Em uma quinta-feira dessas, zapeando pela tv a cabo, chegamos por acaso no filme “Pai em dose dupla”. Estava passando no telecine e eu e as crianças ainda tínhamos quase duas horas juntos antes da hora de dormir. Uma mulher no nono mês de gravidez, adora uma tv, principalmente no final de noite com os filhos. Minha energia para brincar se foi, então assistir a um filme de comédia abraçadinha neles virou o nosso programa favorito.
Sugiro o filme, e ponto. Principalmente para quem se encontra na árdua jornada de reconfigurar a família com um outro alguém, no lugar que era do pai ou da mãe na constelação familiar.
Choramos de rir e refletimos, cada um no seu lugar, sobre tudo o que passamos, ontem e hoje. O filme é uma comédia, então nos divertimos com fatos reais do processo de adaptação da nova família, no nosso caso, da entrada do pai afetivo nas nossas vidas e na vida do pai biológico.
O filme trata com sátira a dificuldade deste homem que entra em uma família com filhos, após um processo de divórcio. A semelhança com a nossa realidade foi natural, e as crianças me olhavam a todo o momento buscando comigo confirmar nossos episódios naquele processo. Sem comentários. Só risadinhas cumplices e olhares sapecas quanto ao que era obvio comparar.
A trama é mais ou menos assim. Após muito trabalho e dedicação do pai afetivo em entrar em uma família com um casal de filhos, e ali construir passo a passo relações afetivas sólidas com as crianças, chega o pai biológico na história, cheio de hostilidade, ao se dar conta que a estrutura da família da qual fez parte tinha agora um novo integrante. O pai afetivo o recebeu cheio de boas intensões, realmente buscando aval para entrar, buscando construir sua posição respeitosamente.
O pai biológico chega no ímpeto de reconquistar o lugar naquela órbita, simplesmente por não enxergar a possibilidade da coexistência das duas posições de pai. E isso foi interessante. Ele já não amava a ex-mulher nem desejava verdadeiramente ser o homem daquela família. O que o moveu foi não enxergar que poderia ser pai sem ser parte da constelação daquela casa. Que o seu lugar de pai jamais seria perdido. Que o pai afetivo chegou com o propósito de somar apenas, não de ignorá-lo ou descarta-lo. E foi aí que a comédia deitou e rolou.
Inevitavelmente competiram pelo lugar de pai. E aí, erraram os dois, magoaram a mãe, assustaram as crianças. Porque os pequenos podiam gostar dos dois, aprenderam isso na construção da relação com o pai afetivo. Quando da vontade de mata-lo e exterminá-lo no início, que é o que fazem as crianças nas primeiras resistências ao novo modelo de família, passaram a admirar sua dedicação e reconhecer a soma do seu amor. Sem preterir o pai, sem destituí-lo do lugar que sempre será dele. Mas os adultos nem sempre entendem os sinais, nem os das crianças, nem os da vida. Nem sempre se apropriam com segurança do que é e sempre será deles.
Mãe é mãe. Pai é pai. Pai afetivo é pai afetivo. E mesmo sem essa experiência dentro de casa, estenderia à mãe afetiva a mesma definição. Ninguém é melhor do que ninguém. São construções e méritos completamente diferentes. O que o pai afetivo precisa percorrer no caminho de construir o afeto com filhos de outro é completamente diferente do que faz de um pai, bom pai. O mesmo serve para as mães, mas aqui vou tratar a posição deles. Desta tratada no filme e na minha vida real. E se enxergarmos realmente o papel de cada um, a gente não se confunde. E aí, não conflita. Não compete. Não traz sofrimento nem confusão à vida das crianças. E mais importante, não os fazem ter que escolher, quando podem ter tudo. Neste caso, um pai biológico e afetivo e outro afetivo. Dois homens para amar e contar.
Eis que, no final do filme, a trama nos surpreende positivamente. O final feliz daquela nova família e o entendimento entre aqueles pais, resolve a constelação da trama. Passam a conviver em harmonia. Amados e reconhecidos pelas crianças. Como as novas famílias podem ser, se todos quiserem. Se colocarem emprenho e compreensão sobre as mudanças da vida, sobre suas novas propostas. Sobre a mudança do amor, sua ressignificação e os recomeços. E assim vimos acontecer, na nossa casa e no “ Pai em dose dupla”.
Mas como quase toda história se propõe a trazer uma “moral” ou um aprendizado, o pai biológico, pivô do conflito da comédia toda, vira pai afetivo. Na reconstrução da sua vida, com seu novo casamento, se depara com uma relação que traz uma filha de outro. E nesta relação ele muda de lado. E ali, é ele quem precisa construir seu espaço.
Posso garantir que a comedia não vai deixar barato…. Afinal, a vida imita a arte.
Comentários
Sensacional… estou vivendo essas experiências, culpa, medo, solidão me definem as vezes. Abraço obrigada pelos textos.