é para sempre, mas eu digo: ex-marido, o pai dos seus filhos, é.

E por isso cabe a ambos a reconstrução da base que sustenta o cuidado dos filhos, o cuidado agora compartilhado. Que independe do endereço. De quantas camas ou casas as crianças terão. Se com ou sem novos participantes em suas criações. Desde que a criação seja compartilhada. E essa é uma etapa que se vence em todo o final do dia quando deita-se no travesseiro. Quando evoluímos um passo. E mesmo quando caímos dois. Quando olho para eles e tento de novo, e tento melhor.

E nesse movimento bonito, genuíno e doído, me permitir olhar para mim. Olhar para o outro e para aquelas duas crianças amadas em meio as labaredas. E enxergar nuas e cruas as nossas dificuldades e as nossas forças naquele processo novo. Nos permitindo, face a nossa realidade de erros e acertos, de tentativas incansáveis e passos lentos adiante, a chance de fazermos pelo bem, de coração. E de acharmos juntos o nosso objetivo comum. Aquele que nos fará não inimigos, mas amigos por toda a jornada.

Aí a vida segue. Segue bem, segue em paz. Segue para eles, Joana e Joaquim. Segue para mim. E segue para o pai dos meus filhos.

 

Comentários

  • MARISTELA SILVEIRA PUJOL 5 de julho de 2017

    Os filhos são nosso bem mais precioso, nos dão força, nos fazem guerreiros, nos transformam em selvagens quando necessário, para defendê-los e nos defender, no intuito de inibir nosso distanciamento. Sinto em sua escrita todo sentimento de fragilidade, mas também, os diversos e necessários momentos de heroísmo, pois sua atitude não fora diferente dessa, a de uma heroína diante das circunstâncias vividas. É preciso coragem realmente para dar essa guinada na vida, quando então, se faz essencial, viver algo diferente, verdadeiro e digno consigo mesmo.

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