Essa foi a Regina Casé em uma entrevista sobre seu novo trabalho na TV, “Amor de Mãe”.
Me emocionei na hora. Com o fato de, de repente, aquela fala parecer se tratar de pessoas que não são de carne e osso, mas de papel, ou de fotografia digital, para ser mais moderna e honesta.
Talvez se chorarmos juntos, sentirmos juntos, vivermos alegria e dor juntos, talvez aí consigamos trocar e nos tocar, eu complementaria.
Impactante isso não é?
Pensar que chegamos em um nível de proteção das nossas emoções, de vergonha da imperfeição, da falta de lido ou da fragilidade que nos abate frente ao desconhecido, ou mesmo o medo da “quebradeira “ aparente que a entrega nas coisas pressupõe, que nos tornamos inacessíveis de verdade uns aos outros!? Inclusive nas nossas relações mais genuínas?
Será que não é disso que se trata a nossa incapacidade de tolerar a profundidade das relações afetivas e mesmo a afetividade que temos com os nossos sonhos e projetos profissionais? Ao ponto de fingirmos não sentir dor ou medo? Acreditando que, ou a vida é maravilhosa, um algodão bem doce, ou algo ruim, amargo e sem remédio?
O amortecimento que estamos usando como escudo há tempos, está nos tirando a capacidade de viver. E quando falo em vida, falo da vivida e sentida de verdade, não dessa que projetamos por aí.
Li neste final de semana uma coluna na Zero Hora que falava da intolerância das crianças a dor e a frustração. Crianças estão se tornando potenciais suicidas por falta de lido com o que não é maravilhosamente perfeito, ou que apresentam engrenagens que não funcionam.
Imaginem que se mecanicamente tudo precisa de ajustes durante a sua vida útil, sejam roupas, moradia, eletrodomésticos, e até a nossa letra ou capacidade de leitura e compreensão, não poderia ser diferente na vida “orgânica” da gente. Essa que acontece hoje diferente de ontem, por conta de tantas variáveis.
Movimentos são ajustados a todo o tempo na busca de fazer melhor o que estamos realizando exatamente agora. Um tom de voz, um jeito de falar, uma forma de fazer valer a nossa opinião, uma orientação educacional aos filhos, o jeito de amar o amor romântico, de lidar com o que mudamos na vida…
São tantas coisas para olhar de novo, para errar, tentar mais uma vez, e quem sabe acertar, que não dá para imaginar que sem querer pais constroem mundos perfeitos e sem problemas para os filhos, achando que assim os protegerão do sofrimento e do perigo. Não dá porque é imediatista, perigoso e mentiroso.
Pois ali na frente, face a eles, não existe ferramental construído para lidar com o difícil. Com o que exige um passo atrás, um pensar, um manejo, uma transformação. Cria-se o bem e o mal no mundo de quem mais amamos, quando nada tem tudo de ruim ou tudo de bom. As pobres crianças sentem-se engolidas pelo mundo mal lá de fora, que cá entre nós, não é tão mal assim e tem um monte de coisa boa, dando um bom caldo se formos abertos e generosos com a gente mesmo e com os outros.
Só que quem acha que tudo é doce e macio, que nunca usou seus dentes para roer um osso duro ou uma rapadura, não conhece as vantagens do exercício emocional exigente e da fortaleza que se constrói a partir do que é imperfeito. Do que pede ajuste, mudança e repensar. E essa é uma oportunidade grandiosa, não um motivo para desistir de viver.
Olhem que importante o nosso papel na parentalidade.
Proponho não trazermos isso como um ponto de culpa do que fizemos até aqui, mas de potencial melhoria. O que há de errado em sentir dor? Crianças as sentem e choram. Cada um a seu modo, até que ela passe. E quando passa, já era. Ficou para trás.
Não faz mais sentido assim?
Uma mudança no seio familiar, que construa um ambiente melhor, não deve ser vivido na sua dor para que possa ser compreendida, para simplesmente passar? E o lido com o que não é perfeito em si, através do enfrentamento, não possibilita a mudança, o acolhimento, e até a aceitação generosa de si como se é, para assim também permitir que a dor exista e depois passe? Ser mais um desafio, e tudo certo?
Me permiti sentir mais dor após a minha vivência do divórcio e todos os seus efeitos colaterais. Estes que vivi na presença dos meus filhos, muitas vezes, me dando a escolha, ali, de encenar ou, francamente, me sentir “impactada pela dor” de verdade, na presença deles. E nesse caminho fiz das duas coisas. Os protegi onde achei que era o caso, expus quando entendi que estava ali uma oportunidade de aprendizado para eles sobre a vida.
Tenho filhos intensos como eu, que vivem momentos maravilhosos, em letras garrafais, mas que pela sensibilidade, peculiar a eles, também sentem dolorosamente os momentos de dor e de exigência. Percebem os detalhes do que é feliz e do que não vai bem. E no tempo, permiti que enxergassem com clareza tudo isso no mesmo mundo. No qual convivem alegrias e tristezas, morte e vida, sucessos e fracassos, e que está tudo certo, pois este é o mundo de todos eles. Não só do que é bom.
E o nosso ponto de acesso? A emoção. Os sentimentos mais genuínos do ser humano.
A dor, o choro, o medo, a alegria, a esperança. Coisas que nos permitem, na correria do dia a dia, nos tocarmos com verdade. Além do “tudo ótimo” como resposta ao “tudo bem com você?”. Ou reações sensíveis a cenas de filmes ou propagandas que nos emocionem, ou que nos mostrem e ensinem um caminho sobre o olhar do outro, como, por exemplo, o comercial do “Vale Night” para os pais, da Del Vale.
Meus filhos assistiram sobre pais sendo felizes deixando filhos com a babá para sair, assim como outras vezes escolhem ficar. Cenas que permitem a eles, como seres humanos, tirarem o olhar do seu umbigo e perderem a ilusão equivocada e perigosa de que são tudo na vida do outro.
E entenderem que são parte, não melhores nem piores do que ninguém. Que dor dói e faz chorar, que coisas saem bem e às vezes mal, e que está tudo certo. Tornando assim o mundo mais real, humano e bacana, ou enfim, um lugar massa de se viver, trocar e tocar. Que nos dê desejo e prazer em ficar. E no qual o frágil, o que se entrega, o que aproxima, seja mais forte do que o que aparenta. Aparentemente viver só o sucesso, a beleza e a perfeição.
Tudo o que não existe e é chato por ser falso. Mas que está matando a gente por dentro, e depois lá fora. Matando jovens, matando vontade, matando vida por acharem que vida é só isso.
Temos uma missão como pais. E ela está mais para desconstruir do que para construir. Mais para flexibilizar do que para endurecer. Mais para tocar e fazer chorar, como forma de mostrar o caminho da real conexão e felicidade, do que para pedir caras alegres para fotos.
E não é mole. Mas talvez seja mais doce do que imaginamos.
A esperança é. Ela e a fé. E ambas não exigem mundos perfeitos, só mundos. E vontade de viver:)
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