Além deste vírus desconhecido e nocivo ao corpo humano, há na atmosfera algo interessante contagiando as pessoas.
A semana começou anteontem, e hoje, quarta-feira-feira, parece que vivemos a maior semana da vida. Sinto estar passando pelos dias mais longos que já vivi. Talvez por serem dias forrados de incertezas, do desconhecido, da falta de rotina, de segurança, da ausência de um corrimão. Uma coisa louca que abateu o nosso mundo, e desde o início dessa semana, o país no qual vivemos.
Até este final de semana o problema era dos outros. Lá de longe, dos italianos, franceses, espanhóis e dos pobres chineses, primeiros abatidos. Só que nos últimos dias virou problema nosso. A matemática contraria a nossa crença de que nos safaríamos desta, e apresenta gráficos pessimistas da evolução do vírus e sua probabilidade de infestação por aqui.
Então recebi a sugestão amiga de um médico, para que eu fosse ao mercado comprar comida. Condimentos extras, a fim de me preparar para superar esse momento difícil que está por vir, por conta da ameaça do “corona vírus” e da alta possibilidade de contágio que a sociedade médica vislumbra aí na frente. Não porque vai faltar alimente. Mas porque nos próximos dias é melhor não sair de casa para busca-los.
Não sou dada ao pânico, mas sou mãe de três crianças e tenho pais e sogros idosos que eu amo muito. Minha casa acolhe muitas pessoas, da família e do coração. Preciso ter comida. E este foi o primeiro pensamento que me veio em mente, frente à probabilidade colocada pelo médico. Precisamos estar todos fortes e de pé, e por isso, antes de tudo, não pode faltar comida.
Sem pânico, corri para o mercado. Não custa afinal ter “extra”, alguns sacos de arroz, feijão, açúcar, massa, caixas de leite e vinho. Sim, vinho também. Sem nenhuma vergonha, o vinho é uma baita companhia nessas horas, um calmante. Um relaxante. O que agora precisamos mais do que nunca. Mas enfim, fui buscar o “basicão” da família grande. E no mercado percebi esse tal de novo vírus no ar…
Calma, não falo do COVID 19 aqui. Falo daquele que se misturou ao medo individual e egoísta de salvar a si próprio e aos seus. Que desconcertou a gente nas filas dos “frios”, na busca por ovos, pelos últimos sacos de papel higiênico e arroz. Quando nos cruzamos nos corredores, nos olhamos com medo, e nos conectamos por ele. Medo nem sei do quê. Nem sabemos, na verdade. E acho que posso falar por todos nós, agora, nós que caminhávamos no Supermercado Zaffari aqui perto de casa. Pois quando nos olhamos, nos conectamos como nunca antes. Enxergamo-nos indefesos, e por isso, vulneráveis, abertos uns aos outros.
Nos fitamos nos olhos. Buscamos nos acalmar com ternura, desde o movimento acuado dos carrinhos, mais lentos, até a permissão de espaço para a passagem do outro. Todos em marcha lenta, assustados, prestando atenção na sua volta. Celulares guardados, éramos somente nós, pequenininhos. Encarei a senhora idosa, já de casaco, sem saber direito como se proteger, e me aliviei em vê-la agasalhada. Vi cortesia nas filas. Assisti o cuidado com os mais velhos. Dividimos os últimos itens de algumas prateleiras quase vazias. Escolhemos ali o grupo ao invés da “selfie”, aquela que acomoda só a nós. De repente éramos uma foto grande de família, nem todos na moda, nem todos arrumados, nem todos no mesmo patamar de compreensão e afetividade, nem todos calmos, nem todos nervosos, nem todos jovens ou velhos. Mas uma família, pois ali estavam todos com medo e todos querendo se salvar sem pisar na cabeça do vizinho para isso. Preocupados no que tudo isso vai dar.
Olhem que linda essa parte da coisa! A gente vem perdendo a humanidade, nos robotizando por aí, falando de valores e afetos sem vivê-los na essência, e de repente, vem uma doença epidêmica e altamente contagiosa para nos aproximar de verdade, nos termos humanos? Nos levando de volta para casa, para ficarmos juntos? A voltarmos para as nossas famílias, para a nossa comunidade, para a sobrevida, cuidado direto, amor, medo de perder, de ter fome… do medo que possa doer?
Isso sem falar no abraço… Que vontade de abraçar. Temos essa oportunidade desde sempre, autonomia para fazê-lo quando quisermos, é de graça, e essa foi uma coisa que paramos de fazer no tempo. Nos distanciamos. E como faz falta agora. Que vontade de abraçar a minha angústia na daquela senhora, ou na do senhor que dividiu comigo os últimos sacos de arroz… Que vontade de dizer “sinto muito” por ter dado atenção a coisas menos importantes do que o toque, a presença real e a afetividade com as pessoas à minha volta. Pois neste momento, tudo o que escolhi em sacrifício disso, pouco vale.
Sim, eu sou uma pessoa de bastante sensibilidade, e sim, foi assim que eu percebi o meu passeio ao mercado no primeiro dia de medo real das pessoas da minha comunidade. E independentemente de um caso aqui ou outro ali, da ignorância de um e do pânico de outro, saí confiante de que seremos melhores do que somos quando essa crise passar. Enquanto pessoas, mesmo considerando as perdas que teremos. E nessas horas, a presença da espiritualidade neste mundo, vira uma certeza. De que coisas estranhas acontecem para evoluirmos como seres humanos.
De repente, do dia para a noite, estar vivo, ter o que comer e não perder quem amamos passou a ser mais importante do que o resto, quando isso deveria ser sempre. Que ajudar a quem tem menores defesas, passou a ser uma luta, quando nunca foi. Que estar longe dos nossos idosos, estes que amamos, representa amor e proteção, e não desleixo e abandono. Que precisaremos cuidar nós mesmos dos nossos filhos, que agora estão impossibilitados da terceirização e do convívio social.
Há algo estranhamente positivo na nossa atmosfera, no ar que respiramos, e não se trata de um bichinho malvado. Então se vale a dica, e eu confesso que não gosto muito delas, te conecta a este momento. Cuida de quem está perto. Ama bastante. Compra comida. Brinca no chão, agasalha, alimenta. Lava as mãos, e evita sair por aí. Fica no sofá, pelos nossos idosos e por quem agora está cuidando deles, na linha de frente, e em risco. Como disse um amigo, eles já lutaram guerras para nós, e tudo o que precisam agora é que paremos no sofá de casa.
Todo o necessário para sermos pessoas melhores está aí, aqui. Dentro de nós e nas nossas casas. No compartilhamento de tempo, de cuidado e de amor. Na certeza do que são os valores vitais na vida. Do medo amigo, aquele que realmente abate e mostra o que importa. E no olhar que nos torna iguais a todo mundo, nos corredores do mercado. Aquele que nos lembra de que não somos melhores nem piores do que ninguém. E que o COVID 19 veio para refrescar a nossa memória de forma dura e objetiva.
Basta respeitarmos uns aos outros que ele não terá forças e irá embora com a sua missão cumprida de nos melhorar enquanto indivíduos e sociedade. E de quebra, dará momentos valiosos juntos de quem amamos, na troca de afeto em ligações de vídeo no WhatsApp, ou nos tapetes de casa. Coisas que seremos obrigados a fazer agora, e que descobriremos nelas o sabor da infância, quando pouco era muito.
A propósito, não acho esse vírus uma coisa boa. Só me acostumei na vida, a olhar o lado bom das coisas. Há algo a aprender, e está no ar que respiramos e no toque em quem amamos. Justamente neste que nos falta agora e que aprenderemos a valorizar mais que tudo.
Nos cuidem por aí. E aos profissionais de saúde que estão na linha de frente tentando ajudar a alguns de nós, desejo que Deus os abençoe.
Um abraço virtual. Com amor, Ju.
Comentários
Ju querida
Que lindo!
Que maneira maravilhosa de encarar essa loucura q agora enfrentamos!
Te conheci tão pequenina! E hoje, com orgulho, ti vejo tão grande, tão madura e ao mesmo tempo, meiga, doce e forte.
Parabéns, lindona, pelo ” mulherão” que te tornaste!
Bjo grande
Nossa tia,
Fiquei emocionada… E me sinto privilegiada por termos essa história de vida próxima, afetiva e que hoje nos permite nos acompanharmos crescendo e evoluindo. Obrigada pelo teu carinho, que recebo desde pequenina. E pelo impulso que essa mensagem me dá em seguir aprofundando, ouvindo o coração e escrevendo:) Com amor, Ju.