Começa que não é resto. Ao contrário, os recomeços após um divórcio, ou qualquer mudança de rumo na nossa história, se fazem pratos cheios, abastecidos de coisas novas. Então nada de “resto”, e de subestimar o dia que sucede o fim de algo ou uma oportunidade nova de cursar a vida.
Começado assim, queria convida-la a questionar agora de que forma você gostaria de viver a sua nova vida, a sua nova chance, com o pai dos seus filhos. O “cara” que constitui parte das suas crianças, às vezes tão evidente nos traços, no jeito, às vezes nem tanto nestes, mas nas suas estruturas emocionais, na sua origem, presente e história. O “cara” que é “torre” neles, de fato ou por direito.
A verdade é que, independentemente do quanto nos sentimos mais presentes como mães, mais fortes, mais determinadas no ato de “cuidar”, amparar, educar e acompanhar os filhos, temos no trajeto parental um parceiro, que pode ser também amoroso, ou não. Justo ou não. Acessível ou não. Razoável ou não. E aí, sei que temos um abismo de possibilidades, ou um céu, para as mais otimistas e cheias de ideias do bem sobre recomeços.
Conversei outro dia com uma advogada da área de família que trabalha especificamente com processos de divórcio não litigiosos por opção, por concepção, por escolha. Ainda vamos falar sobre isso, eu e ela, em um “live”, por se tratar, essa linha de trabalho, de um caminho profissional de construções sem conflito. Algo realmente bacana quando nos deparamos com uma realidade exigente, neste mercado que é tão despreparado para o lido com a reconfiguração das famílias de forma cuidadosa e afetiva. Mas o resumo é que o propósito do trabalho dela é construir bem estar à posição dos pais, e proteção ao que é vital aos filhos. Tudo em uma mesma mesa de composição.
Aqui, o amparo financeiro faz parte, mas o principal permeia o emocional e a estrutura que ampara esse “bem cuidar” parental na vida.
Ouvi outro dia uma ideia que me instigou e corrobora com o assunto…
Se desejamos um determinado resultado referente a algo, deveríamos trabalhar para este objetivo desde o início da jornada junto a ele. Se buscamos uma relação de respeito nos nossos ambientes, seria bom sermos respeitosos para com quem os compõe. Se desejamos ter uma vida saudável, seria bom termos como rotina os cuidados que a protegem, antecipam enfermidades, e mantém ou evoluem nossas capacidades de, no que tange nosso corpo físico e psíquico, vivermos jornada longa. Se queremos estabelecer uma maternidade íntegra junto aos nossos filhos, seria bom que estivéssemos sempre atentos às suas necessidades básicas de desenvolvimento, amparo e afeto. É disso que se trata construir “desde as vigas”.
Tive momentos difíceis na minha jornada de “negociação” com o pai dos meus filhos maiores e ainda vivemos momentos desafiadores aqui e ali. Quando se está em casas separadas somos desafiados a nos olharmos como “compositores” da estrutura que resguarda os filhos da nossa relação, como parceiros, e não como opositores, quando tudo parece “oposto” e descompassado. E talvez pela presença forte dos nossos filhos em comum na gente, tenha sido presente o ingrediente mais importante nas nossas mesas de negociações. Quando a perspectiva deles era trazida à tona, e avaliada por nós dois.
Não foram poucos os embates, pois as dores da nova realidade inebriam o bom senso e a nossa lucidez, às vezes. Mas o fato é que foi preciso trazê-los no coração e nas pautas para lembrarmos sobre quem estávamos tratando ali, nos chamando às nossas responsabilidades, além da dor individual. Para que ela não fosse terreno para os nossos filhos. Aquela que era só nossa, dos adultos, e que neste âmbito deveriam ser tratadas, e não nas definições quanto ao “guarda-chuva” dos nossos pequenos.
E fizemos o possível. Até hoje não sabemos exatamente se fomos felizes neste trabalho, pois ele segue sendo edificado, todos os dias. Mas o que fizemos, fizemos com consciência. Então esse seria o ponto.
Cuidar da relação com a outra “torre” deles em um processo de divórcio, quando este se faz a melhor alternativa, é uma forma de amá-los e materná-los como realmente precisam. É não deixarmos de sermos mães na concepção mais profunda da função. Aquela que acompanha, protege, ampara e compartilha.
Tive acesso a poucas profissionais da área do direito familiar que trabalham com essa sensibilidade. Confesso que Paula Britto, querida parceira e amiga de muitos trabalhos, é a minha “musa inspiradora” no trabalho com processos de divórcio. E conhecer a Dra. Niver Acosta, essa outra profissional incrível da qual falei no início deste texto, me deu a sensação de que o mundo não está perdido para as famílias. Que tem gente dedicando cuidado aos pais na vivência de uma separação, orientando-os quanto aos melhores movimentos de “rescisão”, sem violência emocional e desamparo a quem deveria sempre estar fora da “arena”, ou mesmo das arquibancadas.
Discussões e questões do divórcio não são programas de crianças. São dos pais e merecem amparo. Colocar suas partes em guerra destrói quem os filhos são. Quando dividimos espaço nos filhos, violentar o pai é violentarmos a nós mesmas, à nossa parte que vive neles. E não estou dizendo que é fácil, já que o divórcio como um todo não é. Nos atrapalhamos, alienamos sem querer, por querer, de raiva, por despeito, por convicção, por auto proteção ou por dor.
Mas o fato é que batemos na gente mesma quando machucamos parte que compõe os nossos filhos. E pela ausência comum de direção e bom senso, no ato da dor, é que chamo a sua consciência aqui, além de uma boa assessoria profissional. Uma boa pessoa. Capaz de desenhar com clareza e afeto os rabiscos da dor do desamor, do abandono, da frustração, das ofensas, ou da desistência, que são os casos mais frequentes nas disrrupções familiares. No movimento generoso da conciliação dos pais dos nossos filhos.
A gente não acerta sempre nessa travessia. As dores e descompassos não são poucos. A vida não é justa. Mas os pais dos filhos de uma família reconfigurada serão sempre os mesmos. E quando a dor passar, pois tudo passa, sobrará a sagrada parentalidade. Aquela que nos colocará lado a lado no caminho que assiste, ampara e ama os filhos pelo resto das nossas vidas.
Que ok, não é resto, já ressignificamos a expressão aqui, e está tudo certo. Vamos chamar então do “para sempre” mais real que poderemos encontrar pelo caminho. Pai e mãe. Torres de luz.
O resto, de verdade? É o resto. E se bem conduzido, passa… se vai.
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