Há algum tempo atrás, escrevi sobre a nova família de Joana e Joaquim. A que formamos aqui em casa e que trouxe belos frutos e relações de afeto aos meus filhos. Novos avós, uma bisavó, tios e uma prima. E que no início, por serem novos e não serem biológicos, causaram certo desconforto quando colocados, pelas crianças, no mesmo patamar daqueles que conheciam desde que nasceram.

Crianças são realmente especiais. Sem culturas, sem tradições, sem amarras, sem preconceitos. Mas o mais interessante, sem “biologia”. Para eles o vínculo sanguíneo vale muito pouco, ou quase nada. E quando se tratam de crianças que passam pelo divórcio dos pais e vivem a realidade das novas famílias, vale menos ainda. Porque crianças são sensoriais. Elas sentem o que é bom e o que é ruim. A raiva, o amor, o ciúme, o cansaço. Simplesmente sentem. E assim, desde o início passaram a sentir avós os pais do pai afetivo, tios o irmão e a esposa, prima aquela menina que conheceram aos 13 anos. Sentiram as pessoas que entraram em suas vidas, desprovidos de julgamentos.

Estes são os momentos os quais entendo que na vida muitas vezes, ao invés de evoluirmos, empobrecemos na arte de sentir. Quando colocamos à frente do sentimento, posições e crachás. Como se estes lugares no campo dos afetos fossem garantidos…. Aí, neste ponto, as crianças ensinam os adultos. Já viram crianças chamando babás de mãe? Pois é. E com o seu sentir, meus filhos inseriram nas vidas de suas famílias seus novos afetos. Na vida dos adultos da sua constelação, mesmo despreparados. Simplesmente porque veio genuinamente, sob o olhar de dois pequeninos.

Dada essa introdução, que puxa um dos temas tratados em textos passados e compartilhados aqui, achei rico falar do crescimento das sementes plantadas por Joana e Joaquim neste tempo que passou. Nem tudo se resolve num passe de mágica. Sentimentos precisam de tempo, precisam amadurecer. A cura demanda esse processo, principalmente no coração mais rígido dos adultos. E o tempo e a compreensão do valor dos afetos escolhidos pelo coração, fez nascer respeito e admiração entre as novas e velhas relações de Joana e Joaquim.

A vida de um integrante de uma nova família é cheia de emoções. Uma montanha russa, na verdade. Assisto e faço parte de revoluções internas diárias nos nossos corações e nos de quem fez e faz alguma parte do processo de dissolução e reconstrução da nossa família. São fichas que caem, dores que curam, outras que doem fundo, amor que ganha espaço, gratidão que nasce. Compreensões que acontecem aos poucos, a cada dia, e que deixam o calor da revolução pela qual passamos cada vez mais para trás.

Pois bem, conto aqui mais uma que me emocionou profundamente. Talvez porque reconheço neste processo as dificuldades do caminho que levaram a este acontecimento. Após mais de dois anos de convivência dos meus filhos com os novos avós eleitos pelo coração deles à posição de familiares, de vovô e vovó, aconteceu o encontro destes com o pai das crianças. Naturalmente, por uma daquelas circunstâncias da vida.  Os pais do meu marido, moram em Santa Maria, cidade do interior gaúcho. Em uma visita a Porto Alegre, para verem os netos, pediram para nos acompanhar até a casa do pai, na noite na qual levamos as crianças para cumprirem sua rotina com ele.

Percebi na vontade de nos acompanhar um jeito de aproveitarem mais dos netos da capital. Mas existia também a curiosidade de conhecer o pai biológico dos seus netos, aquele que está presente em tantas características físicas e comportamentais das crianças e nas histórias contadas por elas. A sinergia entre eles, avós e netos, é tão grande, tão profunda, que percebi como poderia ser importante para eles conhecer a origem paterna dos netos. E fomos então, os seis.

No caminho, minha menina já esboçava a ansiedade quanto ao encontro. Pediu para sair do banco do meio do carro, entre os avós, e passar para a ponta, na porta, o que facilitaria sua rápida saída.

Pegamos ela na hora…. Que nervoso! Conheço minha pequena. O medo do encontro não ser legal, do pai não tratar os avós bem, ou vice e versa, povoava as fantasias dela naqueles quinze minutos de carro que tínhamos até o nosso destino.

Acalmamos Joana com um olhar. Estava tudo bem. Daria tudo certo. A vovó complementou dizendo que iria descer na chegada para facilitar a saída deles e que não tínhamos nenhuma pressa. Então a menina respirou fundo e entregou a cena nas mãos de deus. Com apenas oito anos. Precisou confiar, ter fé. Um sentimento incomum para uma criança, mas reincidente no coração das que constroem novas famílias.

Ao chegarmos, o pai estava na calçada aguardando-os. Nosso carro estacionou em frente ao prédio e a mãe do meu marido desceu, retirou a Joana, o Joaquim, e naturalmente caminhou até o pai dos meus filhos. No mesmo movimento o vovô desceu do carro e a encontrou. Juntos cumprimentaram carinhosamente o pai dos seus netos do coração, como se agradecessem pela existência deles. Do carro, assisti sentada se beijarem, abraçarem e trocarem algumas frases de cortesia e consideração. Meus filhos assistiram à cena encantados, como eu, como o meu marido. Os olhos dos meus filhos brilhavam. Estavam felizes. Aquele momento realmente estava acontecendo. Depois de mais de dois anos. Aqueles afetos de Joana e Joaquim se reconheceram e se conectaram pelo amor comum a duas crianças. Pelas situações “de presente” que a vida apresenta. E que virou realidade na vida daqueles adultos cheios de culturas, de tradições e de crenças, que foram vencidas pelo desejo de amar completo. Amar mais. De compartilhar.

E como cruzamentos de rios, se cruzaram aquelas vidas. Aqueles laços de afetos dos meus filhos, que aos poucos, se misturam no grande guarda-chuva que ama e protege os nossos pequenos. E que naquele momento vi que não depende mais de mim. De todo o cuidado e esforço que coloquei em cada ação nos últimos anos. E que agora é vivo, e gira em torno deles.

Estes pequenos grandes integrantes de famílias diferentes. Joana e Joaquim.  Donos dos seus destinos, donos de seus afetos.

Comentários

  • Cristiane 21 de maio de 2018

    Juliana, vc me fez chorar…nao no sentido de tristeza, de fracasso…
    Nossas histórias se parecem muito, apesar ainda de eu estar na “boca do furacão”! Nao vejo a hora de alcançar a calmaria da plenitude….

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES