Quando reflito sobre a importância de ser e estar família me refiro literalmente. Ser família é ter este valor, de se entender como grupo, como parte, genuinamente falando. Falo genuinamente porque precisa fazer parte de você. É celular. Pode até acontecer durante a vida deste valor te ser ensinado e comprovado como bom ou fonte de satisfação, e por este motivo se tornar também parte de você. Mas até para isso precisa existir uma semente. Um estimulo interno, um valor.

Só que ser família e não estar família é como ser médico e não exercer a atividade. Soa até incoerência na minha opinião. Porque se você é família, estar família é o ato de exercer este valor profundo que você é e tem, que envolve construir seu grupo base. Seu esteio. Sua sorte. Sua satisfação pessoal, íntima, que só ali é nua. É sua. E por amor, sentimento que liga este organismo vivo, o maior desafio é a aceitação. Dos outros, nus, como são. Pois diferente disso poderíamos chamar de qualquer outro nome, não de família. Por este motivo até letra de música brinca com o tema. E não é fácil. Porque não se demite seus membros por incompetência ou incompatibilidade. Se gere diferenças. E o que eles te tiram se te deixarem não é uma multa do fundo de garantia. Te tiram a paz, e a falta que fazem.

Neste contexto, preciso dizer que admiro profundamente quem exerce a condição de estar família. Porque esta condição, este ato, exige esforço. É o exercício diário da dedicação de energia e da compreensão do outro. Coisa que parece fácil de falar, mas é muito difícil de fazer. Porque é além da gente. Fora do umbigo. Porque exige ouvir o outro de coração, e por sermos humanos e neste espaço estarmos nus, também a posição de julgar. Porém com um objetivo que só a família parece ter, de forma isenta. O de apoiar. De acolher. E neste momento lembranças bonitas e surpreendentes me vem à mente na condição de filha de uma família única. A de onde vim, e na qual convivi com mãe, pai e mais duas irmãs. A qual, do seu modo, sempre me foi esteio. Tão diferentes e tão parecidos, estivemos família por anos, e hoje, mesmo tendo cada um a sua vida e a sua própria família, ainda suportamos uns aos outros nos momentos os quais este é o único grupo o qual a gente pertence.

Tivemos na nossa história episódios que realmente fortaleceram estas vigas. Que muitas vezes nos surpreenderam como indivíduos. Como quando a minha irmã do meio apareceu grávida. Quando fui honrada por ser a primeira pessoa a quem ela recorreu, ao abrir o exame, jovem e solteira. Mesmo rodeada de melhores amigas. Quando descobrimos juntas, que para trazer mais emoção à história, eram duas crianças. Mas principalmente, quando tivemos nos nossos pais, acolhida. E ali, nossa família aumentou e fortaleceu.

Houve também o fim do meu noivado com um namorado de adolescência, momento no qual meus pais assumiram comigo todas as consequências afetivas e financeiras. Escolheram a mim. E na minha separação do pai dos meus dois filhos, me escolheram de novo. Eu e o meu pacote completo. E este realmente me tocou.

Meus pais são um casal católico, na época casados havia 35 anos. E é bonito de ver, pois cultivam uma relação de casal muito viva, verdadeira. Protegem e cuidam um do outro. E ainda se amam, se divertem juntos, e namoram. Fazem parte de um grupo da Igreja a qual frequentam desde casados e que ainda hoje se encontram na fé e na amizade. Juntos tiveram três filhas. Uma família de mulheres a qual meu pai a vida toda protegeu como um pastor à suas ovelhas. É, assim mesmo, acreditem. E de repente passamos as três por problemas de adultos, que poderiam ser enfrentados por qualquer mulher, mesmo as filhas dele, daquele protetor. E daquela mãe, que a nós dedicou presença, cuidado e zelo. Pois então, foi em um desses dias que chamei meu pai e a minha mãe, e contei do acontecimento que naquele momento culminava com o fim do meu casamento.

Dia feliz aquele. Não pelo desfecho da minha vida pessoal, enfim, da coisa toda que envolvia também os meus filhos. Mas quando me olharam, àquela altura do campeonato, como filha. Quando me acolheram e protegeram. Quando me disseram que para eles o importante era que eu fosse feliz. E que estariam comigo.

A preocupação deles era eu. Não eram os meus filhos, nem meu ex-marido ou o fim daquela família. Era apenas eu, a filha deles. Que merecia toda a atenção e todo o crédito. Por ser filha, há tantos anos. Por ser parte da família que construíram. E eles foram pais. Se posicionaram perante a grande família, os amigos, à sociedade, em proteção e em respeito a mim. A mulher, mãe e filha que era. Que sou. E ali estiveram, pais. Ali estiveram, família. Porque não basta só ser. É preciso estar. E naquele momento nasceu na minha mãe uma leoa, que me abraçava. No meu pai, o bom e velho pastor do passado, agora de uma cria formada. E em mim, o desejo de pertencer. Àquele amor, àquela família onde nasci e cresci. Onde tinha porto.

E aí construímos em família os bons momentos. Dos ruins ou dos maravilhosos. E nos reconhecemos. Entre aqueles velhos conhecidos. E nas diferenças, aprendemos e nos acolhemos. Ricos dos que fazem deste lugar união. Pois ali, se cada um faz genuinamente a sua parte, não estamos sozinhos nunca. E ali rimos dos nossos defeitos e nos divertimos com o que nos difere. Com brigas ou com gargalhadas. E criamos nosso mundo particular. Intimo. Onde somos nós mesmos e amados por isso.

Por este tanto de coisas acredito que é nela, onde tudo começa, e tudo termina. E por essa crença, fiz a minha. E a cuido como um tesouro imensurável que é. E nela estou. Inteira. O que sou. Nua. Mãe. Filha. Juliana. Ali. Onde desejo estar pela minha eternidade.

Comentários

  • Larissa 18 de outubro de 2017

    Sempre me faz chorar

  • Marília 23 de outubro de 2017

    Belíssimo texto.
    A cada dia me identifico ainda mais contigo.
    A não ser pelo sentimento, ou melhor, pelas palavras que tantas vezes brotam da sua boca, mas parecem sair da minha.
    Ainda descubro pertencer a uma família, com duas irmãs, filha de pais de 3 filhas.
    Obrigada pelas palavras, pelo conforto que muitas vezes elas trazem a alma. Beijos.

  • Rosilaine Ferreira 27 de dezembro de 2017

    Me emocionei muito. No processo de divórcio e com filho de apenas 2 meses o que mais me faltou foi o colo e apoio da minha mãe. Era aquele momento da chegada do primeiro filho onde a gente quer chorar no colo da mãe e de quebra veio a minha decisão pelo divórcio. Bem desse jeito que expôs num outro texto a coisas que quebram e não são passíveis de conserto. Tenho a grande certeza de que foi a decisão correta é minha família agora eu e meu filho segue muito bem e com muito respeito ao meu filho coloquei toda dor e magoa de lado e me posicionei a favor dele mesmo que ele “não entendesse nada “. Mesmo após tantas evoluções ainda há muito preconceito com mães, pais e filhos de casais separados. Espero e trabalho para que isso mude e se torne algo mais leve tanto para os adultos quanto para crianças envolvidas em divórcio. Obrigada pela sua escrita profunda, sensível e respeitoso. Que seu trabalho se frutifique e contribua com a abertura de mente da sociedade que muitas vezes erra tentando acertar assim como todos nós.

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