Minha bebê recebeu um carinho honesto na cabeça de um senhor de uns quase 90 anos outro dia. Foi no meio de um restaurante, em um almoço de domingo. Ele a olhou emocionado. E ela, ganhou, gratuitamente aquele afeto, aquele afago. E saímos daquele ato todos felizes.
Pois então… nem tudo o dinheiro compra. Se carinho verdadeiro estivesse a venda, seria caro. Tenho certeza. Pois nada dá mais prazer do que recebê-lo, de verdade.
Dizer que afeto está relacionado com esse projeto que intitulei New Families – Cuidado Compartilhado, para falar dessa jornada doída e tantas vezes solitária do recomeço na vida da gente, da nossa família, não seria generoso com ele, nem comigo.
O New Families tem o afeto como propósito. É minha crença o fato de que a cura da dor emocional envolve muitos fatores. A tomada de consciência, o levantamento da dor, a ação, o movimento em direção ao que é desejo e o perdão, são partes dessa caminhada. Mas o que os acompanha, do início ao fim, é a presença do afeto. Porque ele acolhe, compreende e encoraja em todo o processo. E acredito, sinceramente, que com essa base, a gente tudo pode. E sem ela, simplesmente não temos fundação. Para segurar nada na vida. Nem barras, nem as pessoas que amamos e que tantas vezes precisarão do nosso abraço forte, nem uma mão. Mesmo que para acompanhar. Pois afeto é um presente da constituição humana. O que temos de melhor a oferecer. E ele constrói confiança, o que é poderoso. Pois nos leva ao impossível e assim a quem estiver conosco nessa troca.
Quando iniciei os rabiscos desse projeto das novas famílias, inicialmente queria apenas contar a minha história, sob o meu ponto de vista, valorizando ali os tantos pontos de dor, os trazendo para o meu consciente e para o de quem me acompanhava. Não achava justo ser colocada na cadeira a qual me vi sentada um dia após a minha decisão pelo fim do meu casamento. Nem ver meu entorno marcar um “xis” nas nossas cabeças ao mesmo tempo que sublimando nosso sofrimento e dificuldades. Alí recebíamos uma sentença de morte a partir de um acontecimento dito “trivial”, já que o divórcio não é incomum. Pois bem, a morte também não é e causa dor. Mas era algo mais ou menos assim: “não precisa sofrer tanto, é uma situação trivial!” E ao mesmo tempo, “agora te aquieta e toca a vida com as duas crianças, sem emoção… não inventa! Agora cuida deles!”
Injusto e triste. Ausente de afeto. Aniquilador de confiança. De futuro. Uma sentença de morte, realmente.
Mas o que me encorajou a publicar cada uma das crônicas que contam tanto da minha jornada, foi a dor que vivenciei, diferente de tudo o que já havia vivido ou presenciado, e que me desmanchou na época. Morri e nasci nesta vida com o divórcio. Pois a falta de lido, de diálogo sobre o assunto e de abraço, não permitiu a quem podia realmente me amparar naquele momento, oferecer um acolhimento afetivo real. Que me ajudasse na minha reconstrução. O que me castigou muitas vezes, em meu processo de levantar, pela falta de confiança. De quem eu era e de onde eu poderia chegar.
Como é difícil a falta de afeto das pessoas quando estamos vulneráveis…
Sinto que vivemos em uma era de incrível dificuldade de se relacionar afetivamente. Talvez porque amar envolve entrega, e tudo parece tão inseguro, raso, que se entregar a qualquer coisa parece negligente ou amedrontador. A gente quase que entra de costas nas coisas, nas situações e nas pessoas, pelo medo de perde-las. Pois viver daquilo ou feliz só causaria mais dor quando acabar. E foi aí que entendi do que não queria ser parte.
Não queria ser parte de uma vida diminuída por um acontecimento que não dependeu só de mim. Não queria ser menos intensa, menos afetiva, por concluir a falta disso nas minhas cenas. Não queria aceitar que a felicidade é um cavalo encilhado que passa uma vez só, e que se perdê-lo, “já era” felicidade na vida. Não queria ter pena de mim mesma, nem dos meus filhos.
Movida pelo que eu não queria, me desacomodei. Não aceitei aquela condição. E em narrativas corridas, entre dores e tomadas de consciência, fui colocando todo o meu afeto em palavras. Através de lentes que não se conformam com rótulos e limites para a vida. Para a evolução das relações, para a felicidade. Lentes positivas. Porque sempre há tempo. De se dar conta, de escolher um caminho, de construir cenas melhores para a vida, com mais afeto. Este que levanta pessoas. Que aconchega, abraça e fortalece. Que a gente persegue porque é bom dar e bom receber. Porque faz a gente se sentir vivo. E que movimentou um senhor de noventa anos em direção à minha filha bebê.
Coisas vivas assim movem o New Families. E nesta semana, abraça em um lindo e pequeno encontro, algumas mulheres. Oferece abrigo para a dor, alternativas de como transformar este momento, confiança e muito afeto. Porque essa é a base da reconstrução.
E se nela for viga, e não acessório, nos tornamos operários de construções de felicidade genuína, real e íntima. Aquela que te faz rir sozinho, de canto de boca, enquanto caminha na rua ou dirige. Enquanto arruma a franja ou esconde a mancha na testa em frente ao espelho. Quando está vivenciando o crescimento dos filhos, inteira. Consciente de que tudo o que há para ser dado está sendo oferecido ali.
E isso é felicidade para mim, Juliana Silveira. Para o New Families. Essa de verdade e construída. Com trabalho afetivo. E não aquela, por aparentemente parecer felicidade, em uma cena, ou em uma foto qualquer…
A quem se permite construir a felicidade, todo o meu afeto.
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