No decorrer da vida tive o privilégio de viver diversas experiência importantes para o meu crescimento, para o meu autoconhecimento. Rupturas e mudanças de rotas que me edificaram e à minha história. Que não é nem boa, nem ruim, mas me trouxe à pessoa que sou hoje. Que construiu o que para mim é valor. Que balizou as minhas escolhas. E que, de alguma forma, com suas mudanças dentro e fora, me faz feliz com o que conquistei até aqui e com a mulher que me tornei.
Estou apenas no meio do caminho, espero. Se Deus, qualquer outra força e o destino quiserem, é claro. Pois há muita coisa a mudar ainda, muito amadurecimento por vir. E para isso acontecer, para eu ser cada vez melhor comigo, com os meus filhos, com o meu parceiro e com o mundo, é preciso seguir vivendo de verdade. Sem sublimar, sem mascarar, sem se virar. Simplesmente de frente. Só que esta consciência só veio hoje, aos meus 39 anos. Antes disso, inconscientemente, valorizava cada degrau que a vida colocou na minha frente, cada marca do caminho, com um símbolo. Escolhido pela intuição, pelo sentimento que a imagem me trazia. Representando cada processo de mudança, cada fim de ciclo. Como forma de lidar, de superar aquela página, aquele processo de mudança.
E assim, o tatuava no corpo. Com aquele símbolo que pelo qual pulsava a minha alma. No ato do recomeço. E que gravou em mim, além das minhas memórias, cada encontro. Cada passagem.
Quando falo em um processo inconsciente, falo porque não planejei este tanto de desenhos que carrego comigo no corpo, e que traduzem tanto para mim. Fui fazendo após cada sobrevida. Após cada terremoto particular. Após cada mudança para a qual me encorajei e forcei. Que em nada tem a ver com perder ou vencer, mas só com ultrapassar. Com enfrentar. E neste caminho de enfrentamentos fui tecendo a minha coragem. Para mudar sempre que não houvesse mais vida na minha vida.
Lembro da primeira, que de cara gerou três desenhos. Estas foram meu grito de liberdade, aos 17 anos. Estava no primeiro ano da faculdade de Relações Públicas, estagiando em uma agência de publicidade, e desejava me desenhar desde muito nova, para revolta do meu pai. Ele odiava tatuagens e as odeia até hoje. Mas naquela época fazê-las representava a minha vontade, independente da dele. Era a minha cara. Então certo dia saí do trabalho e fui direto para uma salinha na Duque de Caxias, no centro da cidade, e me desenhei. Três e delicadas vezes. Exatamente como eu era. Intensa na quantidade, delicada no detalhe. Parênteses, é assim que me definem as amigas que melhor me conhecem. E ali rompi meu cordão forte e extenso com o meu pai e a sua personalidade controladora. Com todo o respeito e com todo amor. Mas ali, comecei o meu processo de auto respeito. Comecei a me ouvir.
Eis que anos depois, ao me separar de um namorado de muitos anos, e que construiu muito da minha forma de me relacionar como mulher nesta vida, voltei a me desenhar. Voltei ao centro da cidade, porém com um novo tatuador. E com ele, desenhei a mudança que marcou profundamente a minha história, já que mais dois meses dali estaríamos casados. Eu e o meu namoradinho do colégio. Nós e a nossa relação cheia de perguntas, de medos, de erros, de ausência de perdão…. Além, é claro, dos momentos felizes. Mas era uma grande bifurcação, que na escolha que fiz, me levaria para um caminho completamente diferente do que eu já desenhava nos últimos oito anos. E por isso, exigia símbolos para mim. Para colocar na minha bagagem.
Anos se passaram e lá estava eu, em uma maca de um tatuador, na zona sul da cidade, atrás da tatuagem mais dolorida e mais libertadora de todas. A que marcou o fim do meu casamento com o pai de dois dos meus filhos e que me devastou na briga interna por salva-lo. Esta tatuagem ocupou parte das minhas costas. Talvez ali, por representar a parte do meu corpo que pelo menos nos dois anos anteriores, carregou o peso da culpa. Da tentativa e do fracasso. Do choro calado. Por enfrentar a verdade que ninguém que tem filhos quer conhecer sobre o seu casamento. E naquele fim, flores e pássaros foram soltos nas minhas costas. Me povoaram, fizeram casa. Para me lembrar que sempre haverá leveza, uma brisa, novos tempos. Que sempre poderei voar. Escolher outro caminho. E ali, fiquei ainda mais conhecida para mim mesma. Mais eu com as minhas verdades. Mais eu e as minhas escolhas.
Dias atrás fui ao encontro da minha primeira tatuadora mulher. Não foi por nada, não…. Era um desejo das minhas duas irmãs e da minha mãe termos uma marca nossa. Das quatro. Comum. E neste momento, fez todo o sentido. Pois este símbolo representaria a evolução de uma relação construída há várias mãos, no dia a dia exigente de mulheres tão diferentes e que partilham da mesma família. Nem sempre melhores amigas, nem sempre próximas, longe de perfeitas. Apenas família. Apenas apoio. E merecíamos a marca desta sorte, desta oportunidade da vida.
Só que lá, na maca, eu gritava por um novo símbolo. Que marcasse a mais profunda das minhas mudanças. A mais interna. A que oportunizou a mulher e mãe em mim nos últimos três anos, e tão fortemente nos últimos meses, a mais uma chance. Recebi nos braços minha terceira criança. Recebi após uma avalanche de mudanças da vida, de escolhas e de idade. Um momento no qual tenho o privilégio de me reinventar como mãe e como mulher. De viver mais uma chance de fazer melhor. Mais uma chance de viver o contato com um filho, no caso filha. Mais um toque de bebê, mais um processo de amamentação, mais uma chance de ser melhor ainda com Joana e Joaquim. Uma oportunidade de ser uma mulher inteira, após a maternidade, para o meu marido. Uma chance dos meus mais velhos me assistiam ser mãe de novo. E principalmente, viver tudo isso na posição de uma mulher consciente do amor que gerou isso tudo. Que nasceu neste tempo e que me tornou uma pessoa cheia de sonhos de novo. Principalmente o da verdade do recomeço. Deste sem traumas. Límpido, cheio de chances. E que nasceu da minha saída do furacão, da minha caverna. E então viu luz, na cidade de Nova Iorque.
Nasceu daí, deste momento. Mais um traço do meu caminho. Mais dois no meu corpo. Mais da minha alma. E que não sejam as últimas, por Deus.
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