Idealizei horrores a minha vida toda. Idealizei os primeiros dias da escola, os veraneios na nossa casa de praia, as noites de Natal, os meus aniversários. Imaginava sempre acontecimentos extraordinários e surpreendentes, e não preciso dizer que a frustração foi por vezes meu nome do meio. Idealizei o primeiro beijo, o que ia ser daquele relacionamento adolescente, quem sabe o “selo” de uma linda história de amor e de família…

Os beijos foram muitos e a família algo que precisei reformar no final das contas, mas o fato é que idealizei.

Idealizei rotinas de trabalho, experiências de liderança, resultados incríveis, que nem sempre se deram assim, me fazendo questionar as minhas habilidades e capacidades em inúmeros momentos da vida. Idealizei o casamento, início, meio e a ausência da possibilidade de fim. Já comentei antes o quanto achei que essa fosse uma etapa que, uma vez vencida, estaria garantida para todo o sempre.

De tudo um pouco, idealizei. E a cada enfrentamento da realidade imposta pela vida, somados ao meu amadurecimento e exercício otimista na identificação de ideias do bem, fui encontrando o extraordinário nas coisas exatamente como elas se deram. Descobri o caminho do “cuidar”, do “valorizar”, depois que perdi um tanto.

Mas tem uma idealização que foi e ainda é difícil não idealizar para mim. Aquela que trata da jornada dos meus filhos… Não achei meio sobre o qual o exercício da aceitação das perdas doloridas e do “mal” na jornada deles, tanto quanto do bem, fosse algo natural ao meu coração, algo que não triturasse a minha fé na vida, no mundo ou em algum Deus.

Quem não deseja filhos que só vivem a felicidade? E pior, mesmo sabendo que isso não é exatamente possível?

Idealizei eles felizes, confesso. Tudo o que eu sempre quis como mãe. Por vezes sigo idealizando assim, não fosse um “grampo” invisível que instalei na minha alma, a me puxar com força para as tormentas peculiares a vida real, como um “salva vidas” a me envolver no lido com a realidade.  Os idealizei com desafios sim, mas pequenos, daqueles facilmente massacrados por mim, pelo meu amor incondicional, pela minha vigília e proteção, ou mesmo por eles, crianças “fortes, felizes e bem criadas”. E fiz isso, e por vezes ainda faço, genuinamente.

Mesmo exercendo inúmeras atividades ao mesmo tempo na vida, sendo esposa, investindo na construção da minha felicidade em cada depois, na minha escrita, no meu trabalho, nas minhas mais profundas amizades e no possível quanto ao meu autocuidado, me sinto uma daquelas mães que “não piscam em serviço”, como se eu pudesse perceber e evitar os abatimentos deles. Sei que algo está fora do lugar pelo tom de voz, pelo olhar, pelo comportamento do sono, à mesa, ou pelo choro transbordado por algo aparentemente sem importância. Chego a sentir do que se trata, tamanha a nossa ligação. Não sou maga, talvez um pouco arrogante sim, tipo as mães são, mas o fato é que a felicidade deles é vital para a minha própria e talvez por isso eu tenha idealizado e tenda a esse comportamento de forma tão inocente e orgânica.

Só que no passar dos anos descobri que a felicidade tem terreno fértil nas adversidades, na superação de obstáculos, de limitações, de problemas, no lido com as próprias histórias, travessias e vulnerabilidades. E idealizar a ausência de tudo isso na vida deles é um jeito de privá-los da sensação de felicidade inerente a tudo que, pela jornada atravessada, passamos a valorizar.

Então, todos os dias, olho para eles atrás de uma tristeza pequenininha que me ajude a desmanchar a ideia de que poderei protegê-los de tudo. Procuro aquele desentendimento da mais velha com uma amiga que a fez chorar, questionar a si mesma, ou a chateação com aquilo que eu não posso oferecer a ela. Procuro a frustração do meu menino do meio com as exigências do calendário do compartilhamento ou com a escassez das nossas negociações de tempo no videogame, ou no seu desespero na busca pela atenção, hoje dividida com mais um bebê, quando ele o era. E na intolerância da “pequenininha” da casa em colocar o casaco nos dias frios, no vencer o prato de comida antes de brincar pela sala, em dar conta da saudade dos parentes que deixa para trás nas visitas ao interior, ou no simples lido com um “não”, contorno tão necessário ao crescer e se desenvolver, para não dizer, à capacidade de sentir felicidade com o que se tem.

Procuro e acho. Vou mais fundo e acho mais. Para me salvar da idealização tão difícil de não idealizar. Para descobrir que como nós, eles carregam as suas tristezas, frustrações, desejos não atendidos, mudanças de rota não escolhidas, dor pelo que os toca intimamente, lido com as suas vulnerabilidades e que serão essas batalhas que os aproximarão da sensação de felicidade.

E compreendi que faço essa busca também em cuidado a mim. Eles já vivem as suas histórias como tem que ser, protegidos da minha “loucura” pela sua própria percepção da realidade. Dessa “loucura” que criou cenas, conquistas, risadas, uniões, filhos, sucesso, felicidade, simplesmente porque são naturais ao amor profundo e incondicional, aquele que só deseja o bom para quem ama.

Mas não idealizar a vida deles com tudo o de melhor que possamos imaginar é um duro exercício materno, e necessário. Se dá dentro, no sentir o coração bater fora, voando por aí como um balão de gás, levando o que já não é nosso e percebendo paisagens e caminhos por si próprios. Construindo uma jornada que não deve a mim, a você, a ninguém, não à nossa “felicidade de mães”. Mas a deles, dos “balões de gás” livres que só precisam achar o próprio caminho de dor, de luz, de superação, mesmo que nos tirem um pedaço.

Além do mais, como diria a minha finada avó, “a dor ensina a gemer”, e se ela ilumina e nos movimenta a enfrentamentos, recomeços e desfechos necessários, então, mamães… estamos nos formando especialistas nessa arte ♥.

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