Muitas coisas morrem e nascem no divórcio. Esse é talvez um dos processos mais difíceis da vida emocional e social de uma pessoa. Ela se desmancha e se reconstitui ainda viva. Morre e nasce na mesma jornada. Porque aqui não se trata de tragédia. Não é uma fatalidade, que sorteia a alguns à um desafio de superação não escolhido. No divórcio, se faz parte. Se escolhe, de alguma forma, a morte daquela vida e de si próprio do jeito que é. E se escolhe renascer outra vida, outra pessoa. Engatinhar, caminhar, reaprender sobre si e sobre o que se quer ser nessa nova oportunidade. E nesse cenário, restabelecer uma relação com o ex-parceiro de projeto, na cocriação dos frutos dessa relação, quando existem. No caso, quando se têm filhos. Do cuidado compartilhado dessas crianças, tão impactadas pela mudança toda, mesmo que pouco se possa fazer quanto a isso. Quanto a este assunto de adultos.

Escrevi em muitas oportunidades sobre a minha visão quanto a importância de se conduzir a relação do casamento, do amor romântico, à parte dos filhos. Além deles. Pois são estradas que não se comunicam.

Filhos são frutos, do pai e da mãe, e para sempre terão seus progenitores, independentemente da estrutura de família estabelecida. Do casal viver junto, ou separado.

Quando um casamento acaba, fica a parentalidade, o que entendo que deva ser assegurado pelos pais para a saúde emocional dos filhos. É de responsabilidade nossa. E isso nada tem a ver com o beijo de bom dia ou a ausência dele, a vontade do casal em estar junto, em planejar vida, em ter sonhos em comum. Nada. E por isso a importância de manter separadas essas questões, apesar da avalanche emocional que envolve um processo de dissolução de um casamento.

Quando decidi me separar do pai de dois dos meus filhos, Joana e Joaquim, esse era o meu maior valor. Minha bandeira. O propósito que me movia da cama ao levantar, até a hora de dormir. Que me tirava o sono, e ao mesmo tempo construía a minha paz. Motivava cada uma das minhas ações durante a pedreira da separação. Tudo para a permanência da parentalidade dos meus filhos. Firme e forte. Compartilhada. Simplesmente para assegurar o que eu não teria o direito de tirar deles, de jeito nenhum. Suas duas torres de luz, como li em um livro outro dia. Seus super-heróis. Coisas deles, de suas estradas de criança. As quais, com mágoas, nem eu nem o pai deles poderíamos interferir, ou estaríamos sendo irresponsáveis e injustos como pais. Considerando que, se temos a liberdade de escolher o futuro da nossa vida afetiva, eles têm o de manter a estrutura base deles sob custódia nossa, dos pais. Adultos de referência. Ou só adultos. Os quais, parte-se do princípio, possuem a maturidade de separar as coisas e preservar suas crianças.

Cheguei no ponto. Aqui, quero dizer que estes atos, de preservar os filhos e os compartilhá-los, são os movimentos mais doídos e menos humanos do processo que envolve a construção da nova vida pós divórcio. Mas o primeiro passo da construção da felicidade no depois. Pois disso depende a felicidade real. E por isso quero tratar aqui.

Somos seres egoístas na essência. Em uma situação de guerra, nossa natureza é salvar a si próprios. E o processo de divórcio não deixa de ser uma guerra, uma batalha. Saímos machucados. Com pontos de vista diferentes. Cada um dominado pela sua ótica, pela sua emoção, pela sensação de injustiça, de fracasso, de desamor. E neste momento, negociamos a divisão de tudo o que temos para um recomeço em caminhos diferentes.

Quando acontece, me parece natural olhar apenas para as nossas necessidades dali para frente. Nossas e dos filhos como bagagem, desconsiderando o ex-cônjuge, ou mesmo as emoções que envolvem cada encaminhamento.

Aconteceu comigo. Queria o meu canto, assim como resguardar o atendimento das necessidades das minhas crianças. Minhas. Só que não eram. Eram nossas. E por isso, durante todo o movimento me esforcei para enxergar o pai deles. Não o meu ex-marido, por quem tinha alguns ressentimentos ou mesmo a sensação da parceria do fracasso. Ele era o pai deles. A segunda torre de luz dos meus filhos. O herói dos meus pequenos, como eu também era. E não poderia ser eu, após o rompimento daquela família, a saquear este patrimônio de amor e segurança deles.

Entendem? Não seria justo, eu não teria esse direito. Ele podia não ser mais o marido para mim, mas seria sempre o pai deles. E eles, meus filhos, não eram itens a dividir. Eram nossas pequenas crianças de quatro e cinco anos, precisando de pai e de mãe.

Assim começou o cuidado compartilhado para mim. Assim fez sentido. No conceito base da parentalidade. Palavra que fui conhecer buscando entender a máquina de moer pela qual a minha família estava passando. No que achava justo e merecido. No que devo para eles como mãe, e que constituiria meu maior esforço, meu mais duro trabalho na vida. Principalmente no domínio das minhas emoções e ansiedades. Já que a cada ano, nos tornamos, eu e o pai deles, menos conectados nas orientações quanto à vida, e algumas vezes, quanto a educação. O que tentamos, aos trancos e barrancos, alinhar, em casas separadas. Com realidades distintas. Mas com o mais importante em comum: Joana e Joaquim. Nosso recomeço, em caminhos separados.

Dali, do recomeço para frente, nada são rosas. Porém, esta responsabilidade é um legado que trazemos daquela relação. E o ato de compartilhar acaba se tornando um grande aprendizado. Queria poder tocar vocês no coração com esta questão. Lá no fundo. Além das mágoas e da razão, que cada um tem a sua. Pois de tudo o que aprendemos no compartilhamento dos filhos, existem questões valiosas que guardamos por toda uma vida. Verdadeiros presentes desse renascimento, dessa disrupção. Dessa morte e vida, em vida.

Uma delas é o entendimento quanto a responsabilidade de ser mãe. Que não é só a de alimentar e cuidar do seu rebento no dia a dia. Nem só o de proteger. Mas de manter a base afetiva de origem dos filhos, além de, a possibilidade de aprender a construir outras novas. Pois quem não reverencia o passado, a origem, não tem aptidão para construir nada no presente e no futuro que seja sólido. E tudo o que eu queria era ser feliz de novo. Era a minha felicidade no depois. A nossa como família. E para ela ser de verdade, existir, precisaria ter suas bases sólidas no passado. Onde aquela família nasceu. Na origem dos meus filhos. A qual eu não teria o direito de desvalorizar ou mexer. Pois se trata, além da minha, da história deles.

E sobre ela, desenhei o meu caminho de construção. Respeitando o pré-existente. Respeitando os direitos de Joana e Joaquim. Pois a mim, além de todos os papéis que quero exercer na vida e que redesenhei a partir do meu recomeço, cabe o primeiro. Aquele que se levantou das cinzas do divórcio: o papel de mãe. Do qual eu não poderia me isentar. O que me ensinou a compartilhar estes seres que jamais seriam só meus na vida, já que estão no mundo. Mas que aos quatro e cinco anos passaram a ser cocriados de lugares distintos. Em suas duas casas. Com eventuais rotinas e cuidados diferentes. Mas ministrados por seus dois progenitores, por direito.

Como não falo só de direito aqui, pois nem advogada sou, falo de merecimento. E por ele, os filhos merecem ser compartilhados com o pai. Merecem ter preservadas as duas luzes de sua vida. Suas duas torres, seus dois heróis. Pois lá na frente, adultos e capazes de discernir sobre tudo o que passaram, terão na sua história a iluminação do seu pai e da sua mãe, exatamente como são. Com todas as suas capacidades e incapacidades, sejam elas quais forem. E aí, entenderão sobre si. Poderão compreender o que veio de quem e o que reconhecem como bom e como ruim. Acessando a sua verdade, a sua origem, a sua história de vida. Da qual nunca foram privados, e sempre tiveram disponível pelas nossas mãos.

E isso, não tem preço. Essa é a minha missão de mãe. A de não partir a vida dos meus filhos no meio e sim, criar caminho para andarem. Sempre acompanhados. Dos velhos e dos novos valores. Do que veio da origem e do que nasceu dos novos afetos. Das luzes que os iluminaram, a partir das potências individuais dos pais. Do que puderam dar e compartilhar.

E a mim, coube a partilha de mãe, superando as minhas dificuldades de mulher. Daquela que se divorciou. E que busca, a cada dia, a sua felicidade no depois, isenta de culpa. Pois segue a compartilhar. A aprender sobre a diferença entre possuir e acompanhar. Entre dominar e amar. E esse aprendizado, valioso, ninguém me tira. Nem o passado, nem o presente. E o futuro, o terá como amigo nessa vida, na qual andamos todos, vezes juntos, vezes separados, e sem garantias… Desde que honestos consigo mesmos. Esforçados como pais. E para frente.

O que, ratifico em mais essa escrita… não é para qualquer um. É para grandes pessoas. Pais e mães que andam em busca da verdadeira felicidade e, com coragem, encaram grandes mudanças. Grandiosos movimentos e cuidadosos com seus pequenos. Que fazem crescer como ser humano. E se é assim, então já valeu a pena.

 

Comentários

  • Carolina Job 10 de janeiro de 2019

    Perfeito Juliana! Descreves muuuito bem a “libertação de terminar algo que já não mais existe” e a “dor/culpa” que nós mães carregamos, mais do que qualquer outra pessoa, numa escolha dessas”!

  • Rodrigo Mucelin 14 de janeiro de 2019

    Excelente

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