Sabe o que eu gosto na vida de mãe? O fato de que ela me desacomoda. Me desafia. O fato de ser difícil. Não acho, em geral, nada fácil na vida. Afinal, creio que não estamos aqui exatamente a passeio. Que a nossa jornada na vida tem a ver com aprendizado e aprofundamento.

Talvez por isso a humanidade vem se desenvolvendo tanto em tecnologias e criando robôs. Porque no que tange praticidade e processos operacionais, as máquinas poderão fazer de um tudo, nos deixando responsáveis apenas pela parte que realmente importa. Para a qual podemos potencialmente ser especialistas e insubstituíveis. A capacidade de sentir. De sensibilizar-se. De empatizar-se. De envolver-se. De conectar-se à sentidos e emoções profundas nossas e do outro. O que na minha opinião é o mais difícil dos desafios para a nossa sociedade, para as nossas pessoas. Porque a busca pela felicidade, a valorização do tempo, a atenção para com o outro, o afeto e o engajamento são habilidades cada vez mais raras, apesar de serem tão mais humanas.

Assisti outro dia uma palestra online, na qual a palestrante dizia que as profissões do futuro, este para o qual caminham nossos filhos, ainda não existem. Que 65% das crianças do ensino médio de hoje trabalharão em algo que ainda desconhecemos. Que as maiores e mais modernas unidades de ensino no mundo estão revendo a forma de ensinar, através de projetos, com impressoras 3D, enfim, outro mundo para nós.

Uma espécie de terrorismo digital, na minha opinião. Porque é como se preparar para o fim do mundo que conhecemos. Com todas as nossas referências. Nós, educadores de crianças. Como se, por mais que nos preparemos estudando, tentando acompanhar a velocidade das coisas e ao mesmo tempo cria-los, fazer o mercado, trabalhar, e prover aquele afeto genuíno e diário, em momentos cada vez mais curtos, ainda assim seremos ETs despreparados para o que está por vir. Assim foi parte da palestra.

Eis que, como um raio de sol quente em uma manhã gelada, palavras me tocaram com delicadeza e familiaridade. Com aquilo que acredito e para o qual eu vivo. Com aquilo que entendo ter tudo a ver com as mães. Com as geradoras dos pequenos seres humanos que temos em casa e para quem dedicamos vida.

A palestrante coloca que as habilidades do futuro não serão técnicas. Serão as habilidades comportamentais. Pois as técnicas, com a inteligência artificial, poderão ser aprendidas pelos robôs. Mas não tão cedo estes poderão fazê-lo com as comportamentais.

As dez habilidades mais importantes do futuro serão todas neste âmbito. Orientando a pessoa a aprender como pensar e não mais o que pensar. A aprender, desaprender, reaprender. Aprender para sempre. A estar aberto.

Pois a inteligência vem sendo cada vez mais compreendida e desenvolvida, enquanto a consciência não. E há uma diferença tão profunda nestes conceitos, tão vital… Pois inteligência é a capacidade de resolver problemas, enquanto a consciência é a capacidade de sentir. O que não se pode criar fora da gente. Ao contrário da inteligência, que pode ser criada em um robozinho qualquer. Desenvolvemos nosso externo e não olhamos para dentro da gente.

Ok, chegamos no ponto crucial para mim. Este para o qual dedico tempo, dedico energia, dedico fé. O ponto do sentir. O toque, a percepção, a compreensão de si e do outro, que é humano e tão inerente na nossa estrutura genuína. Mas que tantos a negam.

Pois bem. Esta segunda-feira foi o meu primeiro dia no escritório novo. A concretização física do meu novo negócio, o qual sonhei, desenhei e agora tiro do papel com o meu sócio, parceiro e marido. Mais um recomeço de verdade, feliz.  Dia também da transmissão de uma “live” divulgando nosso workshop fora da cidade, a realizar-se em alguns dias. E dia da festa de final de ano do meu Joaquim na escola.

No nascimento deste novo negócio, precisamos nos dividir, eu e o meu marido. Eu e o meu sócio. E então me ausentei do evento digital da minha empresa bebê para assistir ao meu filho do meio, no palco do seu segundo ano escolar.

Cheguei correndo e sozinha, enquanto o diretor já iniciava o discurso de abertura. Ofegante, me sentei em uma das duas únicas cadeiras vazias, na penúltima fileira no ginásio, quando fui surpreendida pela chegada da Joana, que veio direto da sua aula de handball para assistir o mano. A apresentação se iniciou com um vídeo das atividades diárias do segundo ano dos pequenos, neste 2018. Um vídeo simples, com um apanhado de vários momentos em sala de aula, no recreio, nas atividades realizadas a partir do tema deste último trimestre, sobre o índio e sua influência na nossa civilização. Na nossa escrita, na nossa fala, na nossa medicina. Algo que remeteu ao carinho das palavras de uma avó, sugerindo um chazinho de camomila para acalmar, uma babosa no machucado para cicatrizar ou uma mordida no gengibre para passar a gripe. Coisas sobre sentir. Coisas sobre toque. Coisas que humanos são capazes de desenvolver com consciência, emoção, afeto e vida. Com preocupação com o outro.

E nos palcos da escola vi meu menino virar índio, dançar na roda com os amigos, ensinar sobre ervas e brincadeiras em grupo, tão diferentes das tecnologias que avançam aí fora, fora daquele palco. Nos robôs por aí afora, em aço e carne. Fora da nossa noite de festa de final de ano. E assistindo àquele vídeo e àquela apresentação teatral, acessei um recorte da vida do meu Joaquim, essa que acontece enquanto eu trabalho. Um recorte muito além daquilo que ele me conta, do jeitinho dele, de como ele quer que seja. O vi sob os olhos curiosos e delicados das câmeras do ensino fundamental. O qual quis ver de novo e de novo. O qual desejei participar, colocar uma saia de palha, pintar o rosto e dançar. Brincar de cabo de força nos pátios arborizados da vida. Estes, cada vez mais raros. Para os quais não existem mais workshops. Espaços de aprendizagem. E que te pegam, de surpresa, na festa do seu filho, falando um monte sobre gente. Sobre tudo o que somos capazes, de onde viemos e o tamanho da nossa capacidade de sentir e criar soluções para atender a outros como nós.

Isso para mim é o negócio do futuro. E se algo me assusta, creia. Não são as tecnologias. Mas a nossa distância dos índios.

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