Apesar de eu ter um sentimento intenso e infinito no meu coração, sempre vivi as relações na vida com o meu corpo inteiro. No caso, falo da cabeça aos pés. E sempre foi a presença do meu estômago que me trouxe de forma orgânica a finitude em alguns momentos. Quando o medo de perder o afeto no outro e em mim me tirava a fome, o sono, a vida. Enfim, quando ele me amarelava nas situações de luta nos afetos. Me sinalizava a acidez, a gastrite, que logo ficou crônica, oriundas do enfrentamento do inconveniente, do que não estava certo ou do esgotamento do que fazer naquela batalha.
Meu estômago sempre me lembrou do possível fim das coisas, contrapondo a idealização do meu coração. Sempre me trouxe a existência da morte. O desconforto do plano furado. O sintoma do coração partido. Sempre tangibilizou as crises das minhas emoções.
Só que o meu lido com o finito me surpreendeu nos anos. A sensação de ver coisas acabarem e nelas, a oportunidade do recomeço, me mostrou duas coisas: uma que nasci com este poder, que nascemos todos. Esse de reinventar as coisas. Outra que o infinito somos nós, e que finito é o que por nós passa. Pela nossa história, tão cheia de possibilidades.
Li em um livro que existe a hipótese de termos trinta almas gêmeas por aí. Trinta pelo mundo afora. O que me leva a crer que temos pelo menos trinta possibilidades de vidas diferentes, de atuar em atividades completamente distintas, em lugares e histórias com um potencial de diversidade interessante, vivendo em cada uma um pedaço de nós mesmos. Isso por saber, a essa altura do campeonato, que cada relação na qual entramos nos abre determinado universo, seja por oportunidade, seja pelo mindset dos envolvidos quanto aos caminhos possíveis na vida, seja na forma de usufruto da mesma. Cada realidade nos propõe uma forma de viver, uma jornada diferente.
De fato não acredito que viemos para ser só uma coisa. Que só naquilo seremos muito bons e realizados. Vejam os esportes, por exemplo. Podemos exercitar vários muito bem ou nenhum, por sentirmos a ausência de habilidades para tal. Profissões, já exerci tantas, que acredito que poderia viver de varias, e tenho certeza que você também. Fui vendedora, promoter, gerente de estabelecimento comercial de serviços, compradora, especialista em marketing e eventos. Dirigi uma máquina de café, atendi em restaurantes, fui babá, treinadora de equipes e já estive administradora de empresa. Hoje sou escritora, blogueira, conduzo grupos de reflexão emocional, trabalho como mentora e produzo conteúdos para empresas. E posso dizer que em todas essas vidas acredito que fui muito bem. Que poderia ter tocado assim. Feliz. Com parte de mim realizada. Vivendo uma realidade possível.
Se eu fosse dizer o que eu sou hoje, na minha essência, eu diria escritora e mãe. Minhas atividades mais genuínas, que mais me conectam comigo e que falam pela minha alma. Mas o fato de sê-las não me impede de realizar outras coisas que me desafiam e me retribuem de outras formas, além do prazer. Tudo para dizer que somos feitos de um monte de coisas. Um monte de caminhos, de possibilidades. E dizer que um fim é capaz de terminar com a gente me soa miopia ou até covardia, considerando este vasto cenário.
Outro dia, conduzindo uma mentoria, refletimos, eu e a minha mentorada e amiga, quanto aos formatos das coisas na vida. E considerando que estamos às vésperas do encontro no qual falaremos de amor, achei bacana trazer para dividir com vocês o caminho que fizemos juntas na realização de possibilidades.
Porque desejamos um padrão de vida quando temos o privilégio, de após um fim, começar de uma maneira melhor, com reflexão? Porque você quer uma família de novo após um divórcio? Já parou para pensar profundamente nisso, no que deseja?
São perguntas simples mas cheias de cantos obscuros, o por isso as trago aqui. Repetir um modelo familiar conversa com os teus desejos? O que faltou na relação que acabou pode fazer uma próxima feliz, desde que resolvida? Você compreende que o modelo no qual vivia pode ter questões importantes a melhorar na sua concepção, e que talvez trocar o parceiro pode ser ainda mais complicado por não se tratar do pai dos seus filhos naquele cenário?
Pois bem, minhas perguntas não são para assustar você. São para provocar o seu desejo. Para trazer uma reflexão honesta sobre aquilo que você realmente quer viver da vida a partir do divórcio do pai dos seus filhos. Pois se é para ser amada, é importante avaliar o formato da relação para preservar o afeto. O amor romântico pode ser vivido de várias formas que não na constelação da família tradicional. Se você busca um parceiro de vida, estabelece claramente as combinações do dia a dia dessa aventura que é misturar gregos, troianos e brasileiros no mesmo lar, sob as mesmas regras e para a mesma direção. Se você busca um pai para os seus filhos, lembra que eles já têm um. E se não tiverem, esse passa a ser um quesito de importante avaliação no CV das possibilidades trazidas por uma vida nova. Enfim, são muitas questões a se pensar.
Não fiz toda essa reflexão, eu confesso. O amor pelo meu marido me arrebatou. Não me deu chance de escolha, de parar para pensar na forma. E por isso precisamos construir no tempo a forma que melhor nos atenderia para seguirmos adiante, após o choque emocionante do encontro.
Nosso modelo foge do convencional. Por muitas vezes tivemos a possibilidade de redesenharmos a nossa rotina e assim morarmos na mesma cidade. Lembro que a possibilidade inicial era de uma mudança dele para Porto Alegre. Afinal, com a vinda de um bebê, faria sentido estar mais presente, provocando menos a saudade do casal apaixonado. Só que nas semanas que estabelecemos como “piloto”, de cara enfrentamos a previsível realidade da qual eu, lá dentro, já desconfiava. Passar três dias separados, permitindo a ele estes momentos a sós com seus negócios e na sua caverna distante, longe da louca rotina de filhos, o fazia inteiro e forte nos seus retornos para casa. Eu, por minha vez, tinha ali meus momentos a sós com os meus pequenos. Dedicada aos filmes infantis, jogos de carta, cama cheia e pijamas confortáveis. Ganhávamos os dois, então para que mexer no que funcionava tão bem? Desistimos da ideia de casamento vinte e quatro por sete e seguimos a nossa vida feliz.
Este ano, com o tanto de mudanças pelas quais passamos, decidimos avaliar uma possível ida minha para Santa Maria, com toda a turma, para acompanha-lo na sua rotina intensa de negócios e vivermos assim uma vida mais confortável e segura, sem estradas. Só que fizemos um breve teste durante as férias e mais uma vez atacamos com violência o nosso amor. Esse, que funciona do jeito que é, que o alimentamos. E que assim cresce e se estabelece. Preenchendo a nós dois e permitindo que todo o resto que queremos da vida tenha o seu espaço na gente. E assim funciona aqui. Assim é o nosso amor. Não é do padrão de ninguém, não responde a regras de etiquetas e boas maneiras nem está sob o julgo do entorno. Apenas existe assim. Nasceu e cresceu no formato que amparava a nós dois. Acolheu as nossas cidades, as nossas amizades, os nossos trabalhos, os nossos filhos e os nossos tempos. E para mim esse é um formato feliz de amor. Coube em mim e na vida que desejava.
Então, que vida você deseja? De que forma quer se relacionar e integra-la ao amor? Ter mais filhos está dentro das suas possibilidades, do seu desejo?
Responda a você mesma e desenha essa jornada. Questiona os padrões. Olha o que atende a você e a sua vida como mãe. Não há formatos certos nem vencedores. Há relações honestas e felizes e as frustrantes e sem alegria. E nessa escolha, estamos um passo à frente. Nós, que vivemos o divórcio. Conhecemos os caminhos do casamento e onde cada um deles nos leva. Conhecemos a finitude do amor, ou, melhor dizendo, a sua transformação. Então, mais fácil não errar e ser feliz.
Boa sorte no amor. Mais ainda, na definição do que desejas para ele. Se não esconderes nenhum número dessa equação, há grandes chances de viveres possibilidades incríveis nos afetos. E, quem sabe parar em uma delas, dessas trinta que andam por aí, e ali fazer casa:)
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