Falei nos meus textos sobre alguns medos oriundos do plano de me separar. Do pavor que o caminho desta tomada de decisão gera. Falo do plano não porque morbidamente ele é arquitetado. Mas porque antes de efetivamente ocorrer ele nasce. E cresce dentro da pessoa. E em algum momento, transborda. E uma das dores mais profundas, posso dizer de cadeira, é a morte diária da relação. Quando, de gota em gota, os contras enchem primeiro uma xicara, depois um balde, depois a tua vida. E te afogam. Quando o sonho da família feliz se torna uma construção de papel manteiga. E não para mais de pé, quiçá em uma tempestade. O casamento começa a morrer muito antes de acabar. Ele definitivamente não acontece do dia para noite.

Porém essa dor da impotência e do caminho sem volta, bem anterior ao fato, acostuma. Fortalece e depois anestesia.  No meu caso, chorei o fim do meu casamento bem antes do dia no qual consegui assumir que acabou. Mesmo depois de assumir, ainda levei algumas semanas até torna-lo fato. Precisa estar tatuado na alma para sair pela boca. Primeiro para mim mesma, depois para o outro. Depois aos meus filhos, e então ao mundo.

É muito tempo de elaboração, pois o mais difícil é aceitar que depois de tudo feito, dos tantos acertos e tantos erros, de dois filhos e uma casa, é preciso recomeçar. E não mais com o elenco original. Começar o desconhecido, porque aí não era mais eu com 25 anos. Era eu com dois filhos e com 35. Era eu com metade de uma casa e de um carro.

Seria eu sozinha, quando eles estivessem fora, no pai. Seria eu e eu mesma. Face to face. E aí está a grande questão sobre a qual eu gostaria de falar. Que eu vivi em uma fase da vida que achei que seria invencível. Que com dois filhos lindos no lombo, uma profissão a qual considerava sólida, minha convicção sobre o que estava fazendo do meu casamento, e meia casa mais meio carro, seria só colocar a bola no centro e recomeçar.

Mas que nada…. Quando pensava que o divórcio não teria mais nenhuma faceta a me apresentar, que estava preparada para tudo, vem o pior dos medos. O do desconhecido. O de não saber quem eu era.

Não me conhecia mais. Não sabia do que gostava de comer, de vestir. De ser, ou para onde ir. Estava como uma sobra de gente. Como aquela meia casa ou aquele meio carro que me sobraram. Não tinha nada, não era inteira e sequer tinha uma pista de por onde começar. Já não tinha certeza do meu trabalho, da minha eficiência na minha profissão. Nem do que era como mulher. E aquela decisão efetivada de me separar me provocava todo o tempo, questionando também a minha maternidade, já que os meus filhos eram os principais afetados pela mudança toda. E o meu desespero culminou na ausência de resposta minha para a pergunta quanto ao que eu sonhava ser e fazer. Feita pelo meu coach e amigo, no intuito de me ajudar a começar. Quando a pergunta que gritava em mim era quem. Quem era aquela mulher que estava ali agora.

Não é o tipo de coisa que você descobre ficando acordada até mais tarde tomando um vinho e refletindo. Não está no Google. Precisei me enfrentar. Plantar coqueiros, comprar roupas demasiadamente, mudar de cabelo, de restaurante, de vida. Depois, de ver mudar as minhas amizades e os lugares onde me sentia acolhida. Isso tudo vivendo a minha vida, a que eu tinha e para a qual não podia virar as costas. Pois nela estavam eles, meus presentes, meu futuro. Meus dois filhos.

Tive que me olhar nos olhos e fazer diferente com o que tinha de igual. Como muitas vezes fiz antes do divórcio até tirar de mim o que não era mais meu. Evitando espalhar estilhaços para todo lado, e afetar quem não tinha culpa. Naquele momento era completar o espaço que sobrou. E tinha que ser comigo mesma. Errar, errar, até acertar. E foi aí que a vida me surpreendeu.

Tenho ouvido bastante de amigos e conhecidos que tenho reencontrado, que eu mudei. Que estou muito diferente. Até onde entendo, seus comentários se referem uma mudança para melhor. O que é uma grata surpresa para quem começou de uma metade. E que teve esta geneticamente modificada pela nova parte que nasceu. E foi muito legal. Tudo estava voltado e inspirado para mim mesma. A minha vida nova e os meus dois filhos eram o maior motivo para eu criar daquilo que sobrou uma mulher melhor. E eu cuidei dela, de cada pedacinho, e a permiti mudar. A permiti questionar. Questionei o cabelo, a cor de esmalte. O tamanho do salto, a altura da alma. O que colocava para dentro do meu corpo e da minha casa. A capacidade de me perdoar e mais, a capacidade de me admirar. Pelo que sou. Pelo que consegui ser até aqui. E conseguindo tudo isso poderia ser melhor para fora. Para o outro. Para a minha Joana e para o meu Joaquim.

Me enfrentar foi de todos os obstáculos o único que não considerei. Antes tivesse subestimado, só. Mas ele foi ignorado. Mas foi a viagem mais rica do meu processo de divórcio. Foi quando conheci a Juliana aos 37 anos. A que pode ter a cor que quiser. Vestir e ser o que melhor entender de suas possibilidades. A que se fez inteira, única. Mãe, com um profundo prazer. Mulher, com capacidade de amar a si e ao outro.

Capaz de realizar sonhos. Capaz agora, de escrever. E de contar histórias.

Comentários

  • Raquel Casanovas 30 de agosto de 2017

    Que felicidade a minha ter encontrado os seus textos.

  • Janaina Cruz 30 de agosto de 2017

    Você me tocou profundamente. Eu ainda estou na fase de chorar meu casamento antes de chegar efetivamente o fim.
    Ainda esta sendo gravado na minha alma, maa dói e como dói. E penso no meu Matheus e em ser a melhor mãe que posso ser para ele e que no momento não sou.
    Nao sou porque estou chorando pela dor de ver meu comercial de margarina ruindo. Por sentir que falhei como esposa, como companheira. E ao mesmo tempo penso se o erro foi só meu.
    Não consigo imaginar dividir meu Matheus, ele fica com o natal e eu com o aniversario e ano que vem a gente troca?
    Não sei mais quem eu sou. Eu sou a mae do Matheus. Aquela que vive correndo do trabalho pra casa para estar com ele. E se ele nao estiver aqui? O que eu vou fazer?
    Eu nao sei mais quem eu sou. Apesar de estarmos vivendo na mesma casa, meu marido (apenas no papel) não fazemos mais nada juntos. Nao lembro a última conversa que tivemos que não tivesse sido sobre o pequeno.
    E ao mesmo tempo me dá um medo do desconhecido que sou eu. Estamos juntos a 10 anos, entre namoro e casamento. Eu nao sei mais quem é Janaina sem Rafael, apesar do casal em sim nao existir a um tempo.
    Por enquanto eu vou chorando o fim do meu casamento antes de assumir para o mundo que ele efetivamente acabou.

    Obrigada Juliana

  • marcia pradel 30 de agosto de 2017

    Me emociono, lindamente com cada palavra.com cada pontuação… realmente a gente sente a respiração desse processo.
    mesmo não estando no processo, vivenciei de outra forma,,, a de ser a nova companheira de como chegar … de como apoderar-se do espaço na vida dos que recebem um novo na familia.
    Parabéns Ju, por toda a coragem e por esse canal lindo!!

  • Ana 31 de agosto de 2017

    Juliana, seus textos são ótimos, me identifico muito..tbm tenho 35 anos e passo pelo processo de aceitação do fim….
    Continue escrevendo, seus textos falam o que a gente muitas vezes não consegue dizer…

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