Cá entre nós, “entre colunas”, como diriam os membros da Maçonaria conhecidos do meu pai, considerando que tudo tem a “ideia do bem”, esse isolamento começa a mostrar seus prazeres e possibilidades.
É claro que não estou falando das questões além do nosso controle, que envolvem a doença e a morte de pessoas. Nem do desemprego que só cresce, das tantas inviabilidades para os trabalhadores autônomos frente aos decretos das cidades, e da depressão econômica que temos construída ai para frente, e que teremos que enfrentar todos.
Vivo neste planeta e estou na mesma tempestade, mesmo que eventualmente ocupemos barcos diferentes. Mas essas, infelizmente, não nos dão alternativa além da prevenção, do isolamento social possível, considerando as nossas atividades individuais, e o exercício da fé, para quem tem o privilégio de cultivá-la em si.
Mas entendo que as coisas afinal se acomodam. As demais, efeitos disso tudo e além do que não podemos controlar. É incrível a nossa habilidade humana de nos adaptarmos. O que parecia de outro mundo, de repente, se torna o nosso mundo. Como se sempre tivesse sido assim. Como que num passe de magica, essa pareça ser a nossa vida desde sempre.
Estranhei no início, por exemplo, ver as ruas vazias. Mas agora, incomum é ver muita gente. Me acostumei assim, com este visual composto de máscara, de tênis, do cabelo amarrado, de pouco contato e de dinheiro contado. No início estranhei ter que comprar pela internet de tudo e ver o mercado acontecendo ali, no digital, quase que 100%. Logo para mim, que adoro a experiência do ponto de vendas e de encontros. Mas de repente, estranho seria não ser assim. Ficou convenientemente fácil e adequado à vida que estamos vivendo, de isolamento em casa.
No início era difícil demais estar longe dos amigos e familiares. Ainda é. Mas de repente, conversas por vídeo e telefone a toda hora, quando da visita da saudade, passaram a atenuar a falta, a fazer sentido na rotina nova, do novo normal que fomos estabelecendo para a gente.
No início achei que não conseguiria trabalhar com atendimento comercial sem visitar os meus clientes. De repente, falo com eles o dia inteiro, com barulho de criança no fundo, almoçando, enquanto tomo um vinho com o marido, trocando angustias e vivências bem humoradas deste novo modo de nos relacionarmos comercialmente, e que nos oportunizamos experienciar agora.
E a coisa começou a funcionar, a ter novos cenários para acontecerem, mais humanos e vulneráveis, mas viáveis e compreensíveis agora. A gente entende. O outro entende também o por que. Então, fomos nos acostumando aos novos hábitos.
De repente estar assim, todo mundo junto, com menos serviços de retaguarda nas lidas da casa e da vida, e contando com as mãozinhas de todos na organização do dia a dia, passou a ser muito legal. A nos colocar frente a demandas novas, que exigem de todos, mas também, que envolvem a todos. Ao ponto de apertar o coração pensar que logo as portas de abrirão, e cada um seguirá a sua vida.
Estar aqui, todo mundo junto, nos propiciou nos conhecermos melhor, não gostarmos de algumas coisas, gostarmos ainda mais de outras, vivenciarmos nossos medos e ampliarmos a nossa intimidade. E a intimidade, apesar de alguns dizerem ser uma “m…”, na minha humilde opinião, é onde acontece o afeto mais profundo. O verdadeiro, que sai da paixão e da idealização, e pousa em uma realidade tão viável, que chega a ser doce. Coisa que é difícil de perceber quando se está correndo o tempo todo, loucamente, vivendo de paixões.
Ver as pessoas como elas realmente são, propicia a profundidade do afeto e nos faz validarmos ainda mais o amor. Já que amor nasce nas águas calmas. E na tormenta na qual vivíamos, andávamos superficialmente apaixonados por tudo, o que é caro, dá trabalho e ainda nos mataria do coração uma hora dessas, já que ninguém aguenta por muito tempo a ansiedade da necessidade de controle das coisas e pessoas pelas quais estamos “apaixonados”. De tê-las, e do lidar com a falta de saciedade que geram no coração, por serem fugazes. Pela falta de paz e amparo, e pelo excesso de espaço vazio que abrem na gente.
Então, de verdade? A coisa começou a ficar boa, mesmo faltando um monte de coisas, inclusive as que envolvem a nossa subsistência, e de parte das nossas vidas.
Ontem abracei uma amiga, daqueles abraços com cheiro no pescoço, sabe? Sabe sim…
Não aguentei. Não sei se o corona vírus perdoará esse meu deslize, mas quem nunca deu uma “escorregadinha”? Tem coisa que é melhor não desaprender, e se tudo acabar, isso serve para o abraço. Pois certa ou errada, abracei por amor e saudade. E isso me fortalece e à minha saúde emocional. Me fez voltar para casa crente de que dá para tocar a vida do jeito que for. Tomando aquela tacinha de vinho de vez em quando, às vezes um pouco mais de uma, limpando um banheiro, fazendo uma comida a “toque de caixa”, outras vezes com tempo e prazer, trabalhando em meio às crianças e suas atividades não menos importantes, e o receio de como vai ser para nos mantermos no jogo, seja ele qual for.
Mas ali, sendo e existindo no mesmo lugar, numa boa. Porque do susto, se tornou objeto de medo e desespero, depois o possível, e agora algo passível de adequação. Pois sempre dá para fazer. A gente se acostuma. Corta, redireciona, reaprende, desaprende, cria e segue a vida.
Essa que começou a ter seu “quê” de legal. Que nasceu da quarentena da pandemia. Que nos mostrou outra forma possível. Pois sempre há. Ou este mundo não teria mudado tantas vezes, e assim, as suas pessoas.
E considerando que mudanças, de alguma forma sempre acontecem para melhor, pois nos exigem questionar e transformar, então, ainda vivemos uma ótima oportunidade para nos revisarmos e nos tornarmos algo novo e, quem sabe mais legal, de mais amores e menos paixões. De menos quantidade e mais qualidade. De menos opções e mais certezas. De menos excessos e mais criatividade e estilo. Mais essencialistas, para o que é realmente essencial…
E mais amigos do tempo. Deste que está passando para todos nós igual, sem beneficiar a ninguém. Ou você não deu uma “envelhecidinha” nessa quarentena?
Brincadeiras à parte, a coisa está ficando interessante, sim. Preocupações e renasceres dão uma castigada no corpo mesmo, pois são exigentes com a gente, e dão trabalho, físico e emocional, e isso também significa evoluir na vida, nas marcas e nos cabelos brancos.
Efeitos colaterais também à parte, vivemos tempos que separarão o antes e o depois, e não adianta batermos pé, há de se levar em consideração que dão também uma renovada, uma nova linha de partida. E começar de novo é sempre uma chance de zerar e reconsiderar modos, de mudar olhares e estabelecer, quem sabe, uma vida diferente, de novos sabores.
Então, te parece tão ruim assim? Aqui, como eu disse, a coisa está ficando legal.
E quanto àquele abraço, aquele ao qual me entreguei… relaxa. Estou em isolamento, com as minhas três pombinhas e o papai. Aquilo foi só uma escapadinha:) Quem nunca?
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