Um dia desses, escovando o meu cabelo no salão de uma amiga de longa data da minha família, falávamos sobre o tamanho impacto do que nós pais e mães declaramos em alto e bom tom aos nossos filhos, nas cenas do dia a dia. Seja verbalmente, seja nas outras tantas linguagens do corpo, do olhar, ou do exemplo em atos. A profissional que penteava maravilhosamente meu cabelo, me contava da sua vivência com seus cabelos crespos a partir das coisas que ouvia da mãe, desde pequenina.
O sonho da mãe dela, mulher de cabelos lisos, era ter cabelos crespos. Sempre os achou belíssimos e desejava que pelo menos um filho ou filha a presenteasse nascendo com cabelos cacheados. Pois bem, aquela que me penteava veio cheia deles. A única da família. E da mãe ouviu desde sempre o quanto seus cabelos eram belos. Essa fala genuína da mãe a trouxe tal segurança que até hoje usa seus cabelos somente crespos. Não alisa seus cachos jamais, pois entendeu a partir deles sua identidade positiva, seu verdadeiro eu, seu reflexo amigo no espelho. Sua segurança sobre quem era e o que tinha de valor. E que começava pelos cabelos, pelos quais era valorizada por quem a gerou e a seus primeiros ensinamentos quanto a vida.
Fui embora neste dia pensando o quanto devemos ser responsáveis pelo que dizemos aos nossos filhos. Não só quando a intensão clara é estimula-los. Falo da fala genuína, diária. Dos olhares de repressão ou de admiração. Daquilo que fazemos por querer e sem querer. Do exemplo de aceitação do que somos e do que fazemos dentro de casa, na frente deles, sem atuar. Atos estes que darão segurança a eles para cada passo, para cada novo entendimento sobre as pessoas e sobre si próprios. Sobre o que tem de bom, o que tem a melhorar e ao que querem ser.
Poderia aqui dar mil exemplos. O de alguns pais, com a preocupação explicita quanto ao ganho de peso exacerbado de um filho, utilizando muitas vezes colocações duras com relação a medos que são deles, aos seus pequenos seres em construção. Ou de outros pais, que no ímpeto de proteger seu filho de passar por uma situação ridícula, com base também nos seus medos, experiências e referências, tentam demove-lo de uma atitude própria, de uma conduta sua. De uma roupa. De uma postura. De um penteado diferente. Seu e próprio. Ou mesmo elogiando repetidamente a beleza dos olhos de um filho ou a inteligência do outro, sem se dar conta de que está, neste ato, criando rótulos, certezas, defesas e até mesmo escudos em uma criança em formação de imagem e caráter próprios.
E quem, cheio de boas intensões, já não errou na forma de se colocar em situações como estas? Que mãe não?
Eu já. Eu, quase todos os dias. Eu, por conversar demais com os meus filhos e de com eles ter um canal bonito e honesto, erro pra caramba. Exponho crenças minhas. Elogios e defeitos sobre situações vistas pelo meu olhar. Cheios de referências minhas, e que muitas vezes não são deles, nem lhes parece relevantes.
Está aí. Lado ruim das mães que falam, que se posicionam. Quem se identificou, bem-vinda ao clube dos que acham que podem protege-los dos medos e da vida que não são deles. Daqueles que se alojam nos nossos quartos escuros.
Trago essa reflexão como cenário de histórias dos meus filhos, completamente diferentes, que gostaria de dividir com vocês hoje. Uma do meu franco e destemido Joaquim. De comentários honestos, em alto e bom tom, nunca precisou, em seus atos de criança, da minha aprovação. Nem da de ninguém. Não que não cultive o hábito de me alegrar e acarinhar com falas e atitudes que sabe que são importantes para mim, ou que eu gosto. Mas não deixa de ser ele. Jamais. Doa a quem doer. E em um destes atos, foi claro com relação ao seu sentimento imediato frente às perdas que identifica com a vinda da nova irmã, ainda na minha barriga.
Em um café da manhã de família, o qual repetimos diariamente como uma rotina gostosa de carinhos e risadas, ele verbalizou seu descontentamento em não ter mais um colo da cama para a mesa do café, por conta da minha barriga protuberante de cinco meses. Minha justificativa imediata e cheia de beijinhos pelo seu rosto e abraços apertados, foi explicar que ao fazer força para levanta-lo, correríamos o risco da mana, “penduradinha” na minha barriga, cair. Não conseguir se segurar dentro de mim. E aí perderíamos ela. Afinal, ele já teria seus 25 quilos, o que não seria pouca força. Foi então que, naturalmente, ele me disse:
– Então que caia. Não aguento mais ficar sem o teu colo, mãe!
A mana Joana, injuriada pela sua fala negligente frente a vinda da nossa bebê, deu seu discurso inflamado! Ela, do seu jeitinho, completamente diferente do dele, transborda sua fortaleza e administra suas sensações de perda. Muitas vezes chora. Coloca para fora suas dores e frustrações. Mas logo veste sua armadura de mulher forte, como diz ver na mãe. Em mim… E assume a pessoa que quer ser. Como a de ter a capacidade de compreender e acolher.
Mas que nada! Fortaleza eu? Olha o que mostrei a ela, querendo ou não…. Uma pessoa que compreende e aguenta tudo. Que se levou muitas vezes ao limite, e que fala poucas verdades aos que ama para não os magoar. Sempre cheia de jeitinhos….
A verdade é que gosto de sofrer das minhas dores e de levantar. Só não fico estirada ao chão, por uma questão de ponto de vista. Por entender que aquilo não vai melhorar as coisas no meu hoje, nem no meu amanhã. Então sempre me movimentei por mim. E neste ato, sem saber, influenciei diretamente a mulher que está se construindo da menina Joana. Do futuro do tesouro mais antigo que tenho em casa e nesta vida. Que amei antes mesmo de amar a mim mesma, do jeito que sou. Falo desta que descobri, que enfrentei há pouco. Que realmente despi nos últimos anos.
Então, conscientemente, orientei minha fala de mãe o mais responsável que consegui ser naquele momento, e falei:
– Não Joaquim, não tem problema quereres que a mana caia. Perdeste o colo e posso entender isso. Logo o terás de volta, e enquanto isso te darei beijinhos, carinhos e músicas na cama antes de dormir…. Passará logo. Faltam apenas alguns meses.
– Não Joana, não o repreendas. Ele tem suas razões e confesso que de ti não esperava atitude mais brava do que a que tivestes, em defesa dos teus. Te pareces muito com a tua mãe. E falo isso cheia de reconhecimento, de acolhimento e de aperto no coração, pois sei do que abrirás mão na vida. Meu trabalho aqui é que não seja nunca de si própria. Pois a amarei do jeito que és, da cor que quiseres ser.
E assim, meus amores imperfeitos trilham comigo todo o dia este caminho. O de conviver sem acorrentarmos uns aos outros. Nem a modelos, nem a perfeições, nem a palavras, nem a medos. Livres de rótulos. Do feio e do bonito. Do ser bom e do ser mal. Da linha tênue entre sermos diplomatas e sermos honestos. De sermos alegres e gratos, e de termos raiva das nossas pontuais realidades. Da que separa a vida que tive da que eles terão. E do que invariavelmente possa se repetir, por genética ou por comportamentos, ou mesmo por conta do que vivemos juntos em cada dia, em cada conversa da nossa vida em família.
Sobre cabelos crespos, odiava os meus quando era criança. E também à minha magreza intensa e o meu excesso de sobrancelhas. A notícia boa é que busquei ser mais amiga do meu espelho, e daquele melhor que os meus pais puderam fazer na época. Do que me passaram e que me aproximou da aceitação de mim mesma ou distanciou.
Mas que ok. Foi feito o que era possível. E também, geraram só alguns quilômetros a mais….
Fui atrás do que eu sou hoje e do que eu gostaria de me tornar a partir do que não me agradava, do que eu não reconhecia. E assim, ficou tudo bem. Percebi que posso mudar. E que posso ser o que eu quiser, agradando principalmente a mim própria. Quem realmente importa. Quem vai criar vidas, criar crianças. Quem vai cultivar amor em casa, próprio e pelo outro, com quem quero o resto da vida pela frente. Mas que para isso acontecer, e bem, precisaria eu me amar, e me fazer feliz no possível, honestamente.
É um caminho. Trilhado diariamente na busca dessa arte. E se se cria filhos pelo exemplo, então eu estarei no caminho de fazer não o perfeito, mas o meu melhor.
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