Li uma coluna do jornal Folha de São Paulo dia desses que dizia o seguinte: “sou bonita, mas estou cansada”.

Adorei e reconheci cada colocação da colunista quanto ao fato de nós mães estarmos desfiguradas, digamos assim, nesta quarentena que não acaba mais. A quarentena que logo alcança o Natal, e quando menos esperarmos, faz um ano. Só que pensando no assunto resolvi escrever este “texto relato” com a minha adaptação para o tema tão bem trazido pela escritora e roteirista Tati Bernardi. Não sou “louca”, só estou cansada, ou esgotada, o que seria mais honesto comigo e digno de nomear a minha rotina de mãe de três que trabalha.

Não pensem que as coisas são diferentes aqui do que aí. E não, não tenho câmeras que me “fofocam” o que acontece na sua casa, mas posso imaginar…

A vida de mãe, de mulher, de executiva, empreendedora e esposa não está nada fácil nesta temporada em casa, para ninguém. A gente vem mudando aqui dentro, e apesar dos muitos ganhos e evoluções, naturalmente algumas coisas mudaram para pior. Aqui falo de tolerância, de falta de privacidade, do excesso de intimidade, de exposição e desafios confinados, como se isso fosse algo possível no mundo que conhecíamos. Ou não era, até agora.

Lembro-me de ficar muito tempo com as crianças sempre… Quem tem três filhos não se pode dar ao luxo de qualquer rotina muito diferente disso. Mas eu tinha a sensação de livre acesso ao mundo, de poder “escapar” daquela rotina que possuía rotas alternativas e destinos possíveis, além do óbvio.

Só que agora não há nem rotas, nem destinos para as fugas, nem retaguarda.

Meus espaços dentro de casa foram sendo invadidos com tal sutileza que, quanto me dei por conta, não eram mais meus, ou já eram “nossos”. Minha filha desfila com suas nencesseries cheias dos meus pincéis especiais de maquiagem, do meu rímel predileto e do delineador incrível que achei depois de anos à procura, para fazer o desenho de “gatinho” nas minhas pálpebras grandes. O armário do banheiro dela “cospe” meus cremes faciais com ácido hialurônico – é o que dizem – e o meu leave-in, o qual uso a “conta gotas”, para não me faltar. De repente usamos o mesmo tamanho de roupas e calçados, e as minhas peças ficam lindas nela, então dia a dia perco uma aqui, outra acolá.

Minha mesa de escritório, montada no meu quarto, por este ter chaves e ser no fundo do último andar da casa, ao fim do corredor, virou destino frequente das minhas meninas, que usam e abusam do posto onde produzo e mantenho coisas de valor para mim, em todos os sentidos. Minha agenda tem rabiscos em caneta rosa “marca texto”, unindo em ondas e corações os meus compromissos da semana, como se assim tudo ficasse mais fácil para a minha missão de vencer cada item no decorrer dos dias. Logo eu, que me organizo por cores… aff! Pode imaginar a confusão?

Meus “meninos parceiros” negociam o lugar na cama ao meu lado, quando na ausência do meu marido em casa, o pequeno é “autorizado” por ele a ocupar o seu lugar, com seu sono movimentado, o que me mantém à sono leve noites inteiras. Logo elas, tão valiosas para mim nesses tempos de exaustão. E eu, vou dizer o quê? Me livro dessa missão aqui e ali, mas em muitas vezes, simplesmente não me “safo” dos planos deles.

Minhas ordens de mãe viraram algo negociável… A verdade é que a nossa vida virou uma grande “feira livre” na qual cada um estica para um lado os limites antes estabelecidos e aparentemente intocáveis. Pois estamos cansados, todos, precisando de flexibilização nessa vida de “confinados”, e eu, que sou a mãe, me sinto a mais cansada de todas. Parece injusto com os outros, mas é como eu me sinto.

Li em uma outra coluna o relato de uma mãe de muitos, que assim como eu, teve uma semana difícil. E concordamos as duas que é prerrogativa de quem cuida, reconhecer quando precisa ser cuidado. E eu precisei reconhecer. Precisei parar esses dias, às vésperas de grandes conquistas para mim. Precisei de colo, e dessa vez tinha que ser o meu próprio, em primeiro lugar. Era de mim que eu precisava, do “freio” que só eu posso acionar para me trazer paz com o que abro mão, com o que, comigo, também vai parar. Precisei pegar leve, pedir ajuda para lidar com a minha operação diária de guerra e deixar que as crianças tocassem a banda sem o meu apito incansável.

Pois eu cansei. E quando me dei conta que, neste ato, larguei as rédeas da casa no chão, fiz vista grossa para os eletrônicos e para a quantidade de chocolate ingerido pela minha bebê, percebi que essa é a forma que vai funcionar aqui se eu quiser realmente ir bem e até o fim. Que esse será o ritmo da nossa casa… Um que respeite os limites, cansaços e tempos de cada parte da gente. “Pegando mais leve”, me exigindo menos e, em ato contínuo, exigindo menos deles, de nós. Do nosso funcionamento. Que não terá apenas semanas gloriosas, que alguns de nós podem ter cáries, que chocolate em excesso de vez em quando não mata, no máximo engorda, e que o mesmo serve para o vinho, por vezes em excesso, e para uma reação superestimada com as crianças também. E que para seguirmos crescendo nessa “missão de família” teremos que “afrouxar o sinto”, errar em algumas escolhas, querendo acertar, gritar eventualmente mais alto do que orientam os psicólogos, pedagogos, e os que NÃO estão vivendo essa rotina louca de exigente, administrar uma crise de TOC – transtorno obsessivo compulsivo, ou fugir para um mundinho particular em meio ao caos de uma casa cheia de crianças e muita energia, sem nada disso ser loucura, e sim, a mais pura realidade.

Pois não sou louca, só estou cansada.

E já era hora de eu me dar essa chance e me acolher como faria com qualquer outra pessoa que eu amo em estado de exaustão.

E quer saber? Se humanizar a minha genuína humanidade parecer loucura, então talvez, além de cansada, eu tenha de louca um pouco. Foi do que me chamaram toda a vez que parei para reavaliar e fazer novas escolhas para mim.

Mas a verdade é que me senti mais sã do que nunca em todas elas. E quanto a essa minha semana? Ah… ficou bem melhor assim, cheia de vulnerabilidade:)

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