Sou uma entusiasta das emoções e de levá-las em consideração.
Sempre acreditei que elas falam genuinamente do quanto nos sentimos de uma forma ou de outra em relação às coisas. É ela que reconhece a primeira sensação de incômodo e de dor na gente. É ela que sinaliza a falta de prazer, a presença do sentimento, do entusiasmo, da desmotivação ou da rejeição. E só por isso sou fã de carteirinha dela, ou a vida não levaria o nosso “eu” mais profundo em consideração: aquele que sente. E como ser feliz sem ele?
Seria impossível, assim como é impossível também construir “inteireza” na gente, amadurecimento, respeito e evolução, sem que essas emoções estejam casadas com a razão. Elas são sempre colocadas como oponentes na vida, como se precisássemos escolher entre uma e outra: ou eu sou um ser emotivo, ou racional.
Me peguei pensando em como uma vida plena de mais consciência e menos arrependimentos poderia ser edificada com estes dois ingredientes. Mesmo sendo eu uma pessoa extremamente emotiva, o que hoje me permite escrever sobre sensações e afetos de forma aprofundada e questionadora, percebo a razão viva em mim de forma muito intensa e talvez na mesma medida em que a emoção me habita.
Outro dia participei de uma reflexão interessante que falava que é preciso ter mais razão e menos emoção na vida. Que este seria um passaporte para a nossa liberdade e que estimula a construção do pensamento crítico individual, e ao mesmo tempo, respeitoso para com o outro. Simplesmente porque entende que, racionalmente, considerando que sentamos em cadeiras distintas, podemos ter pontos de vista diferentes de uma forma natural. E cada indivíduo vive a construção da sua posição perante a vida com base nas suas experiências pessoais, e nas que reconhece no seu entorno e nas informações que acessa. A partir do que lhe instiga, incomoda e demove do seu lugar. E quando nos colocamos abertos a esta racionalidade de entender que somos diferentes, que podemos ter olhares distintos e sentirmos os efeitos das vivências e das ideias de forma particular, nos transformamos em alguém mais valioso.
Rubem Alves já disse que “ostra feliz não faz pérola”. Para fazer pérola, a ostra passa por um processo de dor, de desconforto, e no ato de encarar um corpo estranho no meio da sua natureza, cria a beleza, a pérola.
Quando foi que mudamos de posição, de opinião, sobre algo que realmente acreditávamos? Quando defendemos uma posição considerada impopular no ambiente no qual vivemos, mostrando ali quem realmente somos, e abertos ao debate? Ou quando entramos de fato, de peito aberto, em uma conversa com alguém que tem um ponto de vista oposto ao nosso?
Quando me vi questionada neste fórum por perguntas tão francas e merecedoras de um olhar mais atento para “dentro”, foi inevitável não pensar nas minhas vivências, no compartilhamento delas aqui, assim como nas tantas histórias vividas, ouvidas e contadas em grupos de interesse comum, ou de apoio, se quisermos chamar assim. Quando ainda é preciso a provocação da exposição e ao mesmo tempo a abertura para diferentes pontos de vista quando se trata da escolha de cada um sobre a vida que quer levar, defender e encorajar em si e no outro.
O sentir é livre, a emoção genuína é particular. Mesmo que contamine outras pessoas por aí ela na verdade é só nossa. E poder compartilhar quem somos e entender quem são os outros, suas dores e suas escolhas, passa obrigatoriamente pela razão, que nos permite enxergar ao outro e sair do nosso mundinho de sentimentos e crenças, de forma que não nos limitem.
Acredito que é assim que nos acolhemos, curamos e transformamos. Já disse uma jornalista que eu gosto muito, Gabriela Prioli, que é “a partir desse olhar racional sobre a vida e os seus debates, entre nós, seres humanos, que somos genuinamente emocionais, é que passamos a ter a possibilidade real de compreensão do mundo como ele é, e não do jeito que gostaríamos que fosse”.
Amei. Isso fala sobre aquele “respirar fundo”, separar as dores das expectativas, idealizações, projeções e sentimentos mais profundos, e construir caminho à frente, ou pelo menos visualiza-lo, já que ele está ali. Quando a gente questiona a nossa forma de ver as coisas, é quando a gente realmente passa a conhecer quem somos e o que pensamos a respeito das possibilidades que temos enquanto indivíduos, com visão própria, e não uma visão incorporada a um grupo, ou reproduzida a partir de alguém que admiramos.
Isso cabe em tudo… E no nosso assunto de família é inegavelmente um grande analgésico. Conhecer e respeitar os formatos nos permite a liberdade de vivermos o nosso em paz. As nossas escolhas, os nossos afetos e a nossa emoção. Ela, que casada com a razão, nos mostra que ninguém morre de amor, de divórcio. Que os filhos de pais separados não são “coitados”, problemáticos, nem gente de pouca sorte. Que para cada releitura afetiva e emocional, para cada nova escolha, existe um estrada à seguir, uma saída, um recomeço. E que ele é um para mim, outro para você e um outro ainda para um terceiro, quarto ou quinto indivíduo…
O que posso dizer é que as coisas que projetamos na nossa emoção são muito piores do que as coisas realmente são. E quando racionalizamos não permitimos que a emoção crie a ideia de que devastamos as nossas vidas e dos outros com o nosso ponto de vista, como se tivéssemos todo esse poder.
Isso serve para tudo. Para uma apresentação de trabalho, o primeiro dia em um emprego, uma primeira mentoria, um primeiro encontro ou mesmo a primeira noite em um novo lar após um divórcio. É como colocar lentes em olhos cansados pela dor. Acredite, a razão pode clarear.
Então, que seja feliz o casamento entre a emoção e a razão da gente. Se vai ser para sempre? Não sei, é sempre um desafio fazê-las andar juntas, lado a lado. Mas que vale o exercício no caminho de nos sairmos melhores à frente, com quem e com o quê vamos encontrar, ah… Isso eu aposto. Com toda a emoção e a razão que habitam em mim, aposto que sim.
Afinal, no meu caminho, foram elas que me salvaram e transformaram:)
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