Duas casas. Aqui é proibido pular ou comer no sofá. E para o Joaquim, abrir a geladeira. Refrigerante somente no final de semana. Assim como o uso do Ipad ou jogos no celular. Na nossa casa criança não vê novela, então Netflix, Disney Channel e Chiquititas imperam entre 20h30 e 22h00. As regras, bastante inflexíveis, orquestram nossas vidas da chegada da escola à hora de dormir. Começa com banho, sala de brinquedos, jantar, temas e um pouco de televisão. Quintas-feiras, instituímos a “noite da família”, na qual fazemos tudo juntos. Até pegar no sono. E não preciso dizer que é a predileta da semana para eles. O grude é livre. Nada de trabalho, ligações, Facebook ou computador. Dedicamo-nos uns aos outros.

Pois então. Aqui é assim. Só que como disse antes, eles têm duas casas. Filhos de pais separados tem. E lá, as regras são outras.

Mesmo havendo um alinhamento entre as casas dos meus filhos, o que nós adultos nos propomos imbuídos das melhores das intenções, se tratam de ambientes diferentes. De pessoas com hábitos e gostos diferentes. De rotinas distintas. Falo de coisas simples, que definem a orientação da pessoa para comer, se vestir. A melhor hora de tomar banho e a implementação ou não de lanche da noite, após o jantar. Do que ouvir de música ou como se divertir. Do que entusiasma como objetivo de vida ou que lugar elencar como destino de viagem. Em como gastar dinheiro. E no quê.  E aí me dei conta que estes efeitos, destas diferenças todas entre suas famílias, impactam diretamente neles. Enquanto para nós, uma delas, sobram apenas opiniões divergentes e críticas a administrar.

Eles têm regras diferentes de convivência em cada casa. E confesso que nunca me ative a este ponto com toda a atenção que ele merece. Considerando que são amados e bem recebidos em qualquer uma das casas, não achei que diferenças de gosto para comida, de gênero musical ou da ordem de suas rotinas pós escola fossem constituir um ponto frágil. Que pudessem deixá-los inseguros quanto ao que ser. Ao que gostar. Se na casa da mãe e do pai emprestado, se ouve um estilo de música e se tempera a salada de um jeito, enquanto no pai estas pequenas coisinhas funcionam de forma diferente.

E aí, olhei através deles. Identifiquei como pequenas coisas podiam construir grandes dificuldades. Como poderia ser difícil para uma criança se sentir parte de lados tão diferentes. De duas famílias tão distintas. De duas casas. E nelas, se constituir ser. Indivíduo com gostos e opiniões próprias. E pensar que este era um peso que só eles carregam… Eles que vem e vão. Que trocam de mundo tantas vezes por semana, com suas malinhas na mão. Com aquilo que os acompanham em cada viagem. A chuteira predileta, a tiara de orelhinhas. A legging jeans igual a da mamãe, ou a camiseta do Barcelona presente do vovô.

E me dei conta da responsabilidade de acolhe-los. Eles e suas bagagens. Com todo o nosso respeito. Com todo o movimento de aceitação das tantas diferenças que temos entre famílias. Que não são menos importantes que as diferenças de gênero ou de classe social que temos na nossa humanidade e sobre as quais precisamos orienta-los. Nas diferenças na nossa comunidade. Que existem no trato à quem nos serve. Que caracterizam os que tomaram rumos na vida diferentes. Menos sofisticados, mas não menos nobres. E que se pintam e vestem de tons e cores diferentes das que colorimos a nossa história. Ou escutam e dançam sob outra melodia.

Porque são só diferenças. Aquelas que lapidam delicadamente os traços das nossas personalidades, o nosso modo de viver. Mas que não devem nos ilhar, nem nos separar do resto do mundo. Nem desrespeita-lo ou menospreza-lo. Muito menos quando se tratam de mundos que são também dos seus filhos. Que encantam aos seus ouvidos e embalam os seus corações. E que definem a paternidade do pai deles e o exercício dela. Da parte que terá a influência dele em suas vidas. Assim como enriquecemos com a nossa.

E assim damos, a cada dia, mais um passo na direção de aceitar. De compartilhar. Da vida deles. Do que se tornam a partir de si e dos mundos que conhecem e pelos quais são educados, orientados e amados. Das duas casas, cada uma a seu modo. E que devem ser teto e amor. Sem qualificar ou desqualificar. Sem julgar. Só ser lar.

E aí quem sabe, da diferença que veem de pequenos, aprendam como permear no diferente e se tornarem seres humanos melhores neste mundo tão plural. Tão rico nas suas diferenças. Aquelas que começam ali. Nas duas casas de Joana e Joaquim.

 

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