Vivemos ondas, altos e baixos. Essa semana parece que mais uma vez chegamos ao cume por aqui. Dias exigentes e nós, de repente, esgotamos de novo. Não é a primeira vez desde o dia dezesseis de março. Cansamos da rotina, da casa, dos jogos, e de certa forma uns dos outros.
Espera aí, não há nenhuma falta de afetividade nisso que estou dizendo, ok?
Mães que estão com filhos em casa, sem escola, entenderão. Pais, me atrevo a dizer que também, pois muitos estão vivendo esses tempos do lado de “dentro” da rotina de família. Quem divide, compartilha vida com outros, tempo, casa e confinamento, conhece os momentos difíceis que a pandemia nos apresenta. E não nos falta amor. Até acho que é o excesso dele, a sua fortaleza, que hoje nos salva de cometermos alguns devaneios importantes. Mas pequenos atos de desespero, de cansaço, permeiam essa vida nova que estamos levando por conta do que está além de nós, pelo qual não decidimos sobre. Não escolhemos por viver uma pandemia, nem pelo fechamento das escolas, nem pela insegurança generalizada na qual nos vemos parte. Fomos simplesmente impactados por tudo isso, como que por uma onda.
Cheguei do último feriado com uma infecção urinária e pensei: não posso ter mais isso com que lidar! Por favor! Como vou tocar as coisas com sanidade mental, tolerância e alguma desenvoltura sentindo dor para urinar e caminhar?
Não é justo que fiquemos doentes agora, nenhum de nós, mesmo se tratando de uma crise de saúde, de certa forma… Mas de forma até arrogante, pensei não ser justo principalmente comigo, a “mãe” da casa, que vem dando conta de tantos afazeres e responsabilidades novas sem ter sido exatamente preparada para tal… Pensamentos desesperados de quem já vem driblando o cansaço real e mais profundo que já sentiu. Aquele prisioneiro, que precisa buscar oxigênio na racionalização das coisas, na criação de alternativas no mesmo lugar físico e não, dando uma volta por aí. Mas afinal, a terra não parou de girar nem o organismo da gente de funcionar porque estamos isolados e sem escolas para os nossos filhos. Sem amigos, shoppings, viagens e praças. Sem espaço particular.
Minha filha menor literalmente lambe o chão quando vamos passear na calçada de casa, e olha que andamos de uma esquina a outra… Então não vamos além dela ou seria muito, mas muito perigoso. Sair com um filho por vez tem sido uma alternativa, mas é uma guerra também, pois eles mostram certa resistência em deixar a nossa “base”, a nossa “trincheira”. Parece que somente aqui estamos seguros, percepção deles que também me preocupa um pouco, mas que confesso: às vezes também é a minha…
Então, na ausência de alternativa melhor e mais confortável para os nossos anseios, permanecemos aqui, em casa. De certa forma há uma perda de coragem para enfrentar a vida lá fora, ou algo assim, tamanha a amplitude que isso tem para cada um de nós.
Achei isso importante. Falar do esgotamento e normalizar ele. Achei importante contar que não é diferente aqui, que também me irritei outro dia com a minha filha mais velha por uma porta entreaberta. Sim, só por isso mesmo. E com o meu filho, por falar alto e agitar a irmã, e com a bebê, por riscar na parede com um palito de carvão que “eu” deixei pelo caminho. E com o meu marido, cheguei a iniciar um “papo” tentando validar quem sabe a possibilidade de tomar alguma coisa, um calmante? Algo que me emprestasse a tolerância e um elástico mais flexível nos momentos mais exigentes com a casa cheia, inclusive cheia da minha vida toda? Afinal meu trabalho, meus projetos, minha escrita, meus filhos, as aulas remotas, o meu casamento, a nossa rotina de família, está tudo aqui sob este teto! Mas recebi de volta uma cara estranha e desconcertada… Ele é bom, e sabe que este tipo de esgotamento não se acha solução em prateleiras de farmácia. Quem sabe o que eu precisava era só daquela conversa, do enfrentamento da minha vulnerabilidade. Vivo um momento bacana, particularmente falando, pois me sinto bem na minha própria “morada”. Aqui falo de mim, do meu corpo, do que não gosto tanto nele e do que aprendi a reconhecer no tempo. E das minhas emoções, agora mais minhas amigas, mais íntimas, mais aconchegadas em quem eu sou, boas ou ruins. Então não achei um motivo realmente profundo que o convencesse de me apoiar na história do calmante ou de qualquer outra medicação que buscasse gerenciar essa ansiedade que vive em mim e sobre a qual já conheço tanto.
Eis que saí de carro para uma consulta médica de revisão e liguei para uma amiga na busca da compreensão feminina, materna. E então acalmei meu coração de mãe com a história dela, tão parecida com a minha, com a sua, com essa tão“nossa”. Com outra mãe que cansa, e que em uma fresta de pensamento se pergunta como eu: porque tantos filhos? Onde eu estava com a cabeça? E logo depois os abraça como forma de abafar aquele pensamento louco… Pois vai que o tempo volta como mágica e eu deixo de tê-los, aos meus filhos, como naqueles filmes nos quais a magia acontece pela força das palavras, ou de uma fonte de desejos escondida por aí, ou ainda por um bilhetinho dentro de um biscoito chinês?
Acordei então no sábado de manhã com mais ar nos pulmões. Penso tanto sobre as coisas que, de repente, tenho a sensação de existir mais, de trazer a dor à superfície. E assim me sentir mais viva e forte para recomeçar a partir da “conversa” com ela, talvez por esgotar o desconforto que me traz até querer fazê-lo parar, aceitando que sou humana e que posso compreendê-lo. Que está tudo certo não conseguir dinamizar a coisa toda sempre. Que reclamar de vez em quando é como levantar aquela pecinha da panela de pressão e deixar a erupção acontecer, “sair para fora” e ir embora. Que para me preencher é preciso também me esvaziar. Me permitindo seguir em frente, de novo, e ir para a ação sem “vitimismo” ou carregando pedras desnecessárias no meu caminho, quando é mais fácil parar e descansar.
Então fiz a minha ginástica na sala com a minha bebê no chão, meu marido jogado com ela, minha Joana em aula e meu Joaquim assistindo a um filme. Me dei um tempo no meio deles. Dali cozinhei, dancei na cozinha, cantei alto, fiz uma comida com ingredientes novos e respirei de novo. Meus pulmões estavam cheios novamente. Recuperei o ar que me abastece pois é assim que é a vida de mãe em meio a uma pandemia… De altos e baixos. E nos picos, o caminho foi aprender a parar no meio deles, já que não posso fugir para um espaço particular, e tratar de me conectar e achar uma janela ali mesmo, em meio ao caos.
Bastou me questionar de novo. Me perguntei ali sobre os meus maiores prazeres, os mais saborosos, e os trouxe para mim. A sensação de me exercitar e suar, que eu amo como uma “faxina” interna. Uma arrumação daquelas no armário das crianças, com direito a sacos de roupas para doação e troca. Cozinhar para a minha família. Dançar, e cantar. Escrever… E assim, me recoloquei no meu lugar de paz, naquele meu e que somente “eu” posso acessar.
Se você se sentir assim aí também, me atrevo a sugerir… Quem sabe procura o que gosta, o que realmente te faz bem, e traz para você. Para dentro da “trincheira” mesmo. A gente acha paz onde pode. E se tudo o que temos são os espaços das nossas casas, e as presenças das nossas crianças e parceiros, ou mesmo no ambiente de lido com a ausência deles, acho que estamos em lugar seguro para isso. Para nos conectarmos, nos acharmos e à nossa paz. Pode estar bagunçado, barulhento e exigente, mas pelo menos é de confiança. Podemos gritar, pedir desculpas, pedir ajuda e fechar os olhos. Podemos andar sem máscaras… E essa segurança de poder “ser” com quem amamos não tem preço.
Enfim… Achei importante dizer que você não está sozinha nessa, e que se estivermos um pouco “loucas”, então somos muitas… De sair da realidade e voltar, como uma onda, disso os loucos sabem… Coisa boa que um pouco dessa loucura viva em nós:)
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