O dito popular antigo e verdadeiro, dita que é a partir da dor que aprendemos a gemer, a mover, a se desconfortar, a reclamar, a sinalizar algo maior. A “santa” dor ensina. Não é de hoje que sou fã dela pela sua ideia do bem, já que ser contra ao inevitável é só perda de energia.
Achas que não tem lado bom na dor? Ah… Tem sim. Se nada doesse, estaríamos parados, estagnados na vida. Não haveria evolução nem no ser, nem fora dele. Não haveria mudança ou transformação no que precisa se reinventar, melhorar, ampliar. Não haveria superação.
Outro dia li na página do escritor e palestrante Arthur Bender, que os nossos melhores avanços nascem nas crises, pois são elas que nos tiram a paz, nos roubam a tranquilidade e nos dão a restrição e a incerteza. Ele afirma que é na dor, nas restrições e na falta de saídas, que geralmente a gente consegue encontrar forças para nos superarmos. Aquela a qual não conhecíamos, e por isso, não era ferramenta disponível à nós.
E não é que o dito popular estava certo? Reescrevemos e revivemos a nossa força interior, e a expandimos, a partir das nossas dores, todos os dias, o tempo todo. Quando a acolhemos. E se proteger da dor, é como tirar as “rodinhas” da vida e deixa-la criar mato em um lugar qualquer de acomodação fácil, e incômoda.
Terminar um casamento é um bom exemplo, e o cito aqui em prestígio às pessoas que me leem, e que como eu, passaram por esta jornada nada fácil. Desse fim. E que conheceram o gemido oriundo dessa dor aguda, e o seu movimento agressivo e transformador de vidas. Ela não nos ensinou que outros caminhos são possíveis? Não fez nascer força, fé, criatividade, resiliência e movimento, que não sabíamos ter em nós?
Pois bem, é realmente na dor que crescemos, nos ampliamos. Não no sofrimento, mas na dor. E nós mães somos as “rainhas da proteção dos filhos” frente às dores da vida.
Quando me divorciei, aprendi nos meus mergulhos e buscas, que eu jamais poderia proteger os meus filhos da história deles. Do pai deles, dos desafios deles, da vida deles, do que teriam que passar. Trajetória só deles, assim como cada uma de nós tem a sua. Sabia que ampará-los seria para sempre a minha missão, mas protege-los dos acontecimentos e dos seus sentimentos, não. Ouvi isso de uma amiga psicanalista e essa verdade achou casa em mim. Pelo seu bom-senso e razão. Afinal, sem controle de nada, como poderíamos evitar a dor da jornada dos filhos? Estabelecida pela vida para crescerem, evoluírem e se melhorarem?
Então venho fazendo desde lá o que eu posso, mas os deixando livres para empreender nos seus afetos, nas novas cenas que aparecem, nas suas próprias escolhas. Tudo arriscadíssimo para uma mãe “super protetora”. Mas se não posso evitar, o que fazer senão encorajá-los e ensiná-los cautela? Só na coragem e no “empoderamento” deles, os permitiria encontrarem suas forças. Só assim aprenderiam a fazer do limão aquela limonada, receita que encontrei nas minhas dores mais profundas. Nada fácil, mas um exercício diário oriundo da dor, fruto da impotência de uma mãe.
Este final de semana meu filho Joaquim viajou com os meus pais e, na primeira noite, me ligou pedindo para voltar para casa. Queria a “mamãe”, estava com saudades daqui, da gente…
Desde quando eram pequenos, estimulei meus filhos a estabelecerem vínculos de afeto com pessoas de confiança deles, que não eu. Avós, tios, dindas, primos. Desejava que se sentissem seguros e amados por outras pessoas que não somente por mim, pois, vai que eu faltasse para eles… Órfão de mãe até vai, não tenho controle sobre. Mas de afeto? Não. Ampará-los neste sentido deste sempre foi uma missão para mim. E isso nunca foi fácil. Me exigiu desgarrar, de certa forma. Descentralizar momentos aparentemente só de “mãe e filhos”, permitindo a entrada da avó, da dinda, do pai… a opinião diversa, e sessão de autonomia a outrem. Enfim, outros braços e colos para eles que não só os meus, tentando construir na minha dor, e medo da finitude, outros ninhos para os meus pequenos… Maluco isso, não? Daquelas loucuras de “maternar”…
Mas o medo era só esse, inicialmente. O de faltar.
Eis que quando eles tinham quatro e cinco anos, eu e o pai deles nos divorciamos, e na guarda compartilhada, eles precisaram viver vida longe de mim. Além. Não pela minha morte, graças a Deus, pois tenho planos, mas pela minha ausência. A vida vinha me preparando, afinal. Me ensinando sobre os seres livres que são os filhos, mesmo com sua mãe por perto. E eles estabeleceram relações intensas de amor com outras pessoas, da forma deles, como também estabeleceram o afeto em si.
Voltando ao telefonema, meu filho queria que eu o buscasse. Estava pronta para ir até a praia, afinal, que mãe quer ver seu filho se arrepender de uma escolha e não ter outra, a não ser assumi-la, sem dó nem piedade?
Pois meu pai pegou o telefone, e com a sua afetividade peculiar, me banhou com o seu rude amor de pai experiente e sempre atento. No vacilo do meu exercício de libertar. Me ensinou, do jeito dele, que eu não ajudo o meu filho quando o protejo, o que eu já sabia. Que arrumar as coisas para ele, não o ajudaria na vida, o que eu também já sabia. Que assumir a sua escolha de ir, e se arrepender depois, seria parte vital da sua construção de ser humano, da sua capacidade de avaliação das opções na vida, do lido com a frustração. Com as surpresas da jornada, e na resiliência treinada, com os momentos de retomada. Tudo tão óbvio!
Mas que difícil para uma mãe que não quer ver sofrer, que quer proteger, mesmo sabendo que de aprender…
Tudo da vida. E ali, no “lembrar” afetivo do meu pai, eu sabia que o meu filho não morreria por aguentar firme e descobrir formas novas de se divertir em um cenário diferente do que idealizou, sem a ajuda da mãe.
Enfim, não fui busca-lo. E ele adorou o final de semana que construiu a partir do que não era exatamente o que ele esperava, não inicialmente. Com a segurança no afeto que estabeleceu com os avós, que ele ama tanto.
Sutil, não? Uma dorzinha pequenininha que, quem é mãe, deve ter sentido aí, por vivência ou medo do dia em que ela chegar. Que entende os passos doloridos de permissão que precisamos dar a eles. E que servem para qualquer um, em qualquer andar da vida. Aos filhos de mães divorciadas, casadas, solteiras ou enamoradas. Mulheres livres e desprotegidas da dor, essa que faz nascer a força, a criatividade e os recomeços, antes improváveis.
E um brinde a isso. À dor, essa que nos ensina a gemer. Da qual não podemos fugir, pois está em cada esquina, em cada canto da vida, e que só no enfrentamento a ela, nos transformamos em algo que nos leve além. Além do chão, além daqui. Além da dor, ou do que não é mais.
E neste “além”, o céu é o limite. E voar livre por ele não exige somente estar solto. Mas também soltar:)
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