O amor, assim como as histórias e memórias, são da gente. Mesmo que dedicado a alguém ou a alguma coisa, afetos e memórias são de quem às tem. Venho repetindo isso, mas prometo que não “sem querer”, mas por acreditar que enxergar as coisas por este prisma nos ajuda a recomeçar sem a sensação de perda profunda, ou de fracasso.
Amores e memórias vivem na gente do jeito que os sentimos quando os vivemos. O que quer dizer que não morrem por desaparecerem ou se transformarem do lado de fora, no curso das nossas vidas.
Sinto um preenchimento imenso nessa verdade. Nada acaba se vivo em nós. Pessoas, lugares, afetos e passagens. E na reconstrução, nada pode ser mais bonito e impulsionador do que possuir para sempre o que juntamos, no coração. Principalmente quando precisamos ver nosso lugar mudar, filhos irem e virem, uma filha nova nascer, e ali, achar espaço para ela. Pois assim não se perde nada na vida da gente. Se acumula, se soma, se agrega…
Não diminui a sua dor agora, ao olhar para a sua história de novo? Vê-la preenchida do vivido e do sentido, do jeito que aconteceu no seu coração e nos seus dias?
Quero falar do tanto que vive na ausência, daquilo que mora no nosso coração. Mora, porque, de verdade? Foi sempre ali que tudo se passou, e só isso me parece verdadeiramente seguro.
A gente sempre sabe quando sente, como sente, se forte ou fraco, se bom ou ruim. A gente sempre lembra da sensação de entrar em um lugar, de percorre-lo, de repeti-lo, ou mesmo de tê-lo visto uma única vez, e aquilo marcar tanto o nosso coração, que jamais esquecemos de quem fomos naquele lugar. É tão nosso, que nem sempre, quando recontamos a história, ela é igual para a outra pessoas que a viveu conosco.
Não é comum isso? A gente ter amado mais ou menos alguém que, na percepção de outro, parecia diferente, em outra intensidade e jeito? Ou lembrar de um lugar de forma completamente distinta de outras pessoas que por lá passaram, ou mesmo o viveram com a gente, mas sob outra perspectiva e sentir?
A expressão “mora no nosso coração” tem razão de existir. É nele que habitam nossas emoções, amores e memórias, de forma muito particular.
Quando eu era criança, estudei em uma escola pública chamada Instituto de Educação. Ela tinha uma arquitetura suntuosa, quadros históricos por toda a parte e escadarias do tipo “Titanic”, nas quais cada estudante tinha o seu “Leonardo de Caprio” dos sonhos, à espera. Trouxe essa lembrança lá de traz, por ser viva no meu coração. Nenhuma escada na vida foi mais alta e imponente, do que aquelas para mim. Nada tão dramaticamente vivido, como os amores de colégio.
Aquelas escadarias contam tantas histórias de corações amados e partidos, que, se escritos, fariam das antigas listas telefônicas, livretos de bolso. E a cada história que ouço daquele tempo, percebo que guardamos todos, momentos daquela época, de formas diferentes. Para cada um a escada representava uma dor e uma alegria. Cada espaço, marcos e proporções afetivas diferentes, em cada indivíduo. Cada ano, um sentimento distinto e uma memória diferente, em cada um.
Da mesma forma percebi, na minha história, o significado particular de outras cenas.
Há quase três anos perdi uma avó daquelas do “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Já contei aqui. E é incrível como as memórias vividas com ela estão vivas em mim. Lembro, marejo os olhos, repito comportamentos por querer, outros sem querer, reproduzo receitas, parafraseio seus valiosos pensares e valores. Simplesmente porque ela está em mim, mesmo depois da sua despedida daqui.
Acerca de dois meses atrás perdi um primo querido e jovem. Não tinha convivência frequente com ele havia alguns anos, já que ele estava morando há quase uma década fora do país, com a família que construiu. Porém nossas memórias e trocas estiveram sempre tão vivas e nutridas em mim, pela admiração que tinha e tenho por ele, que quando se foi daqui, deixou partes de si espalhadas por todo o lado. Sempre lembro com saudades das alegrias vividas juntos, finais de semana na vó, batucadas nas rodas de música, e mesmo dele pequenino, no meu colo, privilégio das lembranças de uma prima mais velha.
E o divórcio…
Este também deixou uma rotina viva e real de família para trás. Levou a uma transformação completa do funcionamento dos meus dias, dos meus filhos e do afeto que existia entre o pai e a mãe deles. Eu e o pai. Significou para mim o final de um ciclo que não me atendia mais no que era viga base para uma família que permitisse a felicidade de cada um de nós como indivíduos. Sem bem e mal, certo ou errado. Intolerável, naquele momento, para a minha pessoa, para o meu momento e para a minha fé e expectativa na vida e nas relações.
Tudo o que eu senti na jornada deste casamento que findou, está aqui comigo, além dos filhos que ele gerou. Momentos construídos, felizes, outros difíceis, todos tatuados no meu coração. Todos vivos na minha memória. Pois na morte daquela rotina, seguimos caminhando na vida, transformados, mas juntos. E por isso, nada se perdeu, exceto o que mudou e não nos atendia mais.
Não me parece que viemos perdendo coisas na vida, mas acumulando…
Não me parece que o amor acabe, mas que ele se transforma, sim. Não me parece que algo possa nos tirar o que vivemos, sentimos e que habita as nossas memórias e o nosso coração, pois todos estão em lugar seguro e particular.
Deve ser por isso que a vida é chamada de jornada e é feita de inúmeros capítulos registrados no nosso sentir, como pequenas histórias. Para serem lembradas, contadas, ou só refletidas e sentidas no nosso coração. Pois são todas nossas. Curtas ou longas, profundas ou rasas.
Afinal, a gente divide os tesouros que quer, e não é porque se transformaram no tempo, ou mudaram de lugar na vida da gente, que deixam de ter seus momentos de brilho e glória na história das nossas vidas.
E o que é nosso, está bem guardado. Sabio ditado:)
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