De repente senti dificuldade para algumas coisas. Memória fraca, baixa capacidade de decorar números, senhas, datas de eventos e nomes. Não dormir por conta da rotina do bebê e trabalhar o outro dia todo desde cedo, mais o expediente extra da noite com três crianças, passou a me exaurir. Fui sendo tomada por um cansaço novo, diferente do que lembrava nos tempos da Joana e do Joaquim bebês, quando eu tinha trinta.
Não era mais a mesma, é isso ia ficando claro no meu dia a dia. Parte se apoiava no fato de ter três filhos e na alta demanda disso tudo, parte aceitava que algo estava mudando. Pois bem. Uma querida seguidora e contemporânea de escola me indicou um livro que tem mudado a minha compreensão. Verdade. Pois quando a gente está no escuro, sem entender muitas, e vivendo situações novas e inusitadas, assim como reações que não costumávamos ter frente à vida e seus acontecimentos, uma literatura que te traga luz muda de certa forma o seu entendimento, a sua vida.
Faço quarenta anos este ano. Uma jornada entre o “todo mundo me odeia” para o “ninguém está nem aí pra mim”. Uma definição da autora do livro que aproveito e indico aqui, Vida Adulta a Francesa, e que fez sentido para mim. Entrei na era da segurança mais fácil. O que foi tão difícil estabelecer por uma vida inteira, mesmo com mantras ensaiados sobre o valor de mim mesma, agora parece mais “fundamentado”. Digamos que sinto a insegurança, logo trago meus valores e capacidades próprias expostos nas minhas conquistas até hoje, e os valido. Rápido assim. Consciente. E aí, meu valor faz sentido e eu sigo em frente mais confiante.
Isso realmente mudou a meu favor nestes novos tempos, somados a alguns exercícios, é claro. Vem me ajudando em tempos nos quais a vida parece uma gincana, me apresentando desafios diários nas minhas jornadas e recomeços. Me mostrando que a minha mala de ferramentas, de “vantagens competitivas”, mudou, e o que está ali, e que antes era nebuloso, hoje se apresenta claro.
Por mais que tenha me mantido bem neste tempo, física e mentalmente, de repente virei uma senhora nos ambientes nos quais circulo. Na escola, para os amiguinhos dos meus filhos já pré-adolescentes. No trabalho, quando minha autoridade já não impressiona a ninguém, dada a minha natural evolução na vida, considerando a minha idade. Em eventos, quando já não me sinto “vestida adequadamente” com as roupas que compõem meu guarda roupa nos últimos dez anos. Num curso de reciclagem, no qual muitas vezes sou a única com filhos ou, com certeza, a única com três. E na piscina do nosso hotel de férias… quando sou elogiada pela minha silhueta após três filhos, aos quase quarenta, considerando que eu sou uma mulher madura. Judiada por três amamentações intensas e um tanto de mudanças na vida.
Pois agora sou uma mulher madura e mãe, bem cuidada. Uma profissional que não faz mais do que a sua obrigação, considerando que já tem vinte anos de carreira. Então, por favor! É o mínimo! Dizem as vozes no meu ouvido a todo o tempo… E até um beijo roubado no meu marido em público, parece menos apropriado. Enfim, a vida adulta que chega. Sem nenhum glamour, sem grandes marcos, pois a maioria já foram vivenciados na vida. Formaturas, casamentos, primeiro emprego, primeira promoção. A chegada do filho, as surpresas da primeira vez das coisas. E quando se ganha uma partida de Banco Imobiliário em família, ganhei porque sou adulta. Não, pelo meu talento neste jogo financeiro, que a propósito, nunca foi meu forte.
Na vida adulta fica o peso das responsabilidades. Porque a culpa é nossa se não der, é obrigação nossa fazer dar, e se alguém fez errado, do político ao professor da escola, ele é apenas um de nós. Um irresponsável. E assim são os adultos basicamente: maduros e responsáveis, ou infantis e irresponsáveis. Comprometendo neste caso, severamente, o mundo no qual vivemos. O grande e o que acontece dentro da nossa casa.
Ao passo que me dei conta de tudo isso num repente, legitimado por algumas leituras que tenho feito, corajosamente, me preocupo menos com a opinião dos outros. Me permitindo ser uma mulher madura, mas ridícula às vezes. Usufruindo das minhas liberdades e maturidade. Daquela que me permite tomar ações, naturalmente, sem pensar nas “conveniências”. Mas, não posso negar, assustada um pouco. Com o peso dessa vida adulta. Dessa que agora me exige tranquilidade e seriedade ao ouvir uma pergunta engraçada das crianças, e ao invés de me divertir com ela, como tanto fiz com os meus sobrinhos, responder com serenidade, com um argumento responsável, que os direcione ao bem. À conclusões pautadas na reflexão ampla e empática, no respeito ao outro e a si próprios. E isso me exige um comportamento adulto. Essa transição se apresenta. Não tem data marcada nem está bem clara para ninguém. Exceto para Pamela Druckerman, que diz que acontece aos quarenta.
Divido essa experiência de leitura e reflexão por entender que quando sublimada, não pensada, estamos nos isentando das nossas responsabilidades como pessoas e como pais. Nossos papeis principais nessa vida. Pensamento que, por acaso, essa leitura despertou em mim. Quanto à minha “adultez”, como mulher e mãe. Dessa que a minha consciência repentina me apresentou, me chocando um pouco quanto as minhas tarefas, oriundas dessa nova posição. E que não deixa espaço para desculpas, quando compreendidos os termos. Pois como citado pela autora deste livro que indico, são adultos que estão descobrindo a cura para o câncer, escrevendo livros, liderando empresas e países. E eu complemento: quem também, na sua falta de “adultez”, “ferra” com a vida de outras pessoas, principalmente das suas crianças.
Porque nos acostumamos a nos infantilizar, no mal sentido. Nos deitamos na rede anterior, aquela jovem e experimentadora, relaxados, e continuamos a brincar. Sem nos darmos conta que além de peças de jogos, moedas e sentimentos, passamos a brincar, mesmo sem querer, com pessoas. Através da nossa isenção. Talvez passando a culpa para um outro adulto que anda por aí, e que não é menos adulto que nós. E assim, a terceirização da responsabilidade se estabelece. E seguimos a brincar com os acontecimentos da vida, sem analisa-los, sem compreende-los.
Ter a leveza e a simplicidade de uma criança, nunca fez mal. Porém, no que tange as nossas ações, precisamos ter a plena consciência de que essa impacta a muitos. Orienta, direciona, dá exemplo. E isso é o grande marco da vida adulta, aquela já sem outros marcos dos quais falei aqui antes. Ou seremos parte de um grupo de adultos responsáveis por seres machucados. Por ferimentos profundos, carregados a partir de nós, de ações e palavras, por uma vida toda.
E isso é um exercício. Ser adulto. Ser responsável. Ponderar. Amar com responsabilidade. Enfrentar as dores do crescimento e criar alternativas construtivas. Edificando a nós mesmas e preparando terreno fértil para que ali cresçam outras pessoas.
É o que os adultos fazem. A quem interessar fazer essa jornada, indico a leitura, indico o pensar e ofereço companhia. Pois não há garantias no resultado, mas um caminho lindo de crescimento pessoal e um monte de outras coisas boas a compartilhar. Ou não estaríamos aqui, em missão.
Bem-vindos, quarenta anos! Bem-vinda “adultez”, essa que bate incessantemente à minha porta. Ela está aberta e como eterna aprendiz, reverencio mais este degrau, com muito amor e intenção. Se serei realmente boa nisso, não sei. Mas serei atenta, entregue e isenta de vaidade. E quem sabe me torne mais humana do que hoje. Melhor mãe e mulher. E assim, poder ser uma mão companheira valiosa no caminho dos meus afetos e na amizade comigo mesma. Muito além de uma criança grande.
Se tudo isso te assustar, eu entendo… Ainda tento me recuperar do susto, diariamente.
Só não deixa de olhar. Tem um mundo aí para desbravar, e porque não mudar? E isso, depende do trabalho de adultos:)
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