Há poucos meses atrás, após quase 20 anos de vida executiva, iniciei um novo caminho que me levou a empreender. Já escrevi sobre isso aqui… Mas enfim, comecei a trabalhar com habilidades que desenvolvi nestes anos de muitas e diferentes experiências profissionais, em mercados distintos. Coisa que me construiu resiliente e criativa, características que levo para vida como presentes de grande valor. Que me ajudaram em processos executivos e emocionais, me dando desenvoltura e esperança. Tipo, aprendendo a cair, sabe? Tipo gato? Pois é. E que de primeiro plano na minha vida, de repente, virou segundo. E quando foi isso? Quando veio a maturidade.
Não estou falando aqui de idade. Pode, em muitos casos, é verdade, acontecer na maturidade mesmo, pela nossa capacidade mais tranquila e menos ansiosa de lidar com a vida. Mas a questão é que quando atingimos o patamar de se sentir livres para questionar o porquê de algumas coisas serem assim ou assado, é quando saímos da caixa claustrofóbica do que deveria ser para o mundo livre e cheio de alternativas do que pode ser.
Vamos lá, vou ser mais clara.
Aos trinta anos quis ser mãe e me manter uma executiva de carreira. Afinal, se a diretora do Google na época, tinha acho que três filhos e ainda ocupava aquele cargo, então eu poderia. Como era o nome dela mesmo? Hum… bom, ela era uma referência para mim. Só que os tempos eram outros e as nossas vidas também não tinham lá muitas semelhanças. Começa que ela criava seus filhos nos Estados Unidos, em uma condição econômica estável e segura. Ela também contava com o marido, que, para ela se desenvolver profissionalmente, abriu mão da sua carreira e assumiu a criação dos filhos de perto. Essa realmente é uma grande garantia, que pesaria bastante na balança. Ela poderia ser minha mãe, então também estamos falando de outra geração. Mas enfim, não era em nada próxima a minha realidade.
Por isso, na ausência de boas referências, comecei a aceitar meus primeiros desconfortos com relação a minha então realidade como profissional, logo após o nascimento da minha primeira filha, mesmo na ausência de muitas alternativas na época. Segui minhas atividades de carreira e toquei a vida de mãe e mulher do jeito que deu. Logo veio o segundo, e segui tocando. Quase oito anos depois veio a terceira, e segui na maratona. Na vida louca. Por quase dez anos como mãe executiva, após os meus já dez anos na carreira. E neste caminho, paguei os preços de cada escolha. Assumi ausências, terceirizei, vivi um divórcio, casei de novo, e segui executiva de turno integral, viagens, compromissos sociais e metas.
Só que há algum tempo aprendi a não dar as costas a nenhuma emoção, muito menos as que vem da relação com os meus filhos, com os meus afetos. E levei aquele desconforto a sério. Aquele para o qual justificava com as minhas necessidades. Para aquele que eu dizia não ter alternativas. Quando fugia do enfrentamento que me levaria a considerar outras alternativas, a renunciar a algumas coisas em prol de outras.
Pois bem. Essa semana escrevo sobre as mães que ando vendo por aí. Pelas histórias que venho acompanhando. Pela moderna “queima de sutiãs” de mulheres poderosas que se tornaram ainda mais fortes quando abriram mão do poder da posição profissional pelo poder ir embora. Pelo poder estar mais com os filhos. Pelo poder enxergar ou buscar outras alternativas mais flexíveis, à vida louca de executiva da guerra de egos e resultados. Que lhes permitissem estar mais para a família, realizar atividades com propósitos bacanas, vinculado a valores pessoais, e viver a vida no detalhe. Participando, construindo junto com os seus o dia a dia, e não mais passando bilhetes para uma babá ou preenchendo agendas escolares até altas horas da noite, com papos íntimos com a professora, tamanha culpa quanto a quantidade possível e rasa de presença na vida dos filhos…
Falo de uma realidade. De muitas noites minhas despejando minha emoção nos cinco minutos na porta da sala dos meus filhos na escola, esmolando por informações deles, e chorando de emoção por suas pequenas evoluções. Aquelas que aconteciam basicamente lá, longe dos meus olhos de óculos bacanas de executiva. Contadas pelas segundas mães deles, pedagogas e ajudantes de jardim de infância bem-intencionadas que tanto cumpriram as minhas lacunas no período integral deles.
Então quis mais aos meus quase quarenta anos. Sempre amei o meu trabalho e a rotina frenética da vida corporativa. Até me dar conta de que cada escolha envolve uma renúncia, e neste caso, renunciava aos meus filhos. Ao que eu poderia fazer potencialmente como mãe para dar a minha contribuição na constituição deles, em seus futuros. Porque nada garante que deem certo na vida, que realizem seus sonhos, que sejam educados com as pessoas, principalmente com os mais velhos. Que saibam se manter ativos e financeiramente independentes. Mas não poderia ser por falta da minha participação neste empreendimento. Não pela minha ausência. Não porque resolvi me manter na crista da onda de executiva. Não para manter um status de mulher capaz de trabalhar, ganhar muito bem e ainda criar filhos, com sua capa vermelha e maiô estrelado. Não por essa ilusão vazia.
Isso sem contar no que vi de mim. Da mulher com um tanto de sonhos e projetos engavetados pela falta de tempo…
Essa foi e é uma escolha dura. Pois como mencionei em palavras de outrem, cada escolha, uma renúncia. Perdi o prestígio da executiva carreirista, de crachás pesados e salários gordos. Que me permitiam não pensar enquanto gastava em compensações por outras perdas. Porque assim é a vida. A gente tem que escolher o que é mais importante. E nos meus quase quarenta anos ficou mais claro o que era. E aí, olhei para o lado e vi muitas. Muitas de nós. Mulheres que reavaliaram sua realidade e seu tempo, e renunciaram ao conforto do emprego e da posição de prestígio profissional, pela riqueza de tomar consciência das suas realidades e dos seus sonhos. De outras habilidades ou mesmo do aproveitamento das suas conhecidas em projetos mais flexíveis, próprios. Que permitissem ver filhos crescerem, fazer escolhas conscientes no dia a dia, conectadas, e assim, parar de remediar a dor da ausência de tempo. Da ausência de si mesmo.
Pois como bem disse Marcos Piangers na sua coluna interessante deste último domingo, tempo de qualidade com quem amamos, com nossos filhos, é feito de quantidade sim. Pois não existe qualidade sem intimidade. E esta, só se adquire com tempo.
Aí, podes te sentir a garota da capa vermelha. Aquela do maiô estrelado. Pois este com certeza é o caminho mais difícil e que exige mais coragem. Que envolve se redimensionar. Que envolve olhar para valores maiores e abrir mão do conforto material e imediato, ou do ato de se apoiar em uma marca ou crachá que empodera o que se vê de fora.
Pois isso, acreditem, é caso de super-heróis. É gigante. É um grande poder, capaz de modificar realidades e futuros. E isso, ah… não é para qualquer um.
Comentários
Que texto maravilhoso Juliana!
Me identifiquei. Sou uma mulher com planos de “desencaixotar”.
Carrego nas costas 15 anos de atuação no mercado de logística e, passado os 30 anos de idade, uma vontade gigante de ser mãe.
Eu acredito muito no valor que uma mãe presente agrega na vida dos filhos. No desenvolvimento deles em esferas diversas. Eu valorizo muito isso, quem sabe pela razão de ter tido a sorte de contar com uma mãe presente na minha infância e adolescência.
Hoje meu plano principal é ser mãe, e paralelo a isso preciso me preparar para abdicar da minha vida profissional atual. Como conhecemos bem de perto a instabilidade econômica do nosso país, não me sinto confortável em parar 100% de trabalhar, estou em busca de uma atividade mais flexível. Gostaria de receber dicas de como me preparar para esta mudança, de alguém com experiência de causa e que percebo que tem uma sensibilidade nas palavras.
Aproveito a oportunidade para agradecer por todas as ideias e experiências que você divide através de seus textos, e ricos em emoções, que dispertam em mim muitas reflexões.
Um abraço e votos de sorte na vida de MMM (mãe mulher maravilha!).