Meus filhos maiores estão crescendo. Joana está com quase dez anos e o Joaquim com oito e meio. Já se passaram mais de quatro anos que a nossa nova família, formada inicialmente de nós três, começou. Que eu hospedei fantasmas na minha consciência quanto à nossa dinâmica neste novo formato, e desde lá, construí cenários e diálogo para não passar algumas situações “peculiares” aos filhos de casais divorciados. Verdades do “senso comum”, ao qual me vi exposta na época. Para talvez não ouvir frases que em algum momento poderiam ser armas usadas por eles contra mim, contra o meu parceiro, pai afetivo deles, e até contra o pai.
Pois bem, eles veem crescendo e com eles compreensões, posicionamentos e hormônios da pré-adolescência. E outro dia, em uma discussão boba com a minha filha, no intuito de apartar implicâncias entre ela e o irmão, ela me disse: “graças a Deus hoje eu vou dormir no meu pai”. Agressivamente. Cheia de mágoa. Se utilizando dessa estrada de fuga dos “filhos do divórcio”. Essa, que vai além do bater de portas do quarto, comum aos filhos das famílias ditas tradicionais, que não tem mais para onde ir.
Aí… dorme com essa, mãe que compartilha! Eu, corajosa, aparentemente forte para gerenciar crises, as quais são hoje fruto dos meus estudos, observações de caso, e mentoria vivencial, de repente, presa no vácuo do que não está no meu controle. Que são as emoções que os abatem, por qualquer que seja o motivo.
Naquele momento, olhei para ela surpresa e confesso que triste, e disse que dizer aquilo para mim era muito feio da parte dela. E então saí. Foi o melhor que pude fazer na hora.
Confesso também que meio chocada. Pois ela, sempre tão madura, empática e afetiva, não tinha o hábito de ser cruel. Nem em situações de ameaça aguda, em brigas e divergências com o mano ou mesmo comigo. E ali, por pouco, não me derrubou com o poder que só filhos de pais separados têm. O de irem embora. Mesmo que para a casa do pai.
Este fato abriu um buraco profundo em mim, o que transformo, por exercício, há pelo menos quatro anos, em reflexão. Eles estão crescendo. E junto deles, a suas compreensões próprias sobre o ambiente no qual vivem. Suas vantagens e desvantagem, lados que tudo na vida tem. Reconhecendo saídas de emergência, oportunidades de fuga. Coisa que fazemos também na vida adulta, com mais frequência do que seria saudável ou considerada uma “boa prática”. E a vi humana. Adolescer. Além daquela filha que passou pela transformação da sua família em meio aos seus cinco anos de idade. Uma mocinha brigando pelo seu direito, legítimo ou não, e se utilizando das ferramentas que a vida lhe deu. No caso, a nossa rotina do compartilhamento.
E então, se fez clara a necessidade até então apenas aparente, do alinhamento entre as nossas casas. As casas dos meus filhos Joana e Joaquim. Na importância do acordo, do compartilhamento real, que vai além das mochilas de roupas ou da decisão quanto à escola na qual vão estudar, a orientação religiosa ou às atividades esportivas deles. Que vai além do operacional. Mas que trata do afeto, das ideias, do amparo, lá e cá. Sem exercício do poder, que já é nosso, por sermos pais, em igual teor. Desse, que não é mais daqui ou de lá. E que, só no equilíbrio e no alinhamento quanto às formas de abraçar cada crise, garantirá a eles um ambiente seguro, mesmo ele sendo dois. Duas casas. Dois lares.
Esta semana vivi transformações importantes através da tomada de consciência. O evento do New Families deste mês, realizado na noite de ontem, me oportunizou sentar, estudar e escrever sobre os impactos do conflito afetivo entre os pais separados sobre os filhos desse divórcio. Sobre essas crianças, vítimas da realidade familiar escolhida pelas suas torres de luz. Que não estão erradas ou são menos legítimas, pois uma vez verdade, não nos dá outra escolha que não a de transformar. Mas que foi sim imposta a eles. Às crianças. Que nesta cena não tem escolha.
Confesso aqui a vocês o que vivi honestamente na montagem desse trabalho e no encontro com tantas mães as quais acessei para o trato desta “Nova Maternidade” a qual fomos apresentadas de repente, no dia seguinte a saída do pai dos filhos da nossa rotina, daquele lar. No lido com vídeos, materiais jurídicos e psicológicos, que permeiam este assunto, e que são ainda tão poucos e tão rasos, me senti profundamente triste comigo mesma pelo que não consegui fazer melhor. Com os momentos nos quais, mesmo atenta a eles, olhei primeiro para a minha dor e eventualmente a atendi, para conforto meu.
Me considero uma mãe bastante alerta nesse sentido, dado o propósito deste projeto que nasceu dos meus dois filhos Joana e Joaquim. Meu verdadeiro “New Families”, na sua essência mais profunda e honesta. Mas na qualidade de humana, me vi em exemplos, mesmo que leves, de violência emocional. Que forte isso. Escrever a palavra “violência” relacionada às minhas crianças me doeu agora. Mas do que chamar qualquer ato de ferir uma outra pessoa senão violência? Mesmo em se tratando de uma pétala de rosa, se jogada no rosto do outro, em condição confusa e frágil, não é uma violência? Quando deixei que vissem meu mau humor por conta de pés de meia ausentes da mala de final de semana vinda do pai, ou mesmo na crítica ao cabelo não lavado quando lá, na outra casa?
Violentei meus bens mais precisos com a minha humanidade, com a minha dor e o meu desconforto em situações de compartilhamento. Feri a metade das minhas crianças, que tanto amo, e que são feitas também do pai. Daquele o qual criticava. E por menor que seja o suspiro, por mais cuidadoso, chegou aos seus ouvidos e ao seu coração.
Só que a “ideia do bem”, aquela que me encaminha o olhar à construção do feliz , e não os destroços sem valia e o fracasso, me encheu de gratidão. Me senti presenteada mais uma vez pelo projeto que me move e à minha emoção de mãe e mulher hoje. E compreendi naquele momento que a dor tem esse poder às vezes, de nos atrapalhar, mesmo nas funções nas quais somos melhores.
E na condição de uma boa mãe, imbuída das melhores das intensões para os meus filhos, perdoei os meus deslizes. Aceitei o enfrentamento da minha pré adolescente, minha menina de comportamentos “normais” misturados a tantos outros que me encantam e surpreendem. Entendi que na mochila de ferramentas dela também há uma saída de fuga razoável, que a leva a sua outra torre de luz. Tão capaz e competente quanto a que habita em mim. Cheia de afeto e na qual reside também a confiança e o amor dela. Deles. Da minha Joana e do meu Joaquim.
Presenteada por estes momentos de consciência e aprendizado, me deparei neste dia com uma oportunidade estranhamente casual de alinhar uma questão dos meus filhos com o pai deles pelo nosso canal oficial de comunicação. E por escrito, fomos pais, como deveríamos ser sempre, e acordamos melhores práticas com o lido das emoções das nossas crianças. Em uma relação de respeito e cuidado. Com afeto. Um diferente, de uma torre para a outra. Sem espinhos ou omissões. E ali, levantei a bandeira que quero para o meu território, a que representa a minha torre de luz.
O que posso confidenciar a vocês? Ela é branca…
E nela estão estampadas as minhas crianças, lá no alto. Livres, ao vento, empunhadas por uma mão segura aqui embaixo. Que prometo controlar, não estremecer. Eu, a adulta da história. A que teve coragem de recomeçar, de redesenhar a nossa família. Para permiti-los enxergarem lá de cima o terreno do pai, empunhados pela força dos meus braços, pela direção das minhas mãos e do meu coração. Com todo o meu respeito.
Pois “Juliana” à parte, lá embaixo, não é a ela que isso tudo tem que agradar. Sou mastro e assim sempre serei, até que cada um decida onde quer firmar seus próprios pés.
Obrigada leitora do New Families por me instigar a ir além. Por me oportunizar o mergulho semanal nas profundezas dessa realidade, da nossa “Nova Maternidade”. Pois na busca de mais a compartilhar, nesse caminho, eu não paro de aprender. E quem ganha? Eu, com certeza. Mas principalmente, eles. Os meus filhos. Os filhos do divórcio.
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