A ciência das emoções e do processo de coaching vem tratando com nomes próprios os sentimentos humanos da gente. Com perspicácia, foram criando termos que dão base, pontos de partida, aos caminhos que pessoalmente precisamos percorrer para melhorias necessárias no nosso lido com dificuldades desse mundo, no qual chegamos de algum lugar, assistimos a coisas, participamos de outras, não participamos, e nesse balé, nos dirigimos a algo incerto e não sabido. Afinal, garantias não há.

“Senso comum”, “crenças limitantes” e “ ofensores”, são alguns deles…

Só que aqui, na condição de gente comum, isenta de formações como psicologia ou coaching, me sinto mais confortável no terreno do sentir. Do permitir que vivências me toquem e me transformem pelo sentido que elas dão à minha vida, exatamente como você faz aí, da sua cadeira.

Acredito que somos feitos, em parte, de onde viemos. De quem e daquele ambiente. Outra parte é feira do que assistimos da vida e faz sentido para a gente, e que elencamos como norte dos nossos valores e escolhas. E uma outra parte, perigosa, que é feita do que ouvimos como verdades dos que amamos e admiramos.

Nos constituímos de um pouco de tudo isso, e por conta dessa crença, penso a todo o tempo sobre o efeito do que eu falo para os meus, e do que eu escuto e que se constrói em mim.

Independentemente dos nomes que receberam, existem fatos, dos quais, às vezes somos vítimas, e em outras, autores, que causam efeitos na vida da gente e dos que amamos. Dos que nos admiram, nos seguem na vida, nos tem como referência de alguma coisa, seja pelo que somos em suas existências, seja pelo que realizamos de bom ou de ruim no mundo.

Ocorre que, o que falamos soam como verdades profundas em seus ouvidos. Como profecias do que serão ou farão em suas histórias. Como que desenhando seus trajetos, os fazendo acreditar que aquele é o seu caminho provável ou a sua única alternativa de ser e viver.

Posso lembrar de fatos da minha infância…

Uma vez ouvi uma tia dizer para a minha mãe que eu era tão magrinha, tão magrinha, que ela deveria investigar se eu não teria uma doença ainda encoberta. Ouvi por acaso, devia ter uns oito anos, e aquela possibilidade me amedrontou por muito tempo adiante. Enquanto criança e adolescente, pensava ter uma doença grave que me levaria para longe da minha família, ou à morte. Vivi este pesadelo, este medo em mim. Ao crescer, me dei conta de que esse comentário despretensioso dela construíra na minha essência uma parte insegura sobre o futuro e sobre mim mesma, ao tempo em que me tornei uma enfrentadora da possibilidade da doença e da morte.

Até hoje me sinto diferente em relação a elas, doença e morte. Do tipo resiliente, pronta para a má notícia, para a qual me preparei uma vida. Mas também mascarando um medo antigo delas, dessas batalhas. Olha o efeito daquele comentário, daquela parente, que eu adorava tanto, e adoro…

Meu pai costumava ser muito exigente em tudo comigo e com as minhas irmãs. Ele é até hoje. Só que na época éramos meninas, e ele era dono de comentários sempre diretos, fortes, às vezes decepcionados e que muitas vezes nos definiam, quando as coisas não corriam como em sua idealização quanto a vida de cada uma de nós. Um pai típico, tentando tirar da gente o melhor.

Lembro de frases como, “a única coisa que eu desejei era ver uma de vocês esportista, e nenhuma deu em nada!” Fiz natação, vôlei, ginástica olímpica, rítmica, dança moderna… Tudo com muito incentivo dele. Mas não éramos profissionais em nada, nem eu, nem as meninas, então aquela frustração aparente dele era como uma sacola de tijolos nas costas. Tijolos do fracasso quanto aos sonhos do pai pra mim. Enfim, um pai na vida de uma menina tem um peso imenso…

Certa vez voltei do vestibular da PUCRS contando pontos da prova, e naquele dia fui desclassificada em matemática. Ele ficou tão claramente chateado com o meu desempenho, que fui chorar meu fracasso na piscina, sem considerar que eu havia gabaritado provas como a de história e inglês. Ou considerando que matemática realmente não era a minha praia.

Não chorei debaixo d’água por mim, mas por ele. Lembro-me da sensação até hoje.

Mas escutamos todos por aí outras afirmações cruéis e limitadoras.

“Estudando em escola pública, não terão as mesmas condições de competir para boas vagas no mercado de trabalho!”

“ Homem não gosta de mulher gorda!”

“ Não diz na entrevista de emprego que queres ser mãe, ou não te contratarão!”

“ As loiras chamam mais atenção.”

“ Vida de artista não da dinheiro! Educação física também não!“

“ O divórcio é a destruição da família.”

“ Filhos de pais divorciados são problemáticos.”

“ Mulher separada e com filhos, ninguém vai querer…”

O que alguns técnicos chamariam de crenças limitantes, de senso comum, eu chamo simplesmente de irresponsabilidade, inverdade e desamor.

Simplesmente porque é irresponsável dizer a alguém algo que não é verdade para tudo e para todos. Que pressupõe que somos todos bois em fila, e que o caminho de um será igual ao do outro. Independentemente de seus talentos próprios, dedicação e fé. Desconsiderando a energia e o amor pelo que sonhamos e fazemos, seguindo apenas uma marcha. Nos fazendo acreditar que estamos fadados a não realizar porque alguns não o fizeram. E isso não esta certo. Mas mais além, cria inverdades dentro das pessoas como um câncer matador de sonhos. Aniquilador da autoestima, do livre arbítrio e da confiança na construção daquela felicidade que é de cada um, que está dentro, e que só dali pode transcender.

Outro dia meu filho do meio chegou da colônia de ferias e, corajosamente, contou sobre a sua vulnerabilidade em meio a tantas crianças as quais não conhecia, o que o levou a passar a tarde toda apenas com dois meninos conhecidos da escola, por se sentir ainda desconfortável. Assumindo sua falta de ousadia e coragem de se misturar. Adoro quando ele assume sua condição tímida para nós, como um pedido de dica, de ajuda, de apoio, e ao mesmo tempo, se acolhendo, se conhecendo.

Pois então, lindo, não? Mas a primeira reação geral da casa foi de deboche. Comentários e risadas questionando o porquê de um menino lindo como ele ter uma dificuldade boba dessas. Logo naquele ambiente no qual se tratam todos de crianças no mesmo barco. E a palavra “covarde” foi ao ar.

Naquela hora eu congelei.

Viajei aos tempos lá de trás, e ás tantas situações vividas ainda hoje, nas quais muitas vezes sou rotulada ou definida por uma palavra que pode me desencorajar. Por um jeito meu ou um ato isolado. Por uma decisão de vida até… E na hora me perguntei porque a gente se sente no poder de proferir palavras que julgam a quem amamos, às condicionando a serem assim ou assado?

Afinal, um tímido não é covarde, as morenas tão lindas quanto as loiras, bem sucedidos são os profissionais dedicados e talentosos em qualquer área, filhos de pais separados não são problemáticos, mas vivem uma verdade. E mulher divorciada, com filhos, tem quem queira, sim. Assim como posso ser boa na área das humanas e não nas exatas, na maldita matemática que hoje eu nem odeio tanto assim.

Então o chamei e disse, olhando nos seus pequenos olhos azuis, que timidez é apenas um “jeitinho de ser” dele. E que ele pode lidar com ela, conviver com ela, sem que a mesma o deprecie. Que está tudo bem fazer a sua historia, na colônia de ferias ou na vida, no seu tempo, do seu jeito, e que quanto mais esta questão ser respeitada por ele, melhor ele se sentirá a respeito de si mesmo, das situações e das pessoas. Mais se reconhecerá e acolherá, para assim mudar o que realmente lhe incomodar.

Além disso, amo a sua timidez, e também disse isso a ele.

Sei que vou errar com os amores da minha vida. Vou proferir percepções além do meu direito, da minha conta, e feri-los mais fundo do que eu gostaria. Mas levando em consideração que tudo pode, que nessa vida não existem verdades e sim histórias, e que cada um constrói a sua com o sucesso que reconhece e que lhe é valor, vou andar atenta, e desfazer nós quando necessário for. Incansavelmente. Até não fazer mais, ou fazer menos. A fim de não afetar suas vidas de forma tão marcante e nociva.

Porque os amo, e os quero eles mesmos, livres e à vontade com suas escolhas, suas falhas e suas vitórias. E para isso, só atenta. Só desfazendo rapidamente o que às vezes foge da boca, gera um olhar ou uma ação retalhadora. Ajudando-os assim, a bordarem a si próprios, desatando nós que os aprisionem.

Melhor antes que fiquem cegos e criem garras. Dessas que os impedem de voar livres e donos de si próprios. Estas são condição vital para a felicidade. A felicidade que tanto quis para mim, e que desejo em dobro para eles:)

Comentários

  • Carolina Job 23 de janeiro de 2020

    Bárbaro!
    Real!!!
    Todo mundo precisava ler este texto, para “não fazer mais ou fazer menos”, para não afetarmos a vida daqueles que tanto amamos e não sermos afetados por eles!

    Meu pai é meu melhor amigo, motivo de orgulho, cheio de bons exemplos, mas também um homem de gênio difícil, muito culto, austero (nunca nos deu uma palmada, mas com palavras já fez cada estrago que nem imagina, apesar de nunca ter querido isso, tenho certeza)!
    Crescemos ouvindo frases como: Não sejas burra, é difícil ser inteligente, palhaças, não faz igual a tua cara, etc…e eu, particularmente, a”mandona, que queria colocar as freiras do meu colégio de castigo”, referindo-se a minha liderança, ao meu jeito de me posicionar, o qual me trouxe onde estou profissionalmente e me orgulho demais!
    Sem falar quando começamos as “discussões que médico e cientista são profissões para homens e mais nobres que as outras”…eu ainda sou advogada (estou “nas outras nobres”), mas minhas irmãs, ambas professoras (na minha visão essa sim a mais nobre profissão de todas, mas na minha).
    Vejo meu filho dizer “não sejas burro”, pq escuta o vô dizer isso todo tempo (eles ficam muito com ele para mim) e tento explicar, filho, embora o Vô diga isso o tempo todo, isso não é legal, isso magoa, isso ofende…
    Todo mundo fica dizendo que meu filho é muito agitado e ele é, que maravilha, tem saúde…
    Que eu consiga dar meu melhor sempre, educar diariamente, tarefa bem difícil, sem deixar essas marcas nele ou que eu perceba à tempo, de dizer que está tudo bem, que cada um tem um jeito! Vou pedir para as minhas irmãs lerem este texto! Obrigada!!! Maravilhoso!!! Viajei no tempo! Quanta reflexão!!!

    • Juliana Silveira 23 de janeiro de 2020

      Querida! Me arrepiei lendo o teu comentário… Quem nunca ouviu coisas assim e não vive hoje com essas marcas, feridas… Palavras do pai, da mãe, daquela melhor amiga ou familiar que a gente adora e admira. Nos vemos repetindo agressões que ouvimos crianças e normalizamos na gente, mesmo sendo agressões. Como é importante refletirmos sobre elas, sobre esta violência! Isso nos ajuda a sermos melhores com os filhos e com os que amamos, e ao mesmo tempo, aprendermos a ponderar sobre o que entra nos nossos ouvidos ou os nossos olhos veem. Verdades são aquelas que são reais para a gente. O que não é real frente ao nosso valor, à nossa realidade, aos nossos talentos e à nossa fé, pode até ser verdade para outro, mas não será para nós.
      Sorte querida! Atenção sempre! Tenho fé que podemos mudar o nosso próprio mundo, este dos que amamos, dos que estão à nossa volta… e se isso nos fizer olhar diferente, com mais respeito, amor e vida, o mundo naturalmente já ficará mais lindo aos nossos olhos e assim, aos deles:)
      Beijos no coração <3

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