Vendo o Rei Leão, olhei para o lado, emocionada, após me deparar com o Simba bebê, naquela repaginada modernosa e cheia de realidade, a fim de ver como estava o meu povo na sala. Então me dei conta do toque dos pés da minha filha mais velha, de tamanho trinta e cinco. Era uma moça ali do lado, que igual a mim, se emocionava pela história de um bebê que chorava a morte do pai.

À parte aos ensinamentos belíssimos do filme, sobre pai e filho, sobre família, ali eu podia ver a minha menina grande, dona de uma personalidade peculiar, forte e sensível, se esparramar ao sofá, autônoma e inteira. Sem a necessidade de estar sobre mim ou demandando da minha atenção.

Ao fechar a porta do meu quarto para dormir, me dei conta de que o meu filho do meio já pegava no sono sozinho, autônomo, sem me procurar no quarto reclamando por não conseguir dormir. Ele não resiste mais aos seus momentos a sós. Apenas vai dormir. Não precisa mais chamar a minha presença ou reclamar de medo do escuro ou dos barulhos da chuva.

A bebê Antonella, há uma semana dorme a noite toda. Me chama às 6:30 pedindo pela “dedê”, como ela chama a mamadeira, para logo voltar ao sono profundo até as 9:00. Não necessita de mim para entregar de volta a mamadeira ou fazê-la dormir de novo.

Não foi vazio que me deu, nem tristeza a partir dessas constatações. Apenas a consciência da força do tempo, que arrebata. Que invade, que comanda tudo. Que decide quando muda a minha maternidade, a minha importância, a minha função mais nobre na vida. A de conduzir aquilo que ali, na minha frente, eles faziam sozinhos, ao seu modo.

Então, nesse caminho feito de dias nos quais eles vão crescendo, compreendendo as coisas da vida e da nossa família diferente à sua forma, peculiar e própria, exigindo de mim o manuseio do que não é meu mesmo vindo de mim, chegamos à véspera do aniversário do meu Joaquim, meu filho do meio.

Meu, meu, meu. Não por posse ou controle. Meu filho, meu amor, parte da minha história. Minha certeza, minha evolução diária, universidade do meu afeto. Uma delas. E por isso meu. E este meu pedaço, “companheirinho” de jornada, completaria no dia seguinte os seus nove anos de idade. Enquanto eu vivo a me dar conta da autonomia dele, deles, e da necessidade de seguir construindo o meu caminho enquanto os acompanho.

Nessa noite de “pré-aniversário”, como ele mesmo nomeou a véspera do seu grande dia, fui fazer a nossa bebê dormir e, ao voltar, fui surpreendida por ele adormecido no sofá. Coisa rara, já que ele costuma me esperar voltar do quarto ansioso pelo nosso tempinho juntos. É assim que é ter muitos filhos e o mesmo tempo que os que tem poucos ou não tem.

Mas enfim, ele estava apagado.

O chamei, o cheirei, e de repente me dei conta do presente que eu estava recebendo ali, da minha história aqui neste mundo.

Quem sabe eu não o merecia por ter trazido ele a vida?

Pois fui presenteada com a ideia de carregá-lo até a cama. Como fiz tantas vezes desde que ele nasceu. Nos meus braços, enroladinho, meu. Vulnerável, exausto, desmaiado. Mas abraçado em mim, com os seus 30 quilos na minha base pequena de 50.

Subi as escadas com o meu pequeno e valioso tesouro que eram aqueles dois minutos até a cama dele com ele. Aproveitando o cheiro, o toque, o dengo de um menino desacordado. Um momento não meu e dele, mas meu com ele. E ali, fui presenteada pelos nove anos do meu garoto.

Eles cresceram. Crescem a cada dia que passa, mais rápido do que eu posso acompanhar. Então me alimento dos “presentinhos” que só o presente pode dar. Aquele da mãe que divide os filhos com o pai, em guarda compartilhada, mas principalmente, que os divide com o mundo e com o tempo. Ambos, fora do controle. Além dos calendários do compartilhamento, dos ajustes de agenda ou do tamanho do sofá e dos sapatos deles.

O tempo neles aparece de repente. Fora daquela operação pesada e gostosa do dia a dia, entre fraldas, temas e buscas pela caneleira da aula de futebol ou do bilhete para autorização do passeio do colégio. A gente se dá conta sem querer, no sofá. Ao entrar no quarto e ver a filha na penteadeira se maquinado com seus itens da “MAC”, linda e consciente dos seus contornos. Com autonomia nas suas atividades diárias, esvaziando de repente a nossa rotina parental, de mãe. Com o toque de um pé grande, uma fala madura no banco de trás do carro, uma escolha por algo lá fora, que não a gente. Que não os pais. Então vemos que cresceram e que, de repente, escorrerão das nossas mãos protetoras de mãe, de pai, de pai afetivo…

Melhor aproveitar cada minuto. E encher o tempo da gente com a gente mesmo. Talvez assim fiquemos mais preparados para vê-los fazerem as suas escolhas, chorarem pelas suas dores ou usarem os nossos sapatos.

Talvez…

Mas cheios de memórias, de presentes, de histórias, e da gente. De nós mesmos. O único pássaro que controlamos, pelo qual escolhemos, para o qual construímos caminho, felicidade, e que fica neste ninho nosso, conosco.  Um dia esvaziado, mas nunca vazio.

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