Vinha para o trabalho hoje, escutando as notícias da rádio Gaúcha, e escutei a homenagem bárbara da Defensoria Pública aos defensores pelo seu dia, comemorado nesta data. De acordo com o material veiculado na rádio, o defensor público é o grande agente protetor das “famílias afetivas”, como chamaram as famílias estruturadas sob diferentes padrões e circunstâncias.
Famílias afetivas, famílias afetivas… Me tocou profundamente este olhar. Essa forma de identificar famílias que atravessam o processo de adoção e ali geram o seu organismo. Famílias que por circunstância do divórcio, compartilham a guarda de seus filhos. Famílias formadas da união de quem se propõe a começar de novo, com sua bagagem. De quem se completa com filhos não gerados por si, mas por outro, e neste modelo, fazem lar. Enfim, famílias ligadas não necessariamente por laços de sangue, mas de afeto. E aí me vi refletindo sobre o movimento humano destas pessoas. Mais do que isso, da bondade destes processos. Da superação. Da fé no diferente, nas possibilidades. E resolvi colocar a questão para fora. Pela sua relevância. Não eventualmente para você que conquistou a sua família e que com seu amor gerou filhos, e vive em harmonia nesta estrutura que construíram. Falo do valor humano de quem foi demandado, em determinado ponto da vida, a buscar outras alternativas para impossibilidades. Para o que não tinha jeito. Para quem gerou filhos mas tem a necessidade de compartilha-los. Para famílias que existem em casas separadas. Para quem não gerou filhos e precisou aprender a amar. Para quem construiu do que tinha, uma nova família, de afeto.
Não é com todo mundo que o conto de fadas nos termos tradicionais se faz eterno. Há quem não o tenha. Há quem tenha, mas acabe. Há também quem não pode ter filhos. Quem queria dois e só pôde ter um. Quem se separou e inicia uma família na qual o novo cônjuge precisa criar seu espaço, e ter seu espaço criado por quem o recebe. E as famílias que se iniciam com filhos de outras relações, em ambas as partes. O famoso “meus, teus e nossos”. Mas quero trazer aqui também as famílias, tão comuns quanto estas que citei acima, feitas de dois pais ou duas mães. Ou feitas de avós e netos. Famílias na sua constituição como qualquer outra. Com crianças, funcionamentos e rotinas de lar. E com a característica linda de agregação. De produção humana e consciente de afeto. Cheias dele. Do que nasce do querer. Do bem que existe lá dentro do ser humano. E isso passei a perceber quando me vi com uma família diferente, e assisti do que nós humanos somos capazes.
Quando era adolescente, minha madrinha e meu padrinho se separaram, com três filhos. Eles tinham entre 9 e 15 anos, e assistiram o sofrimento dos pais. Como já falei em outros textos, ninguém deseja passar por este processo, muito menos ver quem a gente ama padecer nele. E eu os assisti, e da forma que pude, me fiz presente. Neste processo, passada a dor, o amor de pais, mas mais do que isso, das pessoas que existiam ali, fez surpreender qualquer um que conhecia aquela história na época. Assisti ambos amarem de novo. E casarem, com seus novos amores. Voltarem a amar a si mesmos e a estas outras pessoas. E constituírem, através do amor pelos filhos, uma relação de convivência e harmonia.
Na época muitos falavam da loucura que aquela mistura toda parecia. Da insanidade de misturar marido velho com o novo, esposa nova com a antiga, e os filhos que tinham e os que chegaram. Mas eles seguiam a sua constelação, ou prefiro dizer, o seu coração. Eles viraram uma grande família. Unida pelo propósito do bem estar, do bem querer. De permitir que um cenário compartilhado se formasse. De guarda, de zelo, de afeto. De novos amores. E que orgulho tenho de contar essa história hoje. Do esforço daqueles homens e daquelas mulheres. Da minha madrinha, do meu padrinho. E dos parceiros que entraram. Que fizeram a vida acontecer pelo bem. Para si mesmos e para os seus filhos.
Hoje, vivo esta história no palco. Tem holofotes na minha direção, na do pai dos meus filhos, na do meu amor, meu marido. E também na nossa razão de construir vida. Construir casa. Na direção dos nossos filhos Joana e Joaquim. Falo dessa luz porque a vida cobra a volta por cima. Ela cria o ponto final para que façamos, no movimento individual dos nossos atos, novas condições de seguir. Seguir em frente entendedores e compreendidos. Colocando nos olhos as lentes criativas das alternativas. Das tantas vidas que podemos ter e construir. Do livre arbítrio de fazermos do limão uma limonada doce e refrescante. Que nos permita ver vida e prazer no diferente. Ver respeito. Ver o outro ser humano que está ali do lado. E aí, de coração aberto, de verdade, permitir que a semente seja semeada. E cresça naquela nova terra árvore de vida. De amor. De afeto real pelo outro. E assim nasce uma família de afeto. Que passa, no amor, a se parecer. A se admirar. A ensinar ao coração que temos capacidade de gerar mais que filhos, mais que contos de fadas. Mas de gerar sentimentos genuínos e compartilháveis. Sem fim.
No palco, esse que a vida nos colocou, viramos mais gente. Nos desenvolvemos. Revisitamos juntos, crenças. Abrimos a porta do nosso coração para o diferente. Honestamente. E por ela entraram amores novos. De vovó, de vovô. De novos tios, dindas e amigos. E dali famílias do coração se formaram. E como bons vinhos, nos harmonizamos com diferentes pratos. E aprendemos demais. E seguimos assim. Juntos no afeto.
Uns parabéns aos defensores públicos, por tudo. Linda, linda, linda bandeira…
19.05.2017
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