Há duas semanas estava saindo de uma reunião de trabalho e de repente recebo uma mensagem da minha sogra informando que a sua mãe faleceu. Elas moravam juntas, filha cuidava da mãe, e ali a minha sogra perdia a mãe, mas também perdia o seu bebê. Seu objeto, já a alguns anos de dedicação e cuidado. A quem alimentava na boca, dava banho, trocava a roupa e tapava a noite.

Aquela realidade, aquele agora que fazia parte da sua vida, de repente foi embora. Sessou. Interrompeu-se.

A saudade fica quando perdemos pessoas que amamos seja para a morte ou para uma vida longe da gente ou diferente. Fica porque era bom, porque de alguma forma fazia bem. Mas também porque, bom ou ruim, fazia parte da gente. Da nossa realidade, do que conhecemos hoje, do nosso agora.

E assim se faz o presente. Do que temos hoje, mas talvez não amanhã.

Naquele mesmo final de semana, em um restaurante com o meu marido, vimos passar ambulâncias, carros de polícia e bombeiros. Logo na esquina um homem jovem caiu de cima de um jipe em movimento e, atropelado pelo reboque que trazia uma lancha, faleceu. Ali mesmo. Ele, toda a sua juventude e expectativa de vida, seja lá qual ela fosse. Interrompida ali. No meio do nosso jantar gostoso naquela noite agradável de primavera.

Esta semana saía de um cliente fora da cidade quando recebi uma ligação da minha mãe. Um primo irmão querido, meu parceiro na escrita de textos e crônicas, só que do outro lado do mundo, descobriu um câncer. Assim, de repente. Assim, pai novo, de uma menina pequena, quase como a minha, e uma mulher que o ama. Tudo que muitos de nós buscamos na vida. Amor verdadeiro, um legado, uma família, um trabalho que realiza e toca outras pessoas. Uma vida que faz diferença. E aí, de repente, descobre que entrará em uma luta que começa já, no agora. Que ontem era só alegria e hoje exige fé, trabalho e coragem. E resistência à dor de mudar aquele presente, aquele agora que não é mais.

Então neste sábado estou saindo para fazer uma massagem, após a minha semana de malabarismos, quando o meu filho Joaquim me abraça para um adeus…

“Mãe, sei que a princípio é um tchau e não um adeus. Mas quero um adeus agora. Não sei das próximas horas, então quero te olhar, e um abraço.”

Não sei direito explicar o que senti. Mas confesso, intimamente, que foi algo bom. Venho me dando conta que a gratidão é um processo de aprendizado e que também é nossa missão na posição de pais, ensinar aos filhos. Assim como mostrar a vida de verdade, de forma positiva, mas real. Ou a frustração de não achar a Disneylândia lá fora será maior. Gerando uma sensação neles de terem sido enganados a infância toda. Protegidos da vida de verdade. É assim que eu sinto e vejo. É assim que a vida aconteceu e acontece para os meus filhos. Real e positiva. Cheia de alternativas, mas todas francas e honestas. Com caminhos claros e espiando realidades. Então meus filhos sabem do que se trata o agora e da importância de estarmos nele inteiros. De nos aproveitarmos. Simplesmente porque isso é gratidão. Ou a forma mais tangível de reverenciar ao que se tem e a quem se é, assim como a quem está em volta.

E assim foi. Assim ensaiamos um adeus. Eu e Joaquim. Um olhar daqueles no olho, e um abraço. Um cheiro, um “eu te amo”. Um presente sentido e profundo. Um tchau gostoso no qual estávamos os dois ali, cem por cento. Porque é só dele que sabemos. Só ele é certeza.

Aí me pergunto? Porque ainda me questionam o que eu planejo para a minha vida daqui a dez anos? O que estou construindo para a minha velhice? O que será do amanhã?

Não sei mais responder a essa pergunta. Não faz mais sentido para mim. Há algum tempo vivo o agora. O que tenho como presente no dia de hoje. O meu amor, os meus filhos, cada reunião com um cliente, cada contato com uma pessoa. Ligando para a minha mãe para bater papo sempre que posso. De casa para o trabalho, de uma reunião para a outra. Aproveitando o valioso tempo do agora. Não por aventura ou irresponsabilidade no olhar para frente. O construo todos os dias, como todo mundo, com muito compromisso. Mas porque tocam telefones, apitam mensagens, soam sirenes, e a todo o momento, chegam notícias de mudança do presente.

Então é disso que se trata. Não sei do amanhã. A não ser que hoje abracei os meus filhos e o meu marido quando acordei. Disse que os amo. Escrevi meu texto com toda a minha emoção. Comi do que gosto, degustei cada gole do meu vinho predileto, e senti o perfume do meu sabonete no banho. Ouvi música no carro, do meu “mood” predileto, e olhei o sol. Assim é o meu hoje. Alto. Na minha mais alta estima. Pois é tudo o que eu tenho.

E você? Fez o que do que é realmente seu e que está acontecendo exatamente agora? Espero que mergulhada, inteira e se lambuzando. Pois a única garantia, além do agora, é a saudade que fica. Do que foi bom ou parte da gente. Do que foi da nossa história e que nos fez o que somos hoje.

E na condição de “escolhedores”, só nós podemos fazer o melhor possível, fazer bem, para na saudade, ficar no agora um coração feliz e em paz. Com a sensação de ter estado presente. Com a sua missão cumprida na jornada de ser feliz no agora, com o que se tem.

Imagino que assim, doa menos se despedir do ontem, ou mesmo, dar um tchau.

Comentários

  • Carolina Job 17 de outubro de 2019

    Isso é tão real… tenho muitas coisas que falo sobre mim, que nasci na época errada, que nasci madura, que não pertenço a este mundo…e isso por que sinto as coisas, aprendi com meu pai a viver o hoje, cada dia como sendo o mais especial, aprendi com meu ex marido abrir uma garrafa de vinho na segunda-feira (se assim desejar), usar uma uma roupa linda e nova hoje e não deixar para ocasião “especial”…por que a via é um sopro…a qualquer hora pode vir uma notícia que mude o presente, como tu dissestes.
    A minha mãe teve graves problemas de saúde e em todos eu estava com ela e fui quem chamou a ambulância (com certeza existe uma razão para isso), hoje quando passa uma ambulância por mim, eu começo rezar e digo Deus ajude que não seja nada demais…”um trauma” que ficou em mim, mas que me faz ser grata pela vida todos os dias!
    No amor eu tb sempre pensei assim e estava desacreditada, de algo que é tão importante para mim, da minha essência (tua resposta anterior foi importante para me alertar, para essa minha retomada), de ter um amor verdadeiro e sentir desde o primeiro instante que eu queria passar a vida toda ao lado dele (e não tem nada de romantismo nisso, nem de perfeição, um resto da vida cheios de acertos e erros, mas com aquela única pessoa), mas me curei…me resgatei…não vou desistir jamais e nem aceitar menos do que eu mereço, acho que escrevendo aqui agora tenho mais certeza disso…e teus textos sempre me ajudaram muito…a vida é tão curta ou não, fato que não sabemos, por isso temos que amar hoje, dizer hoje, curtir as pessoas que são importantes para nós hoje, ir em busca dos sonhos agora, por que amanhã pode ser tarde demais!
    Obrigada mais uma vez!!!!

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES