A gente liga a TV, abre o jornal, e tudo gira em torno da pandemia do Covid-19. Sinto falta dos outros assuntos, daqueles que recheavam de forma variada os canais de notícias, nos colocando a par de tudo. Da política à segurança pública, dos esportes às tendências da moda, da agenda cultural aos textos criativos e de múltiplos temas dos colunistas.
Sinto falta dessa variedade de assuntos. Mas me dei conta de que, quando me deparei com poucos deles nos últimos dias, naquele percentual mínimo do tempo e dos espaços dos canais, me perguntei de cara: Oi? Esse assunto, agora?
E sabem por quê? Porque esta pandemia é o nosso novo pano de fundo na vida, nos nossos palcos, sejam eles quais forem.
Não dá para falar de moda, sem levar em consideração a transformação que a pandemia está produzindo no mercado de consumo. Não dá para falar de ideologias políticas, sem avaliar o comportamento de cada um dos seus braços frente a tantos impactos oriundos dos tempos de Covid-19. Não dá para planejar o mês, falar da vida de mãe, da rotina escolar dos filhos ou do planejamento de férias, sem considerar que em tempos de pandemia não há rotinas, nem do compartilhamento, ou terreno fértil para planejamentos sobre um mundo que não sabemos qual é. Nem assunto ameno há, pois não podemos dar um passeio, arejar e falar de outra coisa sem receio ou choque pelo vazio dos ambientes públicos, e do risco da doença, invisível.
Estamos em isolamento social. E essa sensação coloca a pandemia como ator principal de todas as vidas que acontecem na nossa vida.
Ok. Dito isso, gostaria de falar um pouco da Páscoa.
Nos preparamos para a Páscoa em família todos os anos. E o fazemos com tanto movimento, da compra de ovos de chocolate e produções de cestas de doces, a programação de viagem, se na praia ou na casa dos avós, que este ano nos deparamos com a realidade inesperada de ver tudo acontecer em meio a uma “quarentena” em casa, como alternativa de luta contra este vírus.
Não julgo a posição de ninguém, nem dos que querem abrir seus negócios e correr para as ruas, na busca de salvar a economia, empregos e fluxos de caixa, nem dos que se protegem em suas casas com medo da disseminação da doença, independentemente do seu cenário. Não estou aqui para me posicionar quanto a isso, pois como disse antes, acredito que todos estão certos, defendendo suas verdades e vivendo essa tempestade de lugares diferentes. De posições distintas, que não nos permitem julgar o que é certo e o que é errado. E quem seria eu para isso?
Mas o fato é que teremos uma Páscoa diferente, quase que esquecida. E de verdade? Penso que devemos trazê-la e nos agarrarmos nela por alguns dias.
Essa data, como todos sabem e para quem acredita, no que tange a história religiosa, se trata da ressurreição de Cristo. Aqui se lê renascimento dos seus valores, do amor, da fé, da esperança. O renascer da vida. E no escuro, acredito que a fé no lado bom de tudo, no que é elevado, ilumina.
É o que temos disponível, meus amigos. Ter fé.
Se em algum tempo foi só chocolate e viagens, neste nos agarremos no significado do renascimento. É a nossa chance. Nós, que nos vemos no escuro.
A verdade é que o mundo não andava bem. Muito preconceito e falta de tolerância às diferenças, maquiadas na falsa moral das redes sociais. Culto excessivo a beleza e ao heroísmo, ao ideal de invencibilidade e ao consumo exacerbado de coisas, gerando a consequente frustração e endividamento. Desigualdade social ao extremo, escrachado em vídeos de quem pode frequentar um SPA e fazer sucessivas viagens internacionais, enquanto famintos assistem, sem perspectivas. Violência nas ruas, desvio de receitas públicas, miséria, ignorância. Pais que terceirizam seus filhos e a sua educação com babás, escolas e avós. Quem nunca, atire a primeira pedra!
E tem a ausência da gente mesmo. Depressão como a doença do século e aí, a natureza em paralelo, chorando a sua exploração desenfreada, hostil e egoísta.
No último Grenal, meu filho voltou assustado. Foi com o pai e pediu para dormir em casa comigo, pois estava com medo e queria a “mamãe”. No espetáculo que deveria ser o futebol, em partida entre o seu time e o principal rival, a pancadaria terminou com a festa e com a noite feliz dele. Porque assim andava a vida que nos acostumamos a assistir e por vezes a participar…
Como eu disse, nada ia bem no mundo no qual estávamos vivendo. Nem o futebol, seus salários gordos e a sua falta de exemplo, esportividade, responsabilidade e bom senso.
O índice de divórcios subindo a cada dia, e os “feminicídios” acontecendo diariamente, e em quantidades cada vez maiores. Adolescentes matando uns aos outros por causa de namoradas e conflitos comuns às vivências escolares. Não estávamos bem, não dá para negar. Precisávamos parar. E se não por bem, teve de ser por mal. Por uma necessidade, maior que nós. Nos colocando, por ordem maior, presos e distantes de quem amamos. E uns pelos outros, como estamos fazendo, o que esboça, como um raio de luz, a nossa humanidade.
Então nessa Páscoa em isolamento, convido a todos a permitirem o amor renascer. A fé e a esperança em uma construção de mundo diferente e melhor do que a que conhecíamos até três semanas atrás. Vamos renascer nessa Páscoa e começar de novo? Olhando nos olhos dos nossos, dos outros, dos diferentes, dos menos favorecidos, dos privilegiados, dos que tentam nos ajudar e dos que efetivamente nos ajudam, com honestidade. Lidando com eles de verdade, com vulnerabilidade e com coragem. Entregando a nossa energia à relações de trabalho e afetivas nas quais ganham todos. Nas quais exista a tão necessária empatia.
Pois nunca fomos tão iguais como agora. Mesmo que de lugares diferentes. E essa realidade nos propicia o equilíbrio que precisávamos para mudar o ciclo das coisas. Estamos com a faca e o queijo na mão.
Desejo de coração que a vida não seja como era antes, e que possamos recomeçar. Esta é a maior e mais real das nossas chances. Recuarmos para nos regenerarmos. Para evoluímos e pensarmos em um funcionamento de mais valor e melhor para todos. Para as pessoas e para a natureza que nos acolhe com tanto.
E isso se faz um passo de cada vez. É um movimento grande sim, que levará anos, décadas. Mas o primeiro degrau está logo ali, na nossa frente, quando tudo isso passar.
Li que o céu da China anda azul depois de anos. Para mim, é um aviso de que estamos no caminho certo e que essa é só a oportunidade da qual precisávamos. Não é muito?
Nunca uma Páscoa foi tão importante…
E recomeços começam na gente. Dentro de cada um. Um feliz renascer, aí na sua casa:)
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