Um dia desses, minha filha iniciou uma análise interessante, em uma das nossas conversas à beira da cama, antes de dormir. Falava sobre os tipos de amor. Ela se referia às diferenças no modo que temos de amar cada pessoa. O que identificou em mim. Na minha forma de amar. Na diferença entre o amor que me via exercitar com seu pai e hoje assiste com o meu marido.

Ela não estava chateada nem frustrada por ver um amor mais vivo e profundo em mim pelo pai emprestado, do que já tivera visto em relação ao pai. Ela estava achando o fato curioso. O fato de existirem tipos de amor, ou amores diferentes. De me assistir mulher, a sua mãe, na posição de amar de outro modo. E me sugeriu o tema para escrita. Se tratava desse tipo de amor. De homem e mulher. Era do romance que ela falava.

Ela costuma se encantar com o amor que vivemos em casa, o que envolve o meu casamento. Aquele que está no ar. E por isso lhe parecia tão curioso e interessante ver que uma pessoa pode amar diferente, cada vez que ele acontece.

Ela me põe para refletir, sabe? Não é de hoje. Sobre assuntos, como estes, que deixamos permear na vida, enquanto vivemos, sem pensarmos sobre. E confesso que foi mais um presente que ela me deu. Mais um mergulho profundo ao qual me permiti. O de navegar sobre os tipos de amor, ou como preferi classificar, o que nasce em terrenos diferentes do coração. Com diferentes motivações. Em diferentes fases da vida. Com as diferentes pessoas que residem em nós mesmos durante o nosso caminho.

O amor jovem, por exemplo, objetiva curtir junto. A princípio é isso, só. É aventureiro, cheio de primeiras experiências, de degustação livre. Ali soa até estranho falar em perenidade, longevidade da relação. Porque estamos nos conhecendo e às nossas capacidades de doação ao outro, de altruísmo no ato de amar, ou da falta dele ao nos relacionarmos sinceramente. Mas é amor sim para quem está dentro. É profundo e leva ao primeiro contato que temos com nós mesmos. Com os nossos sentimentos mais genuínos, mais humanos. Os que constroem personalidade e caráter. E o amor faz dessas coisas. Faz a gente conhecer quem realmente é.

Aí tem a fase que a gente quer construir a vida. A família, o futuro. E então o amor nasce dessa terra. Desse terreno fértil. Acho que cabe bem até chama-lo assim. Porque é quando o amor acontece em um momento no qual importa se ele pode dar mais do que romance. Se ele pode dividir contas, sonhos e vida. Dar frutos. E aí, precisa ter a ver. Ter valores semelhantes. Querer o mesmo caminho. É o momento, por exemplo, que você se pergunta se quer filhos e se o outro também quer. Se quer um amor e uma cabana, ou grandes ambições. E se o outro está no mesmo compasso. E neste ato, pode-se definir se a relação vai para frente ou não. Se o casal olha para o mesmo lugar.

Olha só como o amor não vem sozinho nesta fase! É carregado por pré-requisitos, que envolvem e dão cor à paixão e a coisa toda sobre amar. E neste momento você acaba passando o sentimento e a pessoa por um raio X que avalia se aquilo casa literalmente com aqueles planos todos. E se ele passar, pelos testes das expectativas e do coração, somados, ele inicia a primeira fase do compartilhamento da vida. O de viver junto, de casar. Nessa cesta pode até acontecer de um pesar mais que o outro. Mais razão, menos coração. E vice-versa. A questão é que envolve mais do que amor.

Aí a gente junta os trapos e a sacola de sonhos, e segue vivendo. E mudando. E o desafio passa a ser convidar o outro nesse movimento, a fazer junto. E junto, evoluir no amor.

Só que às vezes não acontece. E o que ela precisava aprender naquele momento era mais do que não se frustrar com o fato de poder não dar certo. De perder aquele investimento afetivo da vida. Ela precisava saber que o fato de não dar, não faria daquelas pessoas menos determinadas. De sentimentos fugazes. Fracassados. Ou que estariam fadados a este destino para o resto da vida. O destino de viver de amores que não crescem nem se modificam pelo outro. De amores que ficam para trás. E essa era a minha missão. Missão de mulher. Como exemplo do que acredito significar “jogar a toalha” em uma relação sem isso diminuir a ninguém. Mas principalmente a missão de mãe para ela. De fio condutor daquela família que formamos e que não é frágil. Não foi antes e é menos ainda, agora.

E isso queria dizer faze-la segura. Ensina-la que o seu pai emprestado não irá embora. Que trabalhamos como família diariamente para que isso não aconteça. Com muita intenção envolvida. Com muito amor e responsabilidade. Mas sem construir uma Torre de Babel, ou um castelo de papel. Porque do futuro, mesmo cheio de boas intenções, sabemos pouco. E se acontecesse, um dia, de por qualquer motivo ele não estar mais aqui, conosco, isso não seria parte de um ciclo. Do ciclo do fracasso. Daquele que a sociedade e nós mesmos, muitas vezes, vestidos de preconceito, marcamos com ferro em brasa nos nossos destinos como incapacidade. E que não somos herdeiros desta sorte. Que o amor ainda pode ser para sempre.

Porque moldados por erros e acertos, pela coragem de enfrentar os monstros que deixamos nascer e criamos em nossas casas, dentro das nossas relações, aprendemos a amar. A amar melhor. O tempo e os moldes que a vida faz da nossa alma, nos ensinam sobre o perigo. Sobre os caminhos que machucam e permitem a gente machucar. Traduzem, nos filmes da vida, o que não queremos mais. A estrada a qual não mais pegaremos. Por já conhecê-la e saber onde ela leva. E aí a vida permite o acerto. A segunda chance. Aquela que todo mundo merece. Que eu merecia, que o meu marido merece. Que os meus filhos merecem. E que o pai deles, também.

Aquela chance do amor seguro, profundo e consciente. Que faz casa. E que ela vê acontecer. Do tipo que a gente constrói e que nos cai bem. E esse é o melhor tipo de amor que tem. Do tipo verdadeiro, honesto.

Do tipo que nos faz melhor. Do tipo que faz feliz.

 

Comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES