Sentei com uma pessoa outro dia e ela me disse que o diferencial hoje está em ir na contramão, em fazer diferente, próprio. Entrei em uma casa de festas que tinha um cartaz dizendo “aqui não tem Wi-Fi”, com a proposta de interagir, se encarar, offline. Apresentadoras âncoras dos principais jornais de notícias da TV têm se permitido chorar ao vivo, se emocionar com uma matéria dramática ou fofa, dar sua opinião ou demonstração de revolta quanto a uma cena de violência moral ou física. E ainda, vestida como uma mulher, bem feminina, bem “menininha”, se assim quiser ou for.
Coisas deliciosamente estranhas estão acontecendo…
Não gosto do termo empoderamento feminino. Desculpa, mas é uma liberdade minha como indivíduo me posicionar sobre a questão peculiar ao gênero do qual faço parte. Pois dá uma ideia de fragilidade a este ser tão forte historicamente. Como se precisasse que alguém ou alguma coisa nos empoderasse, nos desse o que nunca tivemos. Logo em se tratando dessa força sempre tão viva dentro da gente. Esse poder gigante o qual exercemos por séculos.
Se olharmos bem para a história, sempre fomos capazes de coisas aparentemente impossíveis frente a evolução dos tempos. Sou católica e acredito no nascimento de Jesus para salvar, no divino espírito santo, em Deus. Sempre tive fé nessa formação do ser a partir da história do evangelho. Acreditando ou não, vamos a história contada… Deus deu a uma mulher, Maria, a incumbência de gerar, cuidar e educar seu filho, para depois assistir sua morte. Não deu esta missão a um homem, um “executivo” da época, um governante ou mesmo um líder comunitário. Deu a uma mulher. Capaz de suportar toda essa dor. Desde assumir ainda virgem uma gravidez naqueles tempos, até acompanhar a caminhada do filho mal tradado até a morte. Naquela época já tínhamos reconhecido um poder inestimável por uma força maior.
No decorrer da história criamos filhos sem informação. Em tempos de guerra, nos mantivemos serenas na gestão das nossas famílias e das emoções frente a futuros frágeis e incertos. Administramos casamentos nos quais não tínhamos direito algum enquanto o parceiro deitava e rolava em sua posição patriarcal. Gerimos sentimentos internos, construímos nossas pontes e fomos avançando passo a passo na direção do que vimos conquistando hoje. Delicadamente. Sem matar, sem plantar a discórdia, sem se masculinizar. Assumimos este papel vestindo os trajes que melhor nos representam, individualmente.
Dia desses, vi um post da Preta Gil estampando seu tipo de biquíni em uma foto na praia. Livre, como ela decidiu ser. Mesmo com um corpo diferente do projetado pelo mundo da moda e pela sociedade em geral. Sem atacar a ninguém ou ceder a qualquer regramento que a condicionasse. Anitta se declarou femininamente bissexual, dando voz aos seus desejos mais íntimos, livremente. Assisto todos os dias mulheres comuns lançando livros, falando de sentimentos, de experiências, abertamente, sem medo e sem ofender a ninguém. Sem desmerecer quem a desmereceu por vinte e um séculos. Subiu ao cume devagar, segura. Ao ponto de hoje chorar no meio de um restaurante, de uma boate, de uma festa de família, em meio aos filhos, na cara da sociedade, quando algo não anda bem. Assim naturalmente. Como Sandra Annenberg outro dia no Jornal Hoje. Sem medo de ninguém ou de qualquer julgamento. E não o fez antes porque não estava pronta. Não por covardia. Pois andar devagar e pacientemente é para os fortes.
Assim como essas mulheres e como vocês que me leem, desbravei com fortaleza meus desafios profissionais e financeiros, meus relacionamentos, e reconheci quando cada ciclo acabou. Em meio a essa caminhada, que não é muito diferente da sua, crio três filhos. Já fazem dez anos que tenho essa missão, além de ser mulher, profissional e esposa. Vivi um processo de divórcio e a realidade de ter que provar meus valores na condição de mulher separada. De me manter de pé e consciente das minhas responsabilidades perante meus filhos e a sociedade na qual vivo. À minha comunidade. Ao meu trabalho. E envelhecer. Em tempos em que a velhice é feia e te exclui. Te tira do páreo.
Isso é de um poder, que sinceramente desejo que se internalize em cada uma de nós. Que não dependa tanto de palestras de auto ajuda nem precise ser pauta principal de discussões em encontros femininos, como se começássemos este movimento hoje. Que comece dentro de nós, na reflexão. Essa que transforma, que sedimenta, que se assume. Que não se assusta com o que vê fora por não se reconhecer. Porque tomou consciência de si, de quem é. Pois somos isso na nossa constituição. É só olharmos para dentro, para trás. E isso tem séculos. Nada pode ser mais sofisticado do que, com a delicadeza com a qual percorremos a história da humanidade, passemos agora por mais este degrau com respeito pelo meio no qual vivemos. Pela evolução do outro, ali do lado. Que também fez o que podia fazer. E que junto conosco, chegou até aqui. Mesmo confuso ainda com alguns movimentos empoderados nossos, de reconhecimento ao que sempre fomos. Pois poder se tem. Não se usa contra ninguém. Está dentro. E modifica a nossa vida e a de outros com o cuidado e a delicadeza peculiares a uma mulher forte. Que não é separatista, e sim agregadora. Que é capaz de governar a vida sem ostentar suas capacidades ou agredir ninguém. Característica da natureza nossa, da natureza da mãe. De boas líderes. Empáticas, amorosas, cuidadosas e efetivas.
Pois escolhemos nosso sexo. A quem queremos amar, em que projeto colocamos nossas energias. Escolhemos sentar nas cadeiras mais diversas da vida. Usar brinquinhos ou brincões, brincar com a moda, fazer a nossa própria. Somos livres, dentro da gente. E com essa liberdade tão bem construída na evolução dos tempos, com esse potencial que a gente mesmo desconhece às vezes, externamos essa força na nossa coragem de viver sonhos, abrir mão deles muitas vezes por motivos elevados ou por escolher o outro, e suportamos as dores de crescer. Essas, comuns à vida. As vivendo e as comunicando com emoção. Nos vulnerabilizando sem medo, e lá no fundo dessa condição, subindo tijolos fortes de reconstrução, todos os dias. Porque não nos negamos à luta.
Isso é a força e a autenticidade da mulher. Dessa para a qual escrevo, com a qual troco histórias e vivo disrupções e recomeços. E na minha opinião, nada é mais feminino nem tem mais poder do que simplesmente ser assim. Mulher. Exatamente como somos, cada uma a seu modo. Usando não poder, mas afeto. Generosa com quem precisa demonstrá-lo, exercê-lo. Não se utilizando de armas, mas de conversas corajosas. Não de imposições, mas de discussões, vivências e aprendizados. Não de palcos, mas de rodas, de trocas.
E aí, como fomos sempre, atuamos na vida carregando nosso poder. Esse que constrói. Que ampara seres em formação. Que sabe dar amor, e receber. E que, de novo, não é para qualquer um.
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