Precisei sair. Fui à padaria e aquele sol e o caminhar com os meus três filhos me salvou da minha indisposição naquele novo momento, e me trouxe paz.

Foi em Santa Maria, de tênis, sob um sol de trinta graus e a responsabilidade de estar com os meus pequenos em um dia comum de trabalho. Não foram dias fáceis os primeiros após meu desligamento da minha vida executiva. Da vida que vivi até aqui como profissional. A qual me trouxe tudo o que eu tenho na minha bagagem hoje, intelectual e financeira. Meu primeiro reconhecimento como produtora de valor. A primeira vestimenta que me fez sentir útil, em casa, com o que enxergava no espelho. A que desenvolveu minhas primeiras habilidades e me levou às últimas também. Essas que conheço hoje.

É confortável fazer o que se sabe, o que se aperfeiçoou com o tempo. E por muitos anos foi suficiente, me saciou. Só que de prazeroso, se tornou conveniente. Como ocorreu um dia com o meu primeiro casamento, como ocorre na jornada de todo mundo em algum momento, com algum setor da vida. E que se apresentam como chances de mudança, como luzes vermelhas piscantes, como novos recomeços.

A conveniência é como uma lente fundo de garrafa, é como o efeito de uma droga. Tira a nitidez das coisas. Nos tira a capacidade de enxergar claramente desejos, verdades, caminhos, e, muitas vezes, o perigo. Até mesmo a capacidade de discernir o bem do mal, pois a conveniência acaricia a cabeça da mentira, da falta de solidez, da infelicidade. E assim, vai levando a pessoa sucumbida, a um dia após o outro, anestesiada.

Andava assim, fazendo o que tinha que fazer. Como se aquela fosse a minha missão, mais com cara de cruz.

Vinha em uma relação estranha com o meu dia a dia. Contente com o que reconfigurei da minha família, dos meus afetos. Feliz com a honestidade do meu amor. Mas desconfortável com o conforto da minha vida profissional. Com a posição aparentemente segura do meu processo de sucessão, na direção executiva de uma empresa familiar, já há sete anos. Exercendo a atividade para a qual me especializei nos últimos vinte.

Falo aparentemente, porque não há porto seguro na vida que não seja na gente mesmo. No que sabemos sobre nós, sobre as nossas capacidades, sobre quando pedir ajuda. O resto, só aparentemente assegura qualquer coisa. Mesmo um trabalho. E menos ainda, no ambiente dos afetos. Mas, enfim. De repente, me vi frente a uma decisão que mudaria o caminho provável do resto da minha vida profissional. Que me levaria a novos horizontes. Desconhecidos e pouco seguros, como quase tudo na vida.

Foi aí que enfrentei um dos meus maiores medos, como indivíduo, como mulher, como mãe, agora de três. O da transição profissional que acarretaria em uma temporária dependência financeira, a um temporário ajuste de contas.

Precisei aprender a me vulnerabilizar frente ao dinheiro. Na posição de, por algum tempo, depender de outra pessoa. Mesmo que do meu marido. Mesmo que apenas aparentemente, já que não estava desprevenida. E assim, me sustentar sobre mim mesma. Sobre quem sou sem o cargo ou a carreira. Feita só de mim. De coração, de experiências, das certezas do que já não quero e das minhas habilidades. Essas que passei a enxergar quando deixei para trás um crachá. E ainda, ter fé. Em mim e no desconhecido sobre o qual pus os olhos. Pois saber o que se quer ou estar conectada com um desejo não te tira do desconhecido. Da sensação da falta de chão ou da mudança dele. Da ansiedade, da curiosidade. Sobre o que vai ser do futuro. Mesmo que já tenha no meu coração um grande amor, uma grande motivação. Mesmo assim, somos eu e ele, o meu desejo, sonho, projeto de vida, chamem do que quiser… E o futuro incerto é de arrepiar. Principalmente quando se tem filhos, muitos no meu caso.

Tenho a crença de que a força está em se colocar vulnerável. Falo demais disso aqui. Em acolher o susto, a dor, o trauma da mudança. Está em sentir os golpes. E isso não quer dizer se derrubar. Falo em encara-los, em reconhecê-los. E este medo, que trago na minha história, precisava ser enfrentado para gerar a mudança que queria para a minha vida. Para que uma nova era, mais cheia de mim e das habilidades que hoje reconheço fazerem a diferença na minha ação como profissional e como indivíduo, pudesse ser gerada e então nascer.

Trago este momento maravilhoso e cheio de possibilidades pelo qual passei, para fazer um paralelo com os recomeços. Com este que trato aqui. Um dos que já vivi. Com o recomeço da mulher após um divórcio. Da mãe de uma nova família. Da profissional que muitas vezes nasce desse momento de devastação. Que se constrói diferente, que reconhece no renascimento novas habilidades, novas possibilidades. Que se encoraja a buscar felicidade.

Estou me redesenhando. Enfrentando um novo recomeço. Que me assustou nas primeiras semanas, mas que abriu um leque de caminhos primorosos que como, no meu processo de divórcio, me mostraram que é preciso se permitir enxergar. Se permitir na vida para dar passos para mudanças importantes. Que nos aproximam a nós mesmos, e nos conectam com o que realmente pode ser maior, mais feliz, e naturalmente, de mais crescimento. Que nos coloca em real evolução nas coisas. Mais conectados às nossas maiores capacidades, a tudo o que temos para dar nas nossas funções na vida. E aí, se realizar. Voltar a construir castelos. Empreender na gente mesmo, nosso maior patrimônio. E ressignificar o valor das coisas.

Porque assim, nessa vulnerabilidade, nesse desconforto, se reaprende sobre potência. De fazer o que realmente há de melhor em nós, e não mais o que nos traz a aparente segurança, seja do que for. Essa que não há. Que não garante nada, a não ser a posição de assistir sentada a vida passar e os sonhos grandes descerem ralo abaixo. Acontecerem com outros ao nosso lado e não conosco.

Nada como uma folha em branco para desenhar a vida e os desejos de novo. Nada como se ver saindo do forno como um bolo quente e doce em um dia de tempestade. É a vida dando novas chances. Por ação nossa. Conosco como operários. E este valor, ah este… é seguro. É nosso. E parafraseando um dito de um grande empreendedor da vida, “se sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho, então prefiro sonhar grande”.

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