Semana difícil essa última. Escrevo em uma sexta-feira, dia quinze de março.

Comecei esta semana com uma expectativa deliciosa quanto ao primeiro encontro do ano do projeto New Families, este que busca acolher e construir felicidade no depois de um divórcio, preservando o cuidado compartilhado dos filhos dessa relação. Construindo acolhida afetiva e consciência dos que podem vir depois disso, com amor acima de tudo. Trilhando um caminho possível de respeito e valorização das pessoas. Com o trabalho afetivo, do qual tanto falo. Mas termino devastada, pela realidade detalhada da tragédia da família Boldrini em todos os meios de comunicação. Dessa que terminou com a morte de uma criança. De um filho dessa família.

De repente tem uma novela de horror passando ao vivo na Gaúcha ZH. Dia e noite.

Nos pegamos, na quinta-feira, pós encontro do projeto, eu e o meu marido, espiando pelo telefone o julgamento e aquele mar de crueldade entre seres humanos de uma mesma família. Ali, no caso, de uma nova família. Espiando, pois era inviável permitir que as nossas crianças acessassem aquela realidade difícil de acreditar quando se trata de pais, de torres de luz na vida dos filhos. Espiando, porque dá vergonha. Até de citar que coisas assim ocorrem por aí. Dá curiosidade quanto a capacidade da justiça de julgar violência emocional. Essa que matou o menino antes da injeção letal. Que tirou sua vida aos poucos…. E que angústia profunda…

Não gosto de ficar assistindo as minúcias de acontecimentos ruins, principalmente com crianças, pois vivo em uma casa com várias delas e com um monte de sonhos elevados para nós e desejos de mudanças importantes no comportamento social e emocional do mundo quanto a família e o seu valor. Trabalho com isso hoje. Acredito, pois se trata do meu propósito. Mas as peculiaridades neste caso me chamaram a atenção para os detalhes dessa tragédia familiar. Pois se tratava de uma nova família. De um pai e um filho, que recebeu uma nova mulher e com ela gerou outra filha, e esse assunto me interessa. Esta configuração.

Ali, naquela história, faltou, entre muitas coisas importantes, o lido com a nova constelação e a ausência de trabalho afetivo. Deficiências que naturalmente criaram ódio, repulsa e inviabilidade para aquela família. Impossibilidade dela acontecer. Pois quando não há o trabalho afetivo consciente e ativo, naturalmente o ruim acontece. O desamor e daí para fora, o que não gosto nem de imaginar pois o ser humano me surpreende a cada dia pela sua capacidade de ir além no bem e no mal.

É claro que nessa história, do meu sofá, me parece que os personagens têm problemas muito além da falta de lido com aquela formação familiar. É sabido, pois não é por qualquer divergência ou crise no seio da família, que se acha solução na morte e ocultação de cadáver de uma criança, no caso, de um filho. Isso com certeza vai além da nossa sã compreensão. Envolve, imagino, problemas psiquiátricos e de caráter que são difíceis de aceitar, já que estamos falando de um desfecho cruel na vida de uma criança indefesa. Mas não paro de pensar que faltou consciência daquela tentativa de família, e amor naquele lar. No lar do Bernardo. E que isso é quase tudo o que uma criança precisa, pois acredito que o afeto é base. É segurança. Pode criar laços em qualquer circunstância. E porque não na família Boldrini?

Como mãe de uma nova família, me sinto machucada, entristecida. Assistir a incapacidade de pessoas que se propuseram a começar de novo, e assistir terminar com a morte da criança fruto do primeiro casamento de uma das partes, pelas mãos da madrasta, é uma tragédia. É a abertura de uma porta para o irracional. Para a doença. Para um lado escuro do ser que precisa ser gerido em cada um de nós. Pois não cabe nas relações humanas. Ou sairemos todos por aí eliminando pessoas como se faz com “problemas” e ocultando cadáveres. O que estamos nos acostumando a assistir nos jornais.

Então a minha angústia só cresce. Pois o desafio daquela família é o meu e o seu. O de tantas! E lidar com cada hipótese deste processo, arrasa. Me assusto com cada degrau de crueldade que os indícios apontam, quanto a participação do pai e a ação de duas mulheres como nós. Como a mãe de um coleguinha dos nossos filhos, na escola.

E ainda, a judiação que esse menino sofreu em vida, estampada em vídeos e áudios alucinantes. Esboçando a dor da sua vida em família.

Tenho ainda dificuldade de falar ou citar o nome dele. Cada vez que tentei, me emocionei. Doeu profundamente em mim pensar no sofrimento dessa criança, no desespero, na perseguição, nos gritos de socorro. Assistidos e gravados pelo pai alienador, se é que posso chama-lo de pai. Que desconstruiu com crueldade a sua mãe biológica diariamente, uma das suas torres, e negligenciou a “falta de lido” da sua nova esposa com a coisa toda. Com aquela constelação nova.

Quando decidi começar a minha vida de novo, fui tomada pela responsabilidade gigante de cuidar dos meus filhos e de qualquer relação nova que se aproximasse deles. De me manter atenta e presente. Jamais omissa. Pois além de serem crianças, são as minhas crianças. E é minha missão protege-los. Moral, física e emocionalmente. Afetivamente. Independentemente do meu desejo de recomeçar, de amar de novo, de viver uma vida nova. O que precisa estar claro no processo de reconstrução para os pais, agora solos. A responsabilidade sobre os filhos, acima de qualquer coisa. O afeto como base no momento de formação deles, muitas vezes simultâneo a um processo de divórcio ou de recomeço. Presença ativa e vigilante em suas vidas. Segurança, armada até os dentes, com as ferramentas que uma criança necessita: amor, atenção, empatia, acompanhamento, acesso, verdade. Além de, é claro, a assistência básica, que é comida de qualidade, educação, saúde e conhecimento adequado a cada fase. E assistir pais de novas famílias não o fazerem, por si só, mereceria condenação em qualquer processo.

Só que na condição de espectadora, de mãe de três filhos, construtora ativa de uma nova família, e de mulher, consciente das minhas tarefas nessa jornada, me sobra apenas lamentar e refletir. E quem sabe provocar reflexão sobre o nosso papel na vida enquanto adultos de referência. Se não dos próprios filhos, no papel de tios, avós, professores, cuidadores, segurança da porta da escola, amigos… Desse papel que é de constituir referência, segurança. Apoio, ajuda. Defesa. Que é a nossa tarefa de adultos. Aqueles para os quais crianças olham para cima. Com admiração. E que hoje devem chorar pela incapacidade dos que abriram mão desse papel e permitiram o sofrimento emocional agudo de um menino de onze anos, por anos.

Este menino, que hoje virou, no seu tamanho de em torno de um metro e cinquenta, exemplo de dor, de resistência e de luta. Mesmo na fragilidade do fato de ser uma criança. Para o qual olhamos para baixo, mais baixo do que gostaríamos e quase envergonhados como pais pelos que, neste caso, não nos representaram.

Os convido a olhar para baixo. Para o olhar brilhante e admirado do seu filho ou dos seus, para os que se aventuraram à mais possibilidades de amar. Neles estará o seu espelho. A imagem de quem eles esperam amor e proteção. E então, não faltem com eles. Ali está a sua missão. Lembrada tristemente esta semana de março pelos gritos de socorro do menino Boldrini. Para o qual ninguém olhou, cuidou, amou ou protegeu. Para o qual faltou pai e mãe. Uns de nós. E para o qual faltou trabalho afetivo e humanidade.

Pobre criança… perdemos feio como seres humanos esta semana. Perdemos como pais.

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