Fui questionada em uma entrevista para um podcast voltado ao desenvolvimento e “empoderamento” das mulheres sobre como eu “equilibro” as coisas na minha vida, os meus papéis, as minhas partes. Mãe, mulher, empreendedora, executiva e esposa. Todas residentes em mim. E ao responder e me ouvir fazê-lo, me dei conta de que não sei se o equilíbrio existe exatamente, e que seria equivocado dizer que eu o faço ao ponto de ser uma referência. Afinal, como sê-la para algo que até questiono o significado ou a forma como “nomeia” o nosso lido com as escolhas da vida, e como às compomos no nosso dia a dia?
Equilíbrio pressupõe dividir pesos de forma que a força de um lado não penda para ele e caia pelo excesso do seu próprio peso, ou por força externa, ou ainda mesmo que um lado perca em importância para outro lado qualquer, pela ausência de investimento, digamos assim. E confesso que nos papéis da vida não acho ser possível e até efetiva uma divisão de pesos igualitária entre as partes de nós mesmas.
Na minha vida, por exemplo, posso afirmar que não.
É fato que tem alguns dos meus papéis que eventualmente exigem mais do meu tempo, dedicação e força, do que outros. Como ondas, cada série delas vem com as suas demandas peculiares e aí, independentemente do meu planejamento original, me permito reagir e ajustar, correndo para o lado que precisa mais de mim, e de forma pouco equilibrada.
Quando passei pelo meu divórcio, há quase seis anos, meus papéis mais exigentes foram o de mãe e o de executiva. Tudo o que eu precisava ali, e que se fazia mais importante para nós e para aquela mudança imensa que estava acontecendo nas nossas vidas, era atender a eles e as nossas necessidades financeiras para que eu pudesse bancar aquele momento, aquela escolha. Então cuidava de forma dedicada de cada minuto com eles e trabalhava muito, como se aquela fosse a nossa salvação, nossa viga principal que nos permitiria sermos livres. Que me permitiria autonomia para sustentar a vida que eu desejava para nós, e quando falo que era para a “nossa” liberdade, é porque não existia liberdade sem eles.
Foi um ano sem nada para mim além da paz que eu havia conquistado… a paz de “escolher”. Não tinha dinheiro para roupas, viagens ou terapias. Não fazia ginástica, pois me faltava recursos financeiros e tempo para esse investimento. Eu queria estar para eles sempre que estivessem comigo, e quando iam para o pai, trabalhava e buscava reinvenção para a minha vida. Rotinas e hábitos novos que me estimulassem a seguir andando, me descobrindo e amparando, firme neste caminho. Plantava coqueiros, bebia vinho, procurava uma casa nova, colocava a cabeça no lugar na busca da construção de um novo mundo para nós no depois.
Só que a vida organicamente, como o mar, manda as suas séries de ondas, e na que vinha à frente, estava um novo amor. Uma possibilidade de atender a mulher que vivia em mim “quietinha” havia tanto tempo. Que tinha desejos, curiosidade pelo novo e vontade de fazer um caminho completamente diferente na relação afetiva a dois. Com novos estímulos, com algo que me nutria de uma forma muito diferente, que me trazia uma nova energia.
Não sentia o mesmo que antes, não me sentia a mesma. O amor para mim havia mudado, então, mudava também a minha forma de me dedicar a ele.
Foi aí que surgiu o projeto New Families, a escrita e a mentoria junto a mulheres na travessia dos seus recomeços. Era algo que crescia em mim a cada dia… O desejo de relatar, testemunhar, propor reflexão, debate e transformação frente a temas tão doloridos ainda para a nossa sociedade, para as nossas famílias, e, principalmente, constituir amparo. Lar para os recomeços. Para mim, que sentia sozinha naquele túnel, e para elas. E essa ideia empreendeu no meu interior. Dormia e acordava comigo me trazendo o compromisso de estar atenta para assim sentir e escrever, ou descrever. Para assim, perceber e compartilhar. Acompanhar e impulsionar. E isso tudo também passou a viver “aqui dentro”, juntamente com o resto que eu já tinha.
Só que o amor, assim como a maternidade, a vida de executiva e a de empreendedora neste projeto voltado às mulheres não eram tudo o que eu era. Ainda tinha eu, a mulher, o indivíduo. Que precisava de nutrição vital, de si mesma, de cuidado, de auto reconhecimento, auto aceitação, compreensão e amor por isso tudo que me compunha. Precisava achar espaço para mim mesma na minha vida, de forma que eu me desse ali a devida importância e espaço para realizar tudo o que eu desejava ser. Não mais subestimada. E eram muitos papéis para “equilibrar” quando a vida não é equilibrada nos seus acontecimentos e demandas.
Então me dei conta de que eu só precisaria garantir que estaria nela. Pois se não estivesse sendo levada em consideração, sabia que seria rapidamente consumida pelas “demais” partes de mim, e adoeceria. Que eu não seria nada nos meus papeis sem eu mesma, já que tudo me possuía e por isso, não poderia estar ausente.
Talvez o equilíbrio esteja realmente em se importar com todas as partes de quem somos, sem desconsiderar nenhuma na “intenção”, que envolve a ação sobre o que queremos, e na “intensão”, que define sua intensidade na direção escolhida. Pois minha vivência me fez acreditar que a gente “desequilibra” quando deixa de pertencer a uma das nossas partes com consciência e vontade, investimento e escolha. Quando deixamos de fazer sentido para nós mesmas, o que torna todo o trabalho de abraçar às nossas partes em vão. Quando deixamos de estar íntegras, inteiras, entregues conscientemente no que é essencial em nós e para nós. Quando deixamos de ser “investidoras” do caminho que escolhemos tomar, seja para atender a qualquer uma das mulheres que vivem em nós.
Pois não se trata de equilíbrio exatamente… Não se trata de divisão de pesos, mas de entender como eles acontecem na gente, que urgência tem, e dedicar a cada um, um pedaço inteiro nosso. Possível, escolhido, entregue, mas nunca justo.
Quando a gente escolhe por algo a gente perde sempre alguma coisa, e os investimentos dos afetos não fecham contas matemáticas ou proporções, o que não nos garante trocas justas. Uma escolha, uma renúncia, não é o que diz o ditado mais que verdadeiro?
Então, não há como equilibrar. Talvez ressignificar equilíbrio, sim. Quando estamos bem com o que escolhemos para as nossas partes e com a vida a qual levamos “talvez” estejamos “equilibrando”.
Talvez… Vai saber! Sigo não simpatizando com a palavra. Mas ressignificada, pode ser, quem sabe, um caminho menos idealizado, que despreza pesos, medidas e culpas, abraçando a integralidade do que é nosso, do que escolhemos dar, trocar e receber de cada uma das partes que temos em nós. Das nossas mulheres.
Aí não exige sermos super-heroínas, nem malabaristas. Nada devastadoramente impositivo e exigente para nós quando a vida já dá conta disso. Sem metas inalcançáveis. Apenas donas do nosso caminho e do que queremos fazer dele, além de “surfistas” conscientes das séries de ondas que se apresentarão sempre. O que acho que me representa mais do que a tal “equilibrista” de papéis.
Afinal, escolho as ondas as quais quero surfar… Escolhemos quase sempre, não?
“Atletas” da vida, protagonistas, ativistas das próprias verdades e líderes das suas próprias prioridades, cheias de desequilíbrios, mas também, de presença consciente e escolha, sim. Essa é a vida da mulher de verdade, acredito eu:)
Que tal? O equilíbrio parece mais significativo para você, e mais leve, assim… nessa perspectiva?
Pois então… É como eu me “equilibro” aqui. Um pouco dele tem, do tal equilíbrio, mas ele é só parte do meu movimento. No mais, sigo surfando as minhas ondas:)
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