Há tempos que percebo, nos ambientes escolares das minhas crianças, que Dia dos Pais e Dia das Mães causam desconforto, constrangimento e sofrimento para algumas famílias. Ainda não tinha me separado do pai de dois dos meus filhos e lembro de um coleguinha da minha filha, fruto de uma nova família, faltar às aulas durante toda a semana que antecedia o Dia dos Pais, por não ter um pai. Por ter, nesta função, um avô. E na proposta escolar de homenagear o pai na posição de progenitor, de origem, o menino se sentiu diferente. Foi colocado pela escola nesta condição, já que não possuía o pai para colocar de mãos dadas ao lado das suas duas mães, suas progenitoras, como fizeram os amigos. Isso me fez sofrer. Naquela época, sem saber que eu viveria este sofrimento em causa própria. Na minha carne e na dos meus filhos.

Me separei anos depois, e me vi na realidade de uma nova família. Primeiro comigo e com as crianças. Depois com o amor que chegou e que se tornou meu marido e pai afetivo deles, mergulhando nesta relação com todo o seu coração. Quem acompanha as minhas crônicas sabe que o meu marido não tinha filhos ao me conhecer. E que entrou na nossa família com os dois pés. Mesmo se tratando de uma canoa instável, de tripulantes que ainda se acostumavam com sua nova realidade, com a ausência do pai em casa, com um formato de família diferente. E ali, assumiu, nos nossos dias do calendário do compartilhamento, a função de pai. Sem qualquer intenção de roubar o lugar de ninguém. Imbuído pelo desejo de me ajudar na minha missão de cria-los e amá-los, e de fazer parte daquilo. Daqueles dias deles. E nesta função, foi pai. E o é até hoje, atendendo pelo apelido carinhoso de “Tio Lê”.

Só que de lá para cá foram três Dia dos Pais. Três datas nas quais, pela semelhança de funções, exercidas pelos dois “caras” presentes na vida dos meus filhos, eles se constrangeram, se sentiram desconfortáveis, e sofreram nas festividades da escola. Como homenagear aqueles dois amores, aquelas duas pessoas especiais, no dia que é só de um? Que assim foi colocado no ambiente escolar?

Não estou desvalorizando o pai aqui. Meus filhos têm um pai presente e que assume suas devidas funções. Só que por circunstâncias da vida, vieram a ter outra fonte de afeto e presença na mesma função. Na função de pai. E aí, como presentear e homenagear duas pessoas sem ofender ninguém? Sem desmerecer o pai afetivo e biológico, nem o “Tio Lê” deles? Sem parecer diferente perante os amigos? Sem culpa? Sem sofrer… quando se é apenas uma criança que sente o amor dos dois “caras” presentes em sua vida?

Pois bem. Sucessivamente, meus filhos fizeram tentativas de acomodar a situação. No primeiro ano convidaram os dois, com toda a inocência peculiar a uma criança, para as comemorações da escola. O “Tio Lê”, ausente da cidade, não compareceu, e ambos reclamaram a sua presença. Até se depararem com colegas que não entendiam a existência dos seus “caras”, dos seus pais, e chegarem à conclusão que foi melhor assim. Que foi melhor lidar com um só.  Até se darem conta que o presente orientado pela escola era para um, para o dono do trono. Até vivenciarem pela primeira vez, a realidade da sua estrutura diferente, dessa que tange as novas famílias.

No segundo ano simplesmente escolheram não passar por “saias justas”. Passaram quietos pelo Dia dos Pais, anônimos na escola, no presente ornamentado, no assunto quanto a comemorações. Deixaram passar rápido, passar logo, para não doer. Fazendo vista grossa com seus corações. E viveram a nossa realidade na segurança das nossas paredes, da nossa casa. O nosso Dia dos Pais. Onde puderam olhar no olho do “cara” daqui e reconhece-lo, como fazem todos os dias.

No terceiro ano, para a minha surpresa, me solicitaram os dois, Joana e Joaquim, duas fronhas de travesseiro, a pedido da escola. Duas para cada um. Era para a produção do presente, mas confesso que não me surpreendeu o fato de serem duas para cada. A solicitação chegou, como de costume por parte da escola, e eu comprei. Meus filhos naquele ano se encorajaram. Em sala de aula produziram dois presentes de dia dos pais. E no segundo domingo de agosto, quase mataram o “Tio Lê” de emoção.

Não paro de pensar porque as coisas são assim. Porque precisa de sofrimento. Porque uma posição define uma função, um afeto, que pode vir de lugares simplesmente diferentes. Porque a escola não trata esse tanto de possibilidades que propõe a vida em família, criando cenários livres e confortáveis às suas crianças.

Nunca vi propagandas de Dia dos Pais ou Dia das Mães com espermatozoides correndo para a concepção ou óvulos sendo fecundados. Me passa pela cabeça, de cara, que talvez seja porque isso não importa. Porque as propagandas, recheadas de ações de amor, de amparo, de proteção e respeito, homenageiam a função deste “cara” na vida da gente, ou “destes caras” presentes na estrutura das crianças filhas de novas famílias. Das crianças que possuem duas casas e muitos afetos. Que exigem da sua rede, redundância. Presença no seu dia a dia. Quando caem da bicicleta lá, e tem febre aqui. Quando são assistidos com amor em todos os seus lugares neste mundo. E que às vezes recebem de um avô, de um tio, ou do marido da mamãe que se torna ali, naquela realidade, pai.

Marcos Piangers escreveu no domingo passado sobre seu entendimento quanto às funções e posições dadas às pessoas dentro das famílias. Criticando o porquê de chamar de enteado a quem se sente como filho. Do porquê se chamar de pai afetivo a quem se sente como pai. Porque não simplificamos e usamos o nome bonito e único de cada uma dessas funções, e que em nada tem a ver com espermatozoides, óvulos ou mesmo a presença exclusiva naquela função por um tempo da vida. Me atrevo a dizer que talvez as coisas não sejam assim porque a vida não vem com legenda. Porque os amiguinhos grandes e pequenos, na maioria, não entendem nem concordam que existam dois pais, duas mães, ou filhos que não gerados biologicamente. E aí julgam diferente, inapropriado ou simplesmente de menos valor. Ou talvez porquê pais e mães biológicos ainda se sentem ameaçados em suas funções, quando a preocupação deveria ser simplesmente garantir aos filhos mais e mais amor. Onde estiverem. Ou ainda porquê, fazer diferente, gere culpa.

Então lhe convido a levantar da sua cadeira. Dessa que é a sua função. E então, sente na do seu filho. E sinta. Sinta ele e o seu coração com a realidade de ser parte de duas famílias, de duas casas ou de uma família diferente. E aí, procure perceber o que seria o melhor para ele e do que precisa quando você não está. Porque você não está em tudo nem em todo o lugar… E é ele quem importa, quem precisa ser assistido.

Desejo, sinceramente, que os meus filhos possam ter pais e mães presentes em seus caminhos. Quantos seus corações precisarem. Nos dias em que suas vidas acontecem lá, na sua outra casa, e não aqui. E no futuro, acolá, pelo mundo. Para que o amor de família e o cuidado não faltem em lugar algum. Como já não faltam nas casas dos “caras” deles. Dos pais de Joana e Joaquim.

E que estas pessoas, que cuidam das nossas crianças, possam ser homenageadas nos dias festivos das escolas. Nos dias dos pais e das mães. Sem constrangimentos, sem dor. Só de amor.

Todo o meu amor e respeito aos pais de afeto das novas famílias, neste Dia dos Pais.

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