Se vitimar não é se vulnerabilizar.
Se colocar vulnerável é bacana e necessário. É se acolher e as suas imperfeições, para assim compreender onde é possível fazer os movimentos de melhoria. Vulnerabilizar-se é pedir ajuda, é reconhecer o que não vai bem em si e no seu contexto. É corajoso, porque enfrenta o difícil, o defeito, o frágil. E isso é muito, mas muito legal.
Vitimar-se não. É arrogante. É proteger-se das suas próprias imperfeições, e mesmo as da vida, e colocar a culpa em alguém ou alguma coisa do que não acontece como se deseja ou idealiza. Até Deus leva a culpa nesse contexto. Ser vítima não pressupõe ação de mudança, alternativa ou auto salvamento. Ser vítima é ser agressor de si mesmo. É ser cúmplice da própria tragédia e assisti-la sem fazer nada.
Pois bem, a vida não é fácil, e isso é um fato. Os problemas mudam de pessoa para pessoa, de casa para casa, mas todos os tem e sofrem com eles. Outro dia o apresentador Gugu Liberato morreu, deixando mulher e filhos órfãos da sua presença e afeto. E sua riqueza não o protegeu de cair de uma altura razoável em um acidente doméstico e faltar para os que ama. Porque afinal, a dor, a morte, o fracasso e as dificuldades afetivas e emocionais das pessoas são democráticas, acontecem para todos. Dos mais abonados aos menos privilegiados.
E nisso tudo, cabem os divorciados… Assunto nosso aqui. O divórcio é um processo que não é fácil para ninguém. Para absolutamente ninguém. Os fins de histórias de amor, e que são também planos de vida, ocorrem de várias formas, e cada um acha a sua mais importante e mais dolorida, como forma de justificar o pesadelo no qual se está vivendo e a dificuldade de lidar com ele.
Tenho escutado eventualmente, por conta do projeto New Families, que a minha experiência de construção bonita foi mais fácil, ou exceção, incomum. E me senti no dever de colocar que ter essa posição sobre a história do outro é vitimar-se. Me coloca em uma posição de vantagem que eu nunca tive, como forma de justificar a sua falta de ação, de movimento, de saúde, de criação de alternativas, de reconstrução. E isso não é uma crítica a quem olha as minhas fotos e julga o meu caminho como mais fácil. Isso é um fato, um comportamento que pode ser olhado com carinho e mais calma.
Quem me conhece e a minha história sabe pelo que passei. Sabe o que perdi, o que a vida me exigiu, do que precisei abrir mão e o que me demandou transformação, abaixo de tempestades difíceis, relações hostis e solidão. Um caminho de renascer que foi tão profundo e tão doído, em tantas searas, que precisei dar vazão aos destroços e transformá-los em relatos, em escritas. E se hoje reconstruí, foi por ter me vulnerabilizado frente a batalha imposta pela minha escolha de recomeço, e não me vitimado. Foi por ter me permitido experimentar, buscar o melhor possível, além da família que eu tinha, que eu fiz, a várias mãos, uma nova. Foi com fé de que eu caminhava para algo com mais verdade e afeto, que contagiei os meus filhos neste caminho. E que me apaixonei e apaixonei.
E não há nada de fácil nessa jornada, nem de muita sorte. Ela é feita de escolhas, de enfrentamento, de pedidos de ajuda, de lido com a dor, mas de fé na ideia do bem. Que era o único caminho que eu tinha, já que viver mais ou menos não era a minha praia. E na busca da verdade, do amor intenso e do orgulho pela minha própria vida e escolhas, que me levassem de verdade em consideração, fui para a arena, e lutei com leões, principalmente os que viviam em mim. Que me assustavam, me fazendo me sentir menos merecedora ou lutando uma batalha perdida.
Sabem de uma coisa? Ouvi a vida inteira que eu tenho boa genética, e por isso eu sou magra, o que sinceramente, tira o mérito do meu trabalho árduo no cuidado com e minha alimentação e corpo. E digo isso, pois assim como teria tudo para ser gorda, teria tudo para dizer que outros têm uma vida mais feliz ou mais fácil que a minha. Só que preferi ser vulnerável e ter fé em mim e nas minhas possibilidades.
Para 2020, te desejo a coragem de ser vulnerável. De ter fé no bem, no recomeço. Nas pessoas. De reconhecer que o caminho feito pelos outros é legítimo, de trabalho, e possível. E que a felicidade é acessível a todos, sem exceção. Basta querer, ser generoso consigo e com o outro, ser humano e vulnerável.
Pois todos precisamos de conexões, companhias e de ajuda…
Felicidades em 2020… Ela está aí, disponível a quem a quiser:)
Comentários
Cada um sabe a “dor e a delícia de ser o que é”…
Já escutei que tive “sorte profissionalmente” (não, não, não, paguei a faculdade sozinha, junto com a água, luz e comida na casa dos meus pais (e não estou reclamando de nada e nem dizendo que foi muuuito difícil, tenho noção que existe vidas muuuuito mais difííííceis) levei 9 anos para me formar, levanto cedo, trabalho, estudo, me atualizo, estudo mais um pouco, me especializo, e nem tô falando que tudo tem que ser um sacrifício (estou, inclusive, trabalhando está quebra de paradigma, tudo pode vir à mim com abundância) mas também não foi sorte, foi trabaaaalho, foi colher, para plantar.
Tenho doença celíaca (alergia ao glúten), diagnostiquei com 2 anos de idade (muito antes de ser a dieta da moda), faço a dieta que é o único tratamento há 38 anos e escuto…por isso tu é sempre magrinha, desmerecendo meu cuidado restante com alimentação e corpo….
Assim como estes dias escutei uma conhecida/que cheguei pensar que poderia ser uma amiga… “te coloca no meu lugar namorei um crápula, só que eu também, após divórcio, namorei um crápula…agora vamos competir quem namorou o pior….oi????…seres humanos…pessoas…relações…Senhor…temos muito que aprender, os outros que façam seus julgamentos, mas eu me obrigo a ser uma pessoa melhor todos os dias!!!!
Quem lê teus textos e não “sente a tua dor, a culpa que tu carrega por escolher ser feliz e o quanto escrever te salva” (como tu mesma diz, não exatamente com essas palavras), não conhece nada de dores da alma, de se colocar no lugar do outro e por isso diz “que tua experiência foi bonita ou mais fácil, que a dos outros”…
Eu qd leio teus textos me sinto traduzida, abraçada, sinto que são escritos por alguém que quer diminuir a dor dos outros, mostrando pelo que já passou, se abrindo por inteiro para ajudar, ajuda que não recebeu ou que recebeu de onde menos esperava…poderia passar o dia escrevendo!!!
Que a gente não compare nada e ninguém, vibre pela felicidade alheia e que deseje, do funfo do coração, que ninguém precise passar por sofrimento nenhum para se tornar um ser humano melhor!
bjão
Querida… que jeito lindo de falar deste diário aberto que chamo de New Families. Obrigada mil vezes pelo teu carinho e acolhida. Escrevo porque quem já sentiu o que eu sinto, e já passou pelo que eu passei e passo na construção diária dessa nova vida, que é tão mais consciente dos abismos humanos após um divórcio, sabe o que quero dizer. Conhece o esforço que fazemos neste caminho. Reconhece as vitórias. Enfim, se reconhece. E é para essas pessoas que escrevo, além de mim. Que gratidão por saber que te toco desta forma, que me vês. Tenhas certeza que é nestes momentos, realmente empáticos, que nos sentimos acompanhados na vida, junto a alma:)
Beijos minha querida! És um lindo ser humano!
Eu que tenho que te agradecer por este projeto lindo!