Depois de um turbilhão, de uma avalanche, ou chame do que quiser essa ressignificação da vida a partir do que ela “era”, eu estava enfim sozinha em casa com os meus dois pintinhos, como já sonhava há pelo menos dois anos.
Como desejei estar só! Ser dona de mim mesma, da minha cama e da minha vida.
Nunca tive medo da minha casa. De estar nela. E lá estava eu, com eles, na casa onde nasceram, onde morei por quase dez anos desde o meu casamento. Este era o meu porto seguro, seja sozinha, como em muitas noites anteriores ao nascimento da Joana e do Joaquim, seja com eles, em madrugadas de febre, de mama ou mesmo de inquietude pela insônia que me acometia nos últimos meses. Nunca tive medo.
Até descer para buscar água na primeira noite sozinha em casa. Desci as escadas correndo e cruzei a sala escura com medo de estar sendo observada. Medo de espíritos, de ser surpreendida por um ladrão, sei lá… Medo de estar sozinha.
Medo como o de uma criança.
Quem passou pelo divórcio sabe do que eu estou falando. Não se trata de estar sozinha sem um homem, ou uma companhia. No meu caso ao menos não era isso. Se trata de estar sozinha na vida. De ter que se bastar. De criar duas crianças e fechar os olhos para dormir sendo a única responsável por elas naquela noite, nos dias cuja guarda era exclusivamente minha. De ter que verificar barulhos, matar baratas e acender velas quando faltava luz. De ter que ser pai e mãe naqueles momentos.
Que medo. Que medo de dormir em casa sozinha.
Aí, no auge da dor, a gente se ressignifica e fecha o buraco. Pois mudar de posição é a única alternativa para minimizar a confusão enorme que a coisa toda fica. E nasce uma nova estrutura daquelas cinzas todas. Uma pessoa, uma nova família, uma mãe-pai. Um orçamento redimensionado que não fecha. E que depois fecha. Uma cama que enche, e que esvazia. Uma casa minha. Por vezes cheia, por vezes vazia. Duas casas deles – cheias.
Quantas sensações novas… E então um novo modelo se formou. Um início indigesto, estomacal. Oriundo da mudança dos sabores conhecidos que eu tinha da vida e que já não tinham mais o mesmo significado. Naquele momento, nem a mesma forma. E que foi ficando vivo e real depois. Se conhecendo e às suas novas curvas. Cheio de descoberta, de novas chances. Cheio de coração aberto, de vontade de fazer certo. E que se tornou o modelo nosso, este que se basta de verdade; que tem seu funcionamento, seus sucessos e insucessos próprios, de adaptação, mas de verdade. Como a vida deve ser.
E aí você escuta dos seus filhos que está tudo bem. Que não dói mais. Que faz parte da vida ir para lá, vir para cá. Que o amor cresce, se distribui e se multiplica. E eles, os pintinhos, nos dão aula. E à várias mãos se constroem novas e lindas famílias: a da mamãe, a do papai. Cheias de recomeço e de afeto. Cheias de intenção. De tijolos e de amor.
Ainda tenho medo, bem mais de baratas.
Comentários
Ju
Te conheci um pouco… Mas ja te admirava agora entao muito mais.
Juliana estão ótimas as tuas descrições mostrando tuas dificuldades e problemas. Muito bem escrito. Parabéns!
Ju, parabéns pela escrita. Fico anciosa na espera por uma próxima, pois é tão gostoso ler algo que se revela a cada linha. Conforme vou lendo, fico imaginando cada tempo, cada espaço e situação. Incrível como tu consegue nos fazer migrar para tua experiência, então vivida. Sucesso!
Ju, hoje me emocionei! Lembro exatamente desse primeiro medo ( e até da primeira barata – algumas coisas são marcos, e pelo visto a barata é um deles – pra mim foi!). Uma mistura de orgulho, coragem e medo. Tudo junto. O caos da nova rotina nos primeiros dias, até que a nova família vai tomando corpo e criando suas novas rotinas. E tudo vai dando certo, e ficando cada dia melhor. Como tu escreveu em algum momento desse teu lindo relato: somos inconformadas! Eu me orgulho, demais! Por nós e por eles.