Aprendi depois de velha a falar de sexo. Depois de um caminho longo, árduo, e que quase sempre envolveu a minha passividade e de certa forma um pouco de omissão. Pois para mim, sexo sempre foi uma “partezinha”, que a princípio, era mais importante para “ele” do que para mim. Para o cara à minha frente. Principalmente em relações estáveis, que foram recorrentes na minha vida desde moça. E me dei conta que os pensamentos que me tomavam sobre o assunto traziam uma carga cultural maior que o desejo, que o mergulho na experiência e mesmo, que a minha opinião honesta sobre o assunto e suas formas de fazer acontecer.

Foi bom? Essa era a pergunta que eu ouvia de amigas quando jovem, após a minha “primeira vez”. Mas não era um “foi bom” com o intuito de diagnosticar o quão próxima do prazer eu estive. Era um “foi bom” diferente. Algo como “você pode suportar isso com esta pessoa? É razoável para você?” O intuito não era a discussão sobre o prazer, mas se ele justificaria o início de uma relação ali ou não. Se o cara era “foda”, ou não. Mas jamais se eu me sentia poderosa naquela experiência. Condutora, ou mesmo completa. Saciada.

Dar-se conta do significado de algumas palavras e funcionamentos meus frente ao sexo, me fez querer entender melhor se a esquisita era eu, e aquelas amigas, ou se vivemos em tempos nos quais ainda servimos ao outro antes de a nós mesmas. E pasmem. Encontrei inúmeras esquisitas. Mulheres que cedem ao desejo de sexo pelo parceiro, que o fazem sem desfrute, sem prazer e com mais frequência do que desejavam. E aí muitas questões saltaram da minha cabeça. Daquelas que me movimentam, me desconfortam.

Se é tão bom para ele, porque eu não poderia sentir o mesmo desejo por este ato conjunto? O que faltava para eu querê-lo mais do que a qualquer coisa? Porque não me sentia estimulada muitas vezes? Porque eu era objeto de desejo do outro e não o via da mesma forma na cena do sexo, mas apenas nas da vida?

Tantas vezes trabalhei para gerar esse efeito, da sedução, enquanto não percebia o mesmo trabalho por parte do parceiro. Não por culpa dele, mas pela falta de orientação do coitado. E me isentando dessa culpa também, pois nem eu sabia o que fazer para tudo ser incrível, e para acionar os meus gatilhos. Então como poderia orientar a alguém?

Pois bem. Vivi disrupções de lá para cá e em cada uma delas, quando perdi tudo e disso sobrou apenas eu e o sexo em mim, fui percebendo o que funcionava para o meu corpo, assim como vi crescer em mim o desejo pela boa relação sexual. Que me atendesse integralmente, ao mesmo tempo em que fizesse o outro feliz. E atenta a mim, construí o sexo como centro da relação de amor, inclusive comigo mesma.

Ouvi de uma profissional uma vez, que a relação sexual é a ligação consanguínea de um casal, já que marido não é família, como diria um tio meu. É quando a gente se mistura ao outro na descoberta genuína e generosa do prazer a dois. Quando nos conectamos essencialmente, através do corpo, do movimento, das emoções. Onde construímos confiança na gente e naquela relação. De verdade. Da forma mais humana que se conhece. E que permite um balé de troca de emoções e oferecimentos genuínos, entre a gente e o parceiro, de prazer e de afeto.

Na relação casual é mais fácil, aparentemente, cuidarmos só da gente, mas no contexto da relação de amor romântico, ou estável, é uma questão bastante exigente ao meu ver.

Historicamente nascemos para servir. Aos filhos e maridos. Somos por concepção cultural uma grande doméstica da vida dos outros, não há como negar, com algumas exceções é claro. Somos o que chamam por aí de “zero um”. A primeira pessoa responsável pelo que quer que seja. A que é demandada sempre quanto aos seus serviços, ou que por influencias culturais, assumem essa posição. Mas esse é outro assunto que casa com os demais temas que trato por aqui.

No contexto de hoje falo da massa, da maioria das mulheres, e da força dos tempos, que sofremos ainda hoje. É só entrar em uma sexshop e procurar uma fantasia masculina que atenda a prazeres nossos, femininos, e que construa desejo. Exceto pelos gels, os quais poderíamos nos utilizar na solidão de um quarto, simplesmente não se acha muita coisa… Se acharem algo, estará possivelmente na prateleira mais alta do estoque. E por quê? Porque as fantasias e o erotismo naturalmente vestem as mulheres e servem aos parceiros na relação. À construção do desejo ali.

Não trago uma perspectiva machista, nem vitimista, nem pessimista. São apenas fatos. Que percebi durante a vida na minha procura por uma cena que me legitimasse. Na rua e entre quatro paredes. E talvez por isso tenha custado a achar um caminho, o qual acabou se apresentando dentro de mim, e não em vitrines de lojas do ramo ou cenas de filmes, às quais simplesmente não conseguia me colocar, não me faziam me sentir considerada.

E aí, a primeira coisa que vem na minha cabeça é a ausência de poder sobre a nossa própria vida quando não nos legitimamos na nossa própria cama. No nosso sexo. E ouvir discussões sobre a importância do “empoderamento” feminino nas multinacionais, em cargos de governo, em lideranças ativistas, no empreendedorismo e até na capacidade física e resiliente de superar desafios, desconsiderando que na vida pessoal, no quarto, muitas vezes não exercemos este poder, me leva a pensar que ainda engatinhamos na construção dessa força de dentro para fora. Que começa na gente mesma. Na nossa vida em família. Na nossa cama. Com o nosso próprio corpo como ferramenta de poder, de prazer, de desejo e realização. E que a partir dele, desse “empoderamento” – palavra cansativa mas que aqui se presta – nos tornamos genuinamente potentes para conquistas além. Para cocriar e dirigir outros ambientes. Não tão diferentes do que conhecemos no quarto. Do que exercemos com o outro e conosco no sexo. Que envolve legitimar-se. Considerar-se. Respeitar-se e ali, colher os frutos de realmente existir na cena.

E assim, segue a busca na luta contra o óbvio. Na briga pelo prazer sempre, e não de vez em quando. No caminho de me fazer presente naquele momento de forma íntegra, corajosa, proativa e respeitosa comigo e com os meus limites. Usufruindo de um sexo delicioso. Daqueles que se deseja, que faz bem para a pele e para a alma, que energiza para os outros desafios à frente, que me dá um poder que também é só meu. Como todos os que vêm de dentro para fora.

Bora acionar esse vulcão que existe aí. Esse que começa no começo da gente. No corpo e na alma que estão sentados lendo esse texto. Que constituem você. Você mulher, antes da executiva, ativista, empreendedora, esposa, namorada ou mãe. É neste botão de começo que está o poder real. O que sai de dentro para fora. Que é particular, só teu. Nem melhor, nem pior. E que gera segurança e domínio do que é prazer para si, e autoconhecimento para lidar com respeito frente a tudo na vida.

É um caminho. Um pote de prazer e de poder no final do arco-íris. Produzido em gerador próprio. Daqueles que ninguém te tira. E falando assim, já justifica fazê-lo. Não?

Comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES