Andei pensando nos últimos dias sobre as pessoas que hoje estão nos acompanhando, dividindo vida com a gente, e que foram frutos de uma escolha, ou de algumas. De “A à Z”. Filhos estão neste bolo também. Quando as escolhemos, qualquer uma dessas pessoas, pensamos em tudo que poderíamos passar juntos na vida? Pensamos se daríamos conta dos momentos exigentes juntos, destes que pesam, que exigem responsabilidade? E se essas pessoas seriam companheiras desejáveis em qualquer mal tempo?

Retirava a maquiagem ontem, no final do dia, antes de dormir, depois de mais uma noite em casa, vivendo este isolamento improvável que esta pandemia maluca nos presenteou, e me veio este questionamento abrupto. Ok, são três filhos, é bastante. Mas quanto aos três, cada vez que reviso a decisão por eles, naqueles momentos de stress, a resposta é sempre um novo “sim”. Então, espantei-os das minhas questões.

Mas quando fazemos escolhas “condicionais” e colocamos pessoas nas nossas vidas, imaginamos, de verdade, os momentos exigentes ao lado delas? O quanto as diferenças que temos nessas relações podem se acomodar, respeitando os nossos valores, e não desmanchando quem somos? Nos perguntamos se estas são parcerias para as alegrias e as tristezas? E quanto à gente, nos questionamos para o que estamos prontos a suportar do outro e a oferecer a ele?

É claro que ninguém poderia prever uma pandemia. Uma “super” exposição de convivência, cada um com a sua panela cheia de medos, frustrações, ansiedades, incertezas, ou mesmo capacidades positivas de lidar com os momentos adversos, e, sob o mesmo teto, sem intervalo ou fuga. Sem falar no lado “senil” que todos temos, já que, afinal, estamos aqui para viver essa aventura da vida, sem saber o que se apresentará ali na frente, e cada um vem a ela com as suas dificuldades particulares, e coisas a vencer. Mas na qualidade de seres corajosos, pela impossibilidade de ser diferente, já que chegamos aqui pelo desejo de dois “alguéns”, de Deus ou de alguma outra força oculta superior, acho que temos muito a melhorar no quesito “se levar a sério”, e fazer escolhas que nos amparem, que nos respeitem, e aos nossos limites conhecidos.

Me maquio para ficar em casa, e atire a primeira pedra quem não esta usando, pelo menos de vez em quando, este artificio para se manter conectada e dona de si, ou pelo menos, para se reconhecer. Este, ou algum outro qualquer, de caráter aparentemente superficial, e que te permita se olhar.

Bem, isso tem me ajudado com a minha saude mental. Mas enfim, naquele momento, me olhava no espelho. E com um lenço demaquilante, me perguntava se quando decidi por uma vida ao lado do meu marido, e pelos nossos dois filhos iniciais, que começaram a jornada conosco, mais a nossa pequena bebê, havia levado em consideração o quanto a vida nos apresentaria desafios a serem desbravados juntos, e o quanto eu estaria preparada para isso. No mesmo barco, com água entrando, e apenas nós cinco e os nossos “potinhos”, para darmos conta do tanto de água que poderia nos afundar. Cito aqui as crianças, pois de nós fazem parte. Já não ando sozinha na vida desde a vinda deles…

Mas me dei conta, ali, de que talvez, por este motivo, tantos casamentos vêm se esvaziando de prazer, de afeto, se rompendo, ou se enchendo de desencontros, sufocamentos, e diferenças inconciliáveis, vindo a afundar, assim, durante esta pandemia.

Poderia ser uma doença dentro da família, um quadro financeiro realmente instável, ou tudo isso junto. Poderia ser uma amoralidade, uma traição, ou algo do tipo. Poderia ser um tanto de opiniões desconexas, diferenças politicas, ou mesmo afetivas e na educação dos filhos. A questão é que a pandemia trouxe isso à tona. Não da mais para “acomodar” aquelas escolhas mal pensadas, aqueles empurrões que a barriga dá, ou aquelas relações mornas, sem acolhimento, cuidado, amorosidade e parceria, que os eventos sociais e o excesso de trabalho escondiam “quase” bem o suficiente. Mas principalmente, pela carência do auto reconhecimento dos nossos limites e disposições para vivê-los e transformá-los.

Meu marido tem sido um parceiro notável. Em meio as nossas dificuldades, temos buscado juntos, o caminho do meio. Até silenciando. Tem semanas melhores, outras piores, no que tange a gente, casal, e o funcionamento ornamentado com as nossas crianças, debaixo do mesmo teto, e sem extravasar. A gente vem inventando e se reinventando nas ausências eventuais de sincronia, e nas nossas insanidades e limites individuais.

Nada fácil, mas também, não tão difícil assim.

E nessa resposta rápida, que dei a mim mesma, nessa fluência que achamos no fundo dos nossos poços, neste terreno pandêmico e insalubre da nudez ininterrupta, da falta do íntimo, do tempo nosso, e dos ferrolhos que nos atendem, me vi no lugar certo e com as pessoas certas. Sabe como é? Não senti querer outra coisa. Me senti grata por sermos nós, exatamente assim, mesmo nas dificuldades. Não sei ele, mas assim respondeu meu coração, de bate-pronto, enquanto meu lenço trabalhava. Com um “sim, isso eu posso dar conta e amar muito”.

A gente responde as perguntas importantes da vida sem pensar. O casamento católico questiona os noivos, sobre se aceitam um ao outro, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e vestidos para festa, todos proferem aquele “sim” festivo, emocionado, idealizado, e nem tão refletido assim. Entusiasmado. E a vida feita de respostas entusiasmadas vem e apresenta a conta, quando não a levamos a sério. Na primeira passagem pelos vales sombrios e lamacentos, nos arrepiamos de olhar para o lado e enfrentarmos as nossas próprias escolhas, quem caminha conosco, o peso disso na vida da gente, sendo que se trata de quem sempre esteve ali exatamente como é. Desde o início. A disposição para escolher e ser escolhido, com toda a sua bagagem.

Então, pensei na ideia do bem desse isolamento. Está nele, a oportunidade de revisarmos o nosso armário, as nossas relações, e a nós mesmos, e considerando quem realmente somos, e o que queremos da vida, e das nossas relações, dizermos novos “sim’s” e “não’s”. É hora de sermos honestos. De enfrentarmos essa limpeza doída, e recomeçarmos com menos da euforia, que tira o sentido, e faz piada com as nossas vidas no depois. Nos seus momentos mais exigentes. Pois considerando que a jornada aqui está longe de ser um mar de rosas, e que para todo o dia de luz, há uma noite escura, melhor estarmos honestamente bem acompanhados. Sabendo com quem contar na hora de juntar as pedras do muro que desmoronou, ou alguns pedaços da gente mesma, e nós, os de quem amamos.

Pois não somos obrigados a nada, e caminhar ao lado de alguém, deveria que ser algo muito bom.

Sabe quando a gente decide não convidar alguém para viajar conosco nas férias, com receio de estragá-las, e à relação com a pessoa também? Pois então… A jornada da vida é uma viagem para ser longa, e exige o maior dos cuidados quanto à escolha de quem a fará junto, ao nosso lado. Ou pode ser um caminho de desprazeres, desconexões, desamor e desrespeito, principalmente com nós mesmos.

É só estarmos atentos… Primeiro a nós, depois a quem esta propondo trocar amparo e afeto conosco, nesta “corrida maluca” da vida, que até pandemia nos apresenta. E se as coisas mudarem nesse tempo, mesmo aquela escolha que já fez sentido um dia, e não faz mais, é preciso considerar. Não há problema em mudar, nem em se desconectar do que já foi do nosso afeto, durante o percurso, pois ele é longo. E mudanças são da vida. O que não dá, é para viver mal acompanhado.

Já dizia o ditado… antes só.

A propósito, deixa “ele” sair do banho aqui, e dormirei sabendo se estamos de acordo:)

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