Estou, no momento desta escrita, vivendo o final da minha gestação da Antonella, o lançamento do meu primeiro livro, a apresentação do New Families. Um momento intenso e feliz da minha vida. Tenho dormido e acordado explodindo em gratidão pelo que a vida me possibilita neste momento, no que tange dar e receber. Dar, dentro das minhas possibilidades, o que me sinto humildemente competente em fazer, ou no mínimo bem-intencionada. Receber, no auge da minha falta de arrogância. Essa que em muitos momentos da vida me impediu de aceitar o oferecido pelo outro, seja o valor desta vida que for, e que hoje me permito ser presenteada.
Esse momento todo, sobre o qual falei em um pequeno parágrafo, tem me humanizado muito, me deixado à flor da pele. Me convidado a situações de reflexão e organização de tudo o que fui e fiz até aqui e de como gostaria de passar a ser e fazer daqui para frente. Em todos os âmbitos, em todos os papeis. Me questiono a todo o tempo como mãe, como esposa, como profissional. Não buscando defeitos, lacunas, que sejam simplesmente cruéis ou injustas comigo e com o meu momento de vida. Até porque seria muita ingratidão da minha parte. Mas no sentido de revisar, de ser melhor, de me sentir mais útil, de me fazer mais feliz e aos meus.
Eis que essa vida rica me oportuniza a todo o momento e joga na minha face funcionamentos e modos de conduzir as coisas, que pela primeira vez, me soaram cargas pesadas para mim e desonestas para com as pessoas mais importantes da minha vida. Deixa eu tentar explicar…
Proteção. A minha vida inteira agi em proteção a coisas, status e pessoas. Proteção à integridade de verdades que acreditava, de relações, de intensões. Protegi também afetos, de verdadeiros em algum tempo, à convenientes. Quanto a coisas, protegi patrimônios, estruturas, lugares, posições. E em um episódio simplório, dentro da nossa casa, na noite anterior, me dei conta, de uma vez só, quão nociva, maquiavélica e desonesta pode ser a proteção. Afinal quando protegemos alguém de alguma coisa podemos estar distanciando esta pessoa de uma verdade, de uma realidade importante para a jornada da sua vida. Para o estabelecimento de escolhas. Ou mesmo para o conhecimento real do que vive e sente, do que tem a sua volta.
Tudo do qual me protegi e criei proteção na vida veio a desmoronar do jeito que era. Se desmanchou para mim ou aos olhos de quem achei que preservava. Não por serem totalmente irreais. Mas por serem carregadas de idealização, o que anda de mãos dadas com a frustração.
Então, neste banho de realidade, no auge das minhas 36 semanas de gestação, joguei a toalha. Percebi que não posso fazer isso com quem mais amo. Que não posso protege-los da realidade e sim, ampara-los sempre. Estar aqui, estar do lado. Mesmo porque as realidades são perfeitas, são elas mesmas, e quando conhecidas nos promovem a sermos melhores frente a elas, a sabermos lidar. Até a admirar aquela diferença.
Protegi por anos o casamento com o pai dos meus dois filhos. Protegi familiares e amigos dos meus problemas. Idealizei a família perfeita. E essa proteção desonesta criou no subsolo das nossas vidas um monstro sedento e insaciável pela verdade, que nos abateu como um tsunami.
Após esta avalanche, reestruturei a minha família protegendo meus filhos. Desta vez, com muito mais cuidado no lido da transparência, com bodes na sala. Mas ainda assim os protegendo pela idade talvez e capacidade de entendimento, ou mesmo para poupa-los de realidades que enxergo tão importantes para as boas relações que terão comigo, com o pai biológico, e com o pai afetivo. Tornando-os muitas vezes conhecedores apenas dos dias bons. Daqueles que sentamos em família para jogar ou rir junto… daqueles nos quais todos estamos descansados, bem-humorados, sem preocupações, só feitos de energia elevada e programações animadas e isentas de algumas duras realidades. Ou mesmo daqueles que, pelas minhas mãos, esconderam uma posição, uma cena, uma opinião que seria de sabor ácido, mas verdadeira e construtora de boas e claras realidades.
Há pouco, me vi protegendo meus filhos do cansaço do meu marido. Me vi protegendo meu marido da demanda natural e cansativa muitas vezes, que envolve meus filhos, agora nossos. Me vi intermediando. E pior, me vi repetindo este comportamento. Com eles, com os meus filhos e o pai, com suas usuais frustrações ou mesmo posições protegidas para não mostrarem os lados menos iluminados de ambos. Me vi me desgastando. E pior, maquiando a linda realidade deles. Aquela verdadeira. Cheia de acertos e erros, de defeitos que reconhecidos virariam brincadeiras ou mesmo limites saudáveis entre eles. Entre filhos e pai afetivo. Entre filhos e pai biológico. Entre pessoas que já se amam e podem suportar os defeitos e virtudes uns dos outros. Que podem estabelecer seus encontros de águas e seus muros. E assim, não criarem embaixo de si, monstros famintos.
Neste momento, com os nove quilos de bebê que carrego, deste terceiro ser que gero em mim, me senti leve. Me isentei. Me permiti sair do controle. Perdi em segundos o gosto amargo dessa arrogância que se chama a proteção da forma como a entendia. E, por incrível que possa parecer, não me senti os abandonando, mas sim os empoderando. A todos eles. Aos meus amores, marido e filhos, quando os dei confiança para construírem juntos e a partir dos seus próprios olhos e impressões, suas relações mais profundas. Ao pai deles, quando o dei a autonomia de ser e parecer o que é, o que quer.
E aí, fechei meu porão. Ele incrivelmente se calou, escureceu. Perdeu vida. Porque naquele ato de grávida, cansada e profundamente conectada à vida, de uma forma geral, pela que está vindo aí, deixei de alimentar monstros à “Toddy”. Desejando que por inanição, este não viva embaixo do nosso lar de novo, como já viveu antes. E como “persona não grata”, caia em sono profundo e sem forças. Não desmoronando assim a vida de mais ninguém a quem amo.
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