Trabalhei a vida toda e confesso que me sinto angustiada na licença maternidade. Um misto de loucura por sair de casa, de não saber ficar tanto tempo sem a endorfina do meu dia a dia de antes, e de, ao mesmo tempo, estar pronta para uma vida de aposentada. Basta eu pensar em reduzir meu tempo com os meus três filhos. Basta eu imaginar vê-los somente à noite. Só de pensar já me sinto incapaz de dividir este mísero tempo entre três crianças e o meu casamento. Estaria dando quase nada de um dia inteiro a quem mais importa. Que lógica tem isso?

Ouvi uma vida toda meu pai dizer que em primeiro lugar vem o trabalho, pois é ele que viabiliza o conforto da família. Que sem o sucesso nesta área, eu não seria nada para filhos e companheiro. Pois a vida seria miserável, não teria estampada a marca da minha contribuição de mulher e mãe forte. Capaz de prover. E assim cresci. E isso nunca teve sentido para mim, mesmo sempre trabalhando fora. Nem quando não era mãe. E o tema foi motivo de inúmeras discussões de valores entre nós.

Não preciso dizer que com a vinda de cada um dos meus filhos, tal valor fez menos sentido ainda. Sempre ficou claro para mim ao assisti-los, que é a mim que querem, que sempre quiseram, e não o que um excesso de trabalho da minha parte pode comprar. Não importa para eles. Nunca importou. Quando me separei do pai deles, saímos de uma casa muito bacana e confortável na zona sul e arborizada da cidade, e fomos para um apartamento bem simples, nós três. A mudança foi importante, pois perderam além de espaço, o lugar aconchegante onde nasceram e cresceram. E eles, apesar das saudosas lembranças do lugar, não esboçaram qualquer resistência ou indiferença ao novo lar. Ao contrário, valorizaram a cada minuto o esforço do meu movimento e o fato daquele espaço ser nosso.

Tudo isso para dizer que crianças querem dos pais presença, atenção. Muito além do exemplo de capacidade braçal, intelectual e financeira. E da minha primogênita à caçula, fui aprendendo com cada experiência com eles e com cada escolha feita, o caminho que mais fez sentido para a nossa relação. De mãe e filhos.

Na minha primeira experiencia como mãe, era empregada na área comercial de uma instituição. Voltei da licença maternidade ao trabalho com uma bebê de pouco mais de três meses, em pleno inverno. Por sorte a empresa me oferecia uma creche excelente para os filhos dos funcionários, o que me propiciou continuar com a amamentação. Neste país, essa infelizmente não é uma preocupação. Uma criança deveria ter o direito ao acesso livre ao leite materno e ao contato com a mãe no seu primeiro ano, ou pelo menos, para falarmos de mínimo, nos seus primeiros seis meses. Só que esta não é uma realidade. E não fosse o benefício que as funcionárias tinham nesta instituição onde trabalhei, teria que ter desmamado a minha filha ou largado o emprego. Um verdadeiro abismo entre as minhas alternativas. Ela ou a viabilidade da nossa casa. Ela ou a minha realização profissional. Parece drama, mas não é. Vivia um casamento onde dois contribuíam na casa, e a manutenção da nossa estrutura também dependia dos meus rendimentos, como ocorre em inúmeros lares brasileiros.

Então, apesar de morrer de pena de tirar aquela bebê da cama tão cedo todos os dias, para uma jornada de quase doze horas na rua, entre saída e chegada em casa, ainda éramos parte de um grupo privilegiado. Mesmo considerando as duas cirurgias que a pequena passou por conta do excesso de otites e inflamações respiratórias por, tão pequena, ser exposta à rotina de trabalho da mãe.

Na minha segunda experiencia, aproveitei o período da licença para uma transição profissional. Nesta ganhei seis meses com o meu filho. Até viabilizar com ele uma adaptação sadia na creche, maiorzinho, por menos horas, e com visitas esporádicas para uma mamada ou outra, já que o meu novo desafio ficava a poucos minutos da escolinha e me permitia certa flexibilidade. Pelo menos durante seus primeiros dez meses. Após este período, retomei o ritmo de trabalho e mantive meus filhos o dia todo na creche. Como fazem várias famílias.

Anos se passaram e agora vivo a minha terceira experiência. Em plena licença maternidade me permiti, mais madura, a pensar outras alternativas, a sair da caixa. A buscar formas melhores para a nossa relação. Minha e dos meus filhos. Desse presente que é termos uns aos outros. E a partir desse desejo, passei a desenhar formatos de vida que me permitissem estar mais com eles e, ao mesmo tempo, produzir satisfação e realização profissional nos meus projetos, no meu trabalho. Porque isso importa, é claro.

Meus sobrinhos, outro dia, de carona comigo da escola, me questionaram do porquê eu não usufruir do tempo possível em casa com a minha pequena, com as crianças. Que isso é o melhor para nós. Que em países de primeiro mundo este tempo varia de um a dois anos e meio. Simplesmente porque é importante.

Eles têm só treze anos…

Porque preciso ser surpreendida por  eles com o que eu deveria saber e praticar? Porque contratantes, governantes, defensores dos direitos humanos não lutam por esta realidade simplesmente porque é importante?

Estamos falando de crianças em formação emocional, que é base para o que quer que queiram ser na vida. E as mulheres, mães, querem trabalhar. Não querem que o fato de terem filhos as tornem menos capazes. Mas querem  sobre si um olhar diferente, um novo formato de produção, que as permitam realizar-se profissionalmente na maternidade. Sem abandonar sua maior missão na vida.

Então, trouxe o assunto pois abro uma ZH de domingo outro dia e dou de cara com uma turma que está pensando por esta classe. A classe das mães. Atentas, que querem fazer diferente. Que querem tentar, e que acharam em suas vidas esta possibilidade. Montaram um espaço de trabalho coletivo, um coworking para mães. Com espaço kids, com cuiadoras, com lugar para amamentação, com a possibilidade de estar perto. Mãe e filho. E nesta paz, nesta tranquilidade de espírito, produzir. Trabalhar. Ser, como indivíduo. Ter uma atividade. Cuidar de si. Gerar renda e satisfação.

Isso é primeiro mundo para mim. O mais perto disso que já vi em Porto Alegre. Não deve ser por acaso que neste domingo o céu ensolarado sorria. Pois isso não é um passo, é um salto.

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