Calma filha, eu vou contigo. Calma filha, eu vou contigo… Calma… Eu não vou. Ficarei rezando aqui.

Me dei conta que a saída dela naquela manhã de sol para um passeio intermunicipal da escola, assim como serão as suas saídas tantas da vida, sempre vão doer. Que sentirei a insegurança da mãe da família tradicional, que choca seus filhos de segunda a segunda, sempre que acontecer. Porque a casa do pai, após quase quatro anos, se tornou a extensão da nossa. Outro “porto seguro” para mim, mesmo que desconhecido para os meus olhos, para o meu tato. Mesmo que apenas um endereço. Porque lá estão em casa também. Quando lá, eu fico tranquila. Lá, estão seguros. Tem afeto e um teto. E em qualquer outro lugar do mundo, não. Não, necessariamente. Não, por óbvio. E por isso, em relação a qualquer outro lugar, sou uma mãe normal. Uma mãe de pintinhos com dois ninhos.

Fora deles, o medo é o mesmo que paira na maternidade de todas. Essa que nos assemelha, as mães, entre si.

Me sentir assim simplesmente me confortou. Como se desse, naquele momento, um passo de evolução na relação com o compartilhamento dos meus filhos, com o pai deles. Pois mesmo co-criando, em endereços distintos, nossos filhos têm casa. Família e proteção. E nós, continuamos pais inteiros, mesmo dividindo dias. Mesmo convivendo com a ausência. O que, invariavelmente, é uma “questão” importante na digestão das rotinas da nova família. Na sua concepção. De ser e estar pais também na ausência.

Naquele momento, eu era uma mãe com saudades, já. Com preocupação com a estrada, com o que ela tinha de expectativa quanto aquele passeio da escola. Quanto a este novo início dela, essa nova fase. Essa que trouxe amizades intensas, um “quê” de mistério com o mundo adulto e uma certa empolgação com a independência… Enfim. A vendo crescer na minha frente e me vendo tomada por um susto absurdo. Daqueles que mães têm ao ver os filhos crescerem rápido demais, ou mais rápido do que pudemos nos preparar em nossos planejamentos de vida. E vê-los sair. No meu caso, não mais só para a casa do pai, uma de suas duas casas, coisa que em muitos momentos iniciais, pós divórcio, me sufocou pela impotência no lido com a distância. Tirando meu ar ao vê-los sair de mim para finais de semana intercalados…. Mas agora para o mundo além de nós. Para o qual eu não fui convidada a acompanhar e nem o serei daqui para frente, exceto por conquista minha, quando a questão for aberta a participações.

Trocamos de cadeira. Eu e ela. Ainda ontem ela mendigava pelo meu tempo. Este da mãe que trabalha, cuida das coisas de casa, namora o marido e participa da vida de três filhos. E que não é mole pois propões divisões de tempo e atenção. Mas enfim, agora sou eu mendigando pelo olhar dela, pelo segredo, pelo pensamento dela, quando olha distraída para algum lugar fora do nosso mundinho. Estes que ela e as colegas trocam entre si e guardam em uma caixa enterrada não sei onde, para ser aberta em dez anos. Só elas, só delas. Do qual já não faço parte.

Me deu um luto violento, como se fosse arrancado um pedaço de mim. Mais uma vez. Depois que a gente vira mãe, a vida não para de arrancar pedaços, a propósito. De nos ensinar a reiniciar, a humildemente abdicar. E descer de tronos. Passar a faixa. Generosamente, sem mágoas. Porque esse é o destino da mãe, da boa mãe. Gerar, amar, preparar e deixar voar. Mas diferente dos meus dias como tal, como mãe, até hoje, neste momento vi o “lá fora” atraí-la. Aquela menina linda que me deu o privilégio de gera-la.

Desceu do carro, miúda, com aquele cabelo longo e brilhante amarrado encima da cabeça, e o moletom na cintura, exatamente como combinado com o resto das amigas na noite anterior. A manhã de primavera era fria ainda, mas ela queria estar daquele jeito, igual ao seu grupo, tamanha a excitação pela nova identidade e liberdade. A vi correr na frente, abraça-las com a intensidade de quem não se vê há dez anos, no caso delas, desde que nasceram, e logo começaram a andar para lá e para cá, em meio aos outros grupos de colegas, exibindo madeixas e afinidades comuns para quem quisesse ver aquele tanto de personalidade. Tudo sob os meus olhos atentos e lacrimejantes. Tudo rápido demais para uma mãe. Tudo como um trator, ceifando a vida que passa em um piscar de olhos.

Ela veio docemente, com aquela carinha mais linda do que achei ser capaz de existir, e se despediu. Me liberou para ir embora. E apesar de ter um monte de mães apreensivas na volta de seus filhos até a hora de entrar no ônibus, percebi que ela não me queria mais lá. Que queria viver o momento dela. Que seus olhinhos verdes queriam se testar, e subir no ônibus apenas com sua mochila e suas expectativas, e não com o meu olhar preocupado, pedinte, ansioso e choroso. E fui embora. Morrendo de frio e secando minhas lágrimas envergonhadas. De mãe que cria para o mundo, que sabe que a maternidade é assim, que se enche de orgulho daquele ser cheio de personalidade, mas que sofre quando as portas dele se abrem à frente dos filhos. Que é hora de encará-lo. Esse mundão cheio de cantos, cheio do desconhecido.

E saí, lambendo feridas de quem achou que passaria a vida correndo para atender a três filhos e de repente se dá conta que passará a maior parte dela correndo para acompanha-los.

E assim me despedi da minha primeira bebê. Da fase de menina do mundo da mãe. Do mundo pelo qual sou responsável e tento controlar, manter confortável e sob as minhas regras, e que já não é mais o único dela. Pois descobriu portas e janelas. Vislumbrou horizontes. E em si, os primeiros sinais de suas asinhas. Essas que a levarão para onde quiser, e pelo jeito, mais rápido do que eu posso imaginar.

Que nunca faltem pontos de luz no mundo da minha menina. Que sempre tenha em sua mochila, uma amiga. E que não esqueça que em mim não faltará nem amparo honesto, nem colo quente, nem respeito por ela, por quem quer que queira ser na vida.

E nem amor, ou saudade de nós…

Pois um pedaço de mim começa a andar por aí. E me restam poucas alternativas. Sentar, discretamente na primeira fila, quando possível, e acompanhar cada piscada rápida, lentamente, na torcida, é uma delas… A outra é ter a coragem de sair caminhando e deixa-la viver quando precisar tentar só, mesmo que sob a minha confiança e as minhas lágrimas encabuladas. Como aconteceu no passeio da escola, quando acho que dei conta….

Mas quanto às lágrimas, ah… quanto a essas… já não posso prometer nada.

Comentários

  • Marcela 6 de dezembro de 2018

    Que lindo como vc escreve! Me vejo nas suas experiências e choro tudo junto.
    Gostaria de saber mais de como vc organiza a rotina com as casas compartilhadas. Se puder me ajudar, super agradeço.

    • Juliana Silveira 19 de dezembro de 2018

      Marcela, obrigada pelo contato:)
      Tenho várias crônicas no blog nas quais desenvolvo este assunto e suas questões no dia a dia… No livro, tem uma ordem cronológica bacana de entender. Te sugiro dar uma navegada nessas opções, pois tem bastante coisa:) De qualquer forma, vou buscar trazer mais desse desafio nas próximas escritas, para nos acompanharmos <3. Beijos, Juliana.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES