A vida que tem graça é contada. Tem personagens marcantes, autênticos, intensos, de verdade. Surpreendem por trazerem à tona as suas verdades, mesmo que corem o rosto seu, ou do outro. Constroem na história do vizinho um capítulo, uma memória, um instante a ser lembrado, revisitado. Vivem na vida alheia. Naqueles momentos sabe? Quando a gente está em um lugar e lembra da cena, daquela pessoa que viu só uma vez mas que conseguiu bordar uma memória na gente?
Quando é gostosa então… não tem preço. Fica lá conosco, o resto da vida, sendo contada lá e cá. Nas nossas rodas… Porque contam a história da vida da gente com a gente, a várias mãos. Escrevem junto, são parte. E talvez por isso o universo se fez de muitos. Porque não se fazem histórias felizes, alegres, ou de amor, a sós. Se faz com conhecidos e com desconhecidos. Pois afinal, só o que envolve a emoção, fica.
Dito isso, quero falar nessa crônica da experiência que vivi no último final de semana, quando eu e o meu marido “fugimos” dos nossos filhos para dois dias juntinhos, de namoro, na serra gaúcha.
Quem não precisa de um intervalinho? Assumir dói menos e da o maior prazer.
Voltamos para um lugar que frequentamos desde que nos conhecemos, e quando digo frequentamos, é porque se tratam de sete finais de semana em pouco menos de cinco anos.
Todos nos conhecem por lá. Fomos recebidos na portaria pelo mesmo carregador de malas, e dali para frente, mesmo recepcionista, metre, garçom do restaurante, massagista da piscina. Sim, o desenho do paraíso quando não se viveu juntos, neste grupo de estranhos conhecidos, más experiências.
Nos perguntaram da nossa bebê, lembraram das nossas últimas estadias, da minha gravidez, riram da nossa “escapadinha”, memorizaram os nossos gostos. Coisas que tornam alguns lugares “nossos lugares no mundo”. E logo na entrada fomos assustados pelo grito eufórico do recepcionista de todas as nossas estadas, quando nos viu entrar. Afetivo como se reencontrasse amigos ali. Com direito a abraço e papos de família.
E nessa atmosfera curtimos o início dos nossos dois dias no paraíso dos pais com filhos, sem filhos. Entendeu?
Se tem filhos aí, pega o teu gatão ou uma boa companhia e foge só com ela por dois dias sem crianças, que fará parte desse grupo do qual faço parte algumas vezes: “País com filhos, sem filhos:)
Eis que, após um dia de piscina, sol e alguns drinks, banho e relax de roupão, resolvemos nos deliciar com um petisco no térreo do hotel, antes do jantar. A verdade é que queríamos também espiar um casamento lindo, que iria acontecer a alguns minutos daquela ideia incrível que tive e para a qual tive o apoio do meu marido. E por isso descemos correndo para o saguão.
Ao entrarmos no elevador, vimos correr dois casais até nós, trajados para o casório, buscando afoitos por espaço. E aqui vou tentar explicar a peculiaridade o fato ocorrido.
Uma senhora vestida a caráter estava chateada por ter esquecido de trazer um colar que complementasse seu look, e por isso se comportava de forma ansiosa, para não dizer desesperada.
Parênteses: aqui o meu esposo devia só pensar no pobre marido que teria a sua noite estragada por conta de um pescoço vazio, a um passo de sentir-se mal amado e só. Um pescoço sem colar. Sabemos como somos nós mulheres e como nos sentimos diminuídas por detalhes ou a falta deles. Eu, no mesmo movimento sentia por ela, pela frustração em ter que entrar naquele lindo evento com “menos do que merecia”, planejara e esquecera. Isso já era muito duro para ela. E não se sentir bonita em uma noite de casamento acaba com a nossa autoestima, eu sei. Também já vivi essa cena.
Foi então que ofereci um colar meu. Disse que tinha uma caixa deles no quarto, mas com a consciência de que eu estava usando exatamente o que ela precisava. Algo que caísse bem nela, no seu colo. E ele estava em mim, aliás, desde o dia no qual ganhei. Minha corrente era aquela que recebi de uma querida design de joias de Porto Alegre, e que traz nela o coração, que representa o Leandro, meu amor, e os meus três pequenos, Joana, Joaquim e Antonella, meus maiores projetos afetivos desde mundo de possibilidades.
Não pensei duas vezes … o ofereci. No mesmo movimento o retirei do meu pescoço e coloque no dela, fazendo os ajustes necessários.
O marido dela estava congelado, acho que de vergonha. O outro casal, empalhado, assistindo a cena inusitada com curiosidade. Meu marido tentava fazer-nos pensar juntas em outras possibilidades da minha caixa, buscando incansavelmente salvar a nossa família toda daquele passeio a um casamento de desconhecidos. E eu e a senhora, ora, ora… Estávamos com o acordo fechado. Ela, linda de colar, eu, feliz em poder ajudar, e a promessa de que no café da manhã do dia seguinte ele estaria de volta no meu pescoço.
Algo como a história da Cinderela, onde a senhora era a princesa do vestido azul, e eu a fada tão bacana que dei a joia para uso dela até a manhã do outro dia, o que faria a fada da Cinderela se debater de raiva ou se envergonhar por estabelecer a meia noite como fim de tudo. Vai saber desse mundo de conto de fadas…
Ouvi piadas do meu marido a noite toda, que partiram da preocupação dele em me ver oferecer algo de valor tão peculiar, já que a peça representava a minha família, ofertada a uma mulher estranha. Uma preocupação legítima considerando o mundo no qual vivemos, mas que não foi relevante para mim, de nenhum jeito.
Senti que a sua surpresa tinha a ver com eu ter disponibilizado a uma desconhecida algo de valor nosso. Que representa eles em mim. Como uma aliança.
E nesse ponto achei bonito trazer o fato, daquele tipo que faz todas essas vivências fazerem sentido.
Desde que me divorciei, aprendi a compartilhar. Mas pensa no significado mais profundo desse termo. Precisei compartilhar meus pertences juntados em uma vida adulta inteira. Presentes afetuosos de pessoas que amo e nem estão mais conosco. Compartilhei dinheiro do meu trabalho suado, álbuns, louças, CD/DVD e livros. Compartilhei os meus filhos. Os emprestei para o pai quando só os tinha na vida, e precisei pacientemente aprender a viver no tempo em que os esperava. E nesses movimentos construí para os meus amores lugar mais que especial em mim. Dentro. Na minha alma, na minha mente, no meu coração e nas minhas memórias.
E assim, desde então, um lindo colar, é só um lindo colar. Não mais importante que abraçar pessoas, mesmo as que eu nem conheço, e com quem tive um minuto e trinta segundos de um papo de elevador que nos conectou. Eu à história dela, àquele dia especial. Ela em mim, como dona do meu colar por pouco mais de doze horas, como guarda dos meus amores.
É também como me sinto sobre as crônicas íntimas que compartilho aqui, com quem eu não conheço, mas que ao mesmo tempo eu conheço tanto.
Bem, meu marido disse que nem em um milhão de pessoas ele veria alguém fazer isso, e foi dormir assim, perplexo, por me ver ter tal atitude, tão ingênua e desprendida, sob o seu olhar, o que eu chamaria de peculiar, da Juliana.
Acordamos e como por mágica, a minha Cinderela me esperava com a porta do elevador aberta, no meu andar, o que nos deixou boquiabertos. Naquela coincidência, ou não, ganhei meus amores de volta e o colar lindo que eu usava até a noite anterior. Ganhei um abraço e uma amizade gratuita. E outro abraço. E outro, na entrada do café da manhã. Gratas ambas, e surpresas por vivenciar este tipo de experiência neste mundo louco no qual pouco nos olhamos nos olhos.
E eu ganhei meu final de semana, além das delícias que vivi ao lado do meu amado. Podia até ter perdido o colar… Quantas vezes os perdemos na piscina, no gramado, no carro, trabalhando ou brincando com as crianças no sofá? Ali, se eu perdesse, teria me perdido em alguém, o que faz esta ser uma aposta de um valor imensurável. Pois seria por estar dando uma chance a mim e a ela de desenharmos juntas um roteiro diferente.
Mas não perdi. Ganhei uma história, mais um bordado à mão nas minhas memórias, mais uma pessoa, mais uma lembrança desse nosso lugar. E isso para mim é vida acontecendo, viva, sendo vivida e contada. Sendo experimentada e trazendo gente para a gente. Histórias, lembranças. Tudo o que podemos juntar de maior valor nessa vida. Afinal, não se constroem vidas sentidas e vividas a sós:)
Mas ok. Fiquei intrigada… Alguém de vocês emprestaria e seu colar de família?
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