Ninguém deve julgar ninguém. Então a confissão não é mais do que uma conversa, pensava eu com os meus botões, sentada naquela missa de domingo. Mas se conversar é valioso, então vale confessar-se. A quem for. Até ao padre.

Fui à missa naquele domingo buscar paz, desconexão do celular, silêncio e introspecção. Algo difícil nos meus dias de trabalho, projetos e filhos. De situações desafiadoras e frequentes, como se me fizessem parte de um jogo de vídeo game sem fim, com etapas cada vez mais exigentes. E a paz tem sido só o que eu preciso. Em mim, no exercício de minutos de vazio.

Ouvi da minha amiga irmã outro dia que paz é tudo o que precisamos na vida. Engraçado, porque não é o que buscamos, mas o que precisamos. E essa minha amiga é incrivelmente certeira com a colocação das palavras, e dona de frases importantes na minha vida. E nessa, o verbo me chamou a atenção.

O que há de mais valioso senão a paz?

Não deve ser por nada que ela está em orações e nos pedidos repetidos dos fiéis nos cantos e jograis com o padre, em missas católicas. Não é de graça que é uma das palavras icônicas das viradas de ano, ou das oportunidades de recomeço.

Mas enfim, comentários a parte, estava exausta no domingo. Após inúmeros compromissos de trabalho e pouco sono, sentei-me na missa das dezenove para descansar. Buscava paz no descanso físico e mental. Encostei a cabeça no ombro do meu esposo e apenas relaxei ao som da voz equilibrada e grave do padre, e das músicas ensaiadas pelo coral.

Eis que observo no canto da igreja uma salinha iluminada. A porta era vazada, do tipo xadrez de madeira, e dela eu podia perceber a sombra de uma pessoa ajoelhada.

Aquilo era um confessionário. Era o que dizia na placa sobre a porta. Nossa, aquilo me surpreendeu. De repente me senti naquelas igrejas feudais, ou na era de Romeu e Julieta de Shakespeare, quando naquela sala fiéis buscavam libertação, perdão e anuência para os seus recomeços. Para a superação dos seus erros, dos seus pecados. Daqueles que cometemos a todo o tempo mas que, se inteligentes, buscamos não repetir mais.

Em tempos de redes sociais e sessões de terapia, mentoria e coaching, perseverava ali uma sala de confissões a um sacerdote. Em 2019. Longe das minhas referências cinematográficas e históricas, e principalmente do meu julgamento.

Mas este foi o meu primeiro pensamento: a surpresa daquele hábito perseverar. De pessoas, de joelhos, apresentarem seus erros e experiências infelizes de bandeja, humildemente. Sem self.

O segundo foi o de que, se uma pessoa busca a confissão, ela busca a conversa. O desabafo. Busca ouvir da sua própria boca aquilo que precisa ser entendido com clareza e honestidade pelos ouvidos, pela alma. E perante a Deus, para um crente, sem floreios. Apenas a real, mesmo. Se colocando ali, disponível a opinião do outro, e à pena sobre suas ações ruins.

As pessoas buscam aconchego, conversa. Atenção do outro e perdão.

Religiões a parte, gostei muito do ser humano ali. Não estamos perdidos afinal. É o que eu acredito. E ali, mais um ato de humanidade e simplicidade, mesmo que religioso. De vulnerabilidade e coragem.

Custei a entender. Fiquei muito tempo absorta no entra e sai daquela sala, curiosa, depois encantada. Estava ali uma sala de conversa. Cheia de fé na auto melhoria, na inovação de si mesmo. De continuar hoje, após reconhecer quem foi, e confrontar a verdade. Se arrepender, e fazer melhor na próxima. E a conversa tem disso. Às vezes são dois falando, outras só uma boca e quatro ouvidos. É isso tem um valor inestimável. A troca acontece na coragem de se expor ao outro e de se escutar. Afinal, verdade cada um tem a sua, então na escuta, julgamos nós mesmos, os nossos atos frente ao que é verdade para nós, pela nossa própria voz. Se queremos seguir assim, ou mudar. E ali fiquei, com a cabeça deitada e reflexiva sobre o que eu falaria ali naquela salinha, se me encorajasse a caminhar naquela direção.

Me ensaiei, me mexi no banco, pensei em levantar, me aquietei. Não tive vontade, ou talvez coragem. Confesso que me questionei se saberia ser objetiva. Aquele homem de ouvidos pacientes não deve querer conversas longas, e eu tinha tanto a falar… Também não conseguia me imaginar falando baixo. A igreja estava lotada e costumo me “empolgar”, como diz o meu marido. Pensava que talvez aquele homem não fosse entender meus movimentos, esses tantos, resumidos ali de uma vez só, me qualificando talvez de inconformada, insaciável ou impaciente, sem nem me conhecer de verdade e aos meus anseios. E, no resumo, talvez não entendesse o valor das minhas tentativas, e me encaminhasse diretamente para um canto de oração de joelhos, por dias a fio, a fim de redimir a minha alma. Então não fui.

Não achei que seria tão fácil para mim, nem para ele. Deixei acumular e agora não via ali como começar.

Fui embora um pouco frustrada. Me confesso em textos diariamente, os publico semanalmente, mas não consegui fazê-lo objetivamente em cinco minutos naquele lugar sagrado e místico, cheio de energia.

Vai saber…

A confissão é algo tão profundamente pessoal que o seu momento deve ser escolhido pela alma. A minha escolheu a escrita àquela salinha pequena, iluminada e de face quadriculada. Escolheu a minha amiga irmã e seus ouvidos de descendência italiana. A minha mãe, com seus olhos atentos e acolhedores. A minha amiga e parceira de trabalho nas novas famílias…

E neles, nelas e na minha escrita, me reconheço, reescrevo minhas histórias e recomeço. Assim como fazem os fiéis daquela igreja.

Há de ter o seu misticismo e o seu valor.

Onde você se confessa?

Comentários

  • Magna 30 de outubro de 2019

    Eu fiquei apaixonada pelo seu texto. Talvez por me reconhecer nele, mas principalmente pela forma de descrever o seu momento, sua percepção do movimento e dos detalhes do lugar; consegui visualizar, tal e qual acontece em um livro com uma boa história. ♥

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