Vou falar de uma coisa louca. Do improvável reconhecimento dos filhos sobre as coisas que fazemos por eles.
Sabe o que é mais legal de escrever genuinamente? Sem revisor de texto, editor chefe ou orientações de terceiros? É que eu vou vivendo a vida, aberta, e, de repente, mudo de opinião e saio do lugar que ocupava antes. Quando pensava diferente, a partir das minhas bases da época. Por isso acho a vida um presente. Uma possibilidade de aprender e repensar o que era verdade ontem, todos os dias. E também por isso, antecipadamente, peço perdão por não me parecer aqui com a pessoa que se expôs em crônicas anteriores, eventualmente. Quando acreditei e defendi exclusivamente, que bom para os filhos é o que é bom para a gente. Que adulto feliz, garante crianças felizes. Quando na verdade sim, mas talvez não sempre, nem todo o tempo. Nem sob um olhar exclusivo e egoísta apenas quanto à satisfação dos pais e a realização dos seus desejos na vida.
Pois bem, voltando a eles, aos filhos… percebi nessa última semana o reconhecimento vindo deles. É claro que este varia na forma e na capacidade de cada criança no se expressar quanto aos seus sentimentos e olhares sobre as coisas. Mas ocorre que aqui, nos meus cartões de aniversário de quarenta anos, presenteados por eles, foram reconhecidas as minhas escolhas que os colocaram como prioridades em determinados momentos. E a questão toda é que, em meio a um mar de tentativas de acerto, nas quais tantas vezes acabo desenhando no lugar da pomba o urubu, recebi de presente registros do que fiz bem. Da percepção deles como tal. E isso tem um valor que outras mães e pessoas de bom coração podem tentar imaginar.
Em torno de dez meses atrás fiz uma escolha por eles. Diminuí meu ritmo frenético de trabalho para atender às demandas da minha bebê e do natural efeito da chegada dela na minha constelação. Meus filhos precisavam de mim e eu sabia disso. Os três. Talvez mais ninguém soubesse, mas eu sabia.
Então toquei apenas o projeto New Families e deixei as atividades da minha carreira de executiva em um ferrolho temporário. Afinal, todo o resto poderia esperar, mas não eles. Meus filhos. Minhas escolhas. E sendo assim, minha missão foi de cuida-los e reorganiza-los por um tempo.
Confesso aqui, passado o túnel escuro, que este foi o momento mais desafiador, mais exigente da minha vida. Em toda ela jamais tinha aberto mão de mim exatamente, de forma tão profunda assim. Não falo de atrasar aquela lavada de cabelo, a manicure ou sublimar a falta de um sono mínimo de sobrevida e organizado. Falo de abrir mão do meu combustível, que me mantinha acesa, viva.
Em algum momento, lá atrás, tirei a minha energia vital do meu casamento, das minhas noites de sono, mas nunca do que era realmente meu. Nunca da minha autonomia e dignidade. Aquela que me manteve de pé e ao sonho de construir uma família que dependesse também de mim, e que me desse o prazer pessoal de produzir realização. E por estes últimos dez meses, andei devagar. Fui mãe. Com calma, presença, paciência, vivendo rotinas não vividas antes. Acompanhando dia a dia e construindo uma nova realidade para a minha constelação, aquele momento diferente por conta da chegada da nova integrante.
Para quem passa voando andar devagar tem fases de compreensão. No início parece um alívio, viável, um paraíso, uma possibilidade de descansar, de acomodar as funções todas de forma saudável, digamos assim. Um tempo depois vai ficando monótono. Passado mais um tempo, gera uma sensação de improdutividade, de desespero até. E mais um pouco, de incapacidade, afetando diretamente a autoestima. Pois vivemos afinal em uma sociedade que exige tudo da gente, e isso inclui produzir, cuidar presencialmente de três filhos e amar. E no meu caso, naturalmente a cobrança passou a ser minha própria também. Até que vem a aceitação. De que aquilo tem um propósito maior. E que pode ter um início, um meio e um fim.
Para cada um acontece de uma forma, até porque velocidade cada um tem a sua. Mas eu confesso, sempre tive uma boa parte de mim, do meu prazer, ligado à produção de coisas. E diminuí-la precisou fazer parte de um plano claro, para então fazer sentido.
Pois bem… Passados esses dez meses, somados a quatro meses de licença a maternidade, muitas mentorias, textos e eventos, me senti pronta para aumentar meus projetos. E no primeiro que apareceu, avaliei a minha ausência junto aos meus, e declinei. Uma ausência real, que exigiria estar fora, totalmente fora, por quatorze horas ao dia, incluindo finais de semana.
Precisei de anos, de maturidade, de filhos e da compreensão do real valor na vida para escolher o caminho a fazer. Em outros tempos talvez eu tivesse me atirado na oportunidade. Mas agora não. E escolhi correr maratonas que fossem mais adequadas às minhas reais condições de temperatura e pressão, ou melhor ainda, que se comunicassem realmente com o que é vital para mim sem desmanchar o meu lar, a minha maternidade.
Enfim, declinei de um projeto e fui para um melhor ainda. Afinal, acreditem, as janelas certas se abrem. E se abriu uma do meu tamanho. Do tamanho que cabe entre o meu sonho e a minha realidade, e que por isso, pode realmente me realizar sem destapar os meus pés.
Eis que, no dia do meu aniversário de quarenta, recebi meus cartões de felicitações de Joana e Joaquim. Minhas crianças grandes. Já falei antes, mas vale repetir, cartões e bilhetes são um hábito delicioso daqui de casa. Enfim, Joana me deu o dela na véspera e Joaquim no dia.
A felicidade mora nos nossos corações e nos bilhetes de papel com certeza… li neles as palavras mais genuínas, simples e carinhosas que eu poderia acessar na vida. Encontrei ali amor, olhar e reconhecimento. E este último me extasiou.
Meus filhos enxergam o trabalho que fiz nesse caminho de vida lado a lado.
No dela, o reconhecimento e validação de uma filha sobre a minha força, jeito e beleza no cuidar e amar eles, a mim mesma e à vida. Coisas que tantas vezes se mostram feias no dia a dia, mas que no produto, aos olhos dela, são só amor. Força, jeito e beleza. Só. Sem as partes feias, sem os erros. E no cartão dela me dei conta de que quando a gente erra, erra, mas depois acerta, pois essa sempre foi a real intenção, o que vale no final é a conquista. E que ela tem mais valor ainda quando brigada, tentada. E a minha filha sabe da minha luta. Assiste e conversa. Vivemos em “DRs” que esclarecem e acordam os nossos pontos de vista e necessidades. Então, ela conhece o meu caminho, as minhas intenções, e por isso, reconhece quando chego ao destino como algo muito legal, como uma grande vitória.
No cartão do meu Joaquim, a grande surpresa. Entre elogios à nossa relação de cuidado e amor, assim como a minha com as irmãs, ele, de repente, me agradece. Por ter escolhido eles no último ano e no último projeto. Por eu ter escolhido não sumir, não fugir, para nos manter. E digo fugir, porque seria isso, frente às tantas responsabilidades de mãe que tenho em uma família com três filhos. E sabendo que ser mãe de três é duro, pois ele me assiste, me agradeceu por estar no momento que ele precisou, ao seu lado. E ao lado das irmãs, pois ele ainda foi um gentleman, ao agradecer por elas. E aí, naquelas palavras, parte de mim morreu. A parte da culpa, da dor das perdas, das escolhas que fiz e por conta delas, da frustração do que eventualmente perdi. Pois no cartão do menino de oito anos que tenho o privilégio de dividir vida, senti que não era só eu quem sabia por que ficava ali, com eles. Porque aquela foi uma escolha. Pois eu sabia por que estava ali. Eu sabia que precisavam de mim. Mas não tinha certeza de que eles sabiam. E agora eu tenho. Registrado, em um cartão em folha A4, feito a lápis colorido, no intervalo da aula do terceiro ano primário.
Meus filhos sabem. Estão me enxergando. Sem falhas de comunicação. E isso deve ser amor verdadeiro mesmo, amor entre mãe e filhos. Daqueles que não se engana, que não duvida. Que confia.
E precisa de mais?
Fiz quarenta e ganhei a medalha mais valiosa do mundo. O reconhecimento pelo trabalho mais difícil e mais feliz da minha vida. E de quebra, ainda fechei um projeto que promete me encher de desafios e realizações, e no qual cabem eles…
Bem vindo novo ciclo. Estou de braços abertos. E me desculpa se me contradisse frente a algum texto anterior. É que venho vivendo, todos os dias. Atenta, intensa e fazendo escolhas. E talvez por isso, venho enxergando cada vez mais. E tendo o privilégio de mudar de ângulo, de cadeira, e ver a vida me tocar em pontos novos. Que me presenteiam com novas sensações e novas perspectivas. Me deparando com a inteligência e a emoção das minhas crianças.
E isso é valioso para mim, e vale qualquer mudança de opinião nesse mundo do qual não sabemos nada.
Comentários
Oi Juliana!
Verdade, não sabemos nada, até achamos que sabemos…aí vem a vida e mostra que não, que não temos controle!
Eu me “agarrei nas tuas palavras que a felicidade da mãe é a dos filhos, li isso em muitos outros lugares tb, era uma maneira de validar as minhas escolhas”, mas concordo que nem sempre, como tudo tem exceções!
Eu procuro ter momentos de felicidade e proporcionar muitos ao meu filho, espero que ele um dia saiba que foi tudo tentando acertar, não é uma questão de reconhecer, mas que sinta que sempre tentei ser uma pessoa melhor e fazer o melhor para ele e para mim.
Eu parei de trabalhar quando ele nasceu, mas com tempo também senti afetar a autoestima e a culpa por querer voltar ao trabalho que me realiza, que lutei muito para conquistar foi gigante/monstra, pq eu podia ser mãe em tempo integral, mas faltava algo…
Voltei quando ele tinha 2 anos, escrevi uma carta para ele ler quando tiver 15 anos e/ou discernimento para entender. Acho que ele vai ter orgulho da minha escolha de voltar ao mercado de trabalho, eu trabalho bastante, mas meu tempo com ele é precioso, nos curtimos demais, não abro mão de levar, buscar na escola, de estar presente sempre. Até pq trabalho para nos proporcionar as coisas que temos e vivemos, pois não tenho com quem contar. Mas a maternidade é maluca, queria mais tempo para estar com ele e queria trabalhar mais para poder proporcionar coisas melhores! Me fez mais corajosa e mais medrosa ao mesmo tempo…ão distinto um sentimento do outro!
Tenho tentado me abrir para as mudanças, todas elas, inclusive as das “certezas” que eu tive um dia.
Parabéns atrasado pelo aniver, feliz ano novo astral, que te traga ainda mais alegrias! Também fiz 30 + 10 mês passado! bjs
Ah Carol… a gente que é mãe sabe do tanto que fazemos para atende-los e ao mesmo tempo, tentando nos mantermos sãs e felizes. Esse texto foi escrito a partir da certeza de que eles sabem dessa nossa batalha interna e reconhecem que as nossas escolhas de uma forma ou de outra também são por eles. Mãe feliz, criança feliz. Só que no mãe feliz, faz feliz escolher a eles muitas vezes, como fizeste até os dois anos do teu filho. Ele com certeza irá te admirar por ter ficado, e depois, por ter voltado. Acredite:) Quando consideramos a gente e a quem amamos nas nossas escolhas, eles percebem sim<3 Pois é feito com amor.
Parabéns pelos teus 30+10:) Que sejam construídos mais anos assim, atenta e amorosa contigo e com o teu menino.
E obrigada pelo teu carinho de sempre! Beijos, querida!!!
Eu quem agradeço pelos teus textos, que nos incentivam e mostram que não estamos sozinhas! Bjs