Voltei às caixas. Estou indo para a terceira mudança de endereço em cinco anos, seguindo a minha natureza e a que encontrei no meu parceiro de dar movimento à nossa realidade, a nossa vida também em família. Acredito que lar é e será sempre onde nos encontrarmos, juntos e a si próprios. Nunca importou onde, e sempre fez sentido para mim o fato de que nos renovamos nas trocas de ambientes, tanto na fé de que podemos conquistar coisas diferentes, mudanças para a gente, quanto nos recomeços que elas propiciam aos nossos hábitos, às nossas relações e no lido com o que já é passado, já são memórias. Também acho que construir novas realidades, novas cenas, nos deixam mais criativos e resilientes na vida, e até menos preguiçosos para vivermos e crescermos no que seria bom. Para mim é como me exercitar e aos músculos da capacidade de compreensão, superação e olhar do bem que as mudanças promovem. E eis que estamos vivendo mais uma por aqui.

Em meio a aberturas de pastas e caixas escondidas, achei duas coisas interessantes…

Uma delas, a caixa que guarda meus bilhetes românticos, cartas, cartões e fotos dos meus tempos de adolescente e início da vida adulta, talvez um pouco mais. Sempre amei este tipo de “registro”, de lembranças. E essas varreram décadas, até chegarem ao meu primeiro casamento, e serem aprisionadas em local longínquo e bem guardado, em caixa lacrada, que me acompanhou a cada mudança de endereço, tendo como último pouso conhecido a lavanderia da minha casa atual.

A ideia nunca foi revisita-las. Mas tê-las guardadas como uma recordação do caminho que fiz nos meus afetos, me pareceu valioso, e ainda me parece. Nelas estão desenharas as passagens que marcam muitas das minhas mudanças na vida, muito do que me constitui.

A outra coisa que achei era valiosa também…

A carta que a minha filha Joana fez para mim e para o meu marido no dia do nosso casamento. Parágrafos inteiros de amor e admiração pelo que éramos como casal aos seus olhos. Lindos, perfeitos, felizes, gente de sorte. Ela, com mais sorte ainda por nos ter, de acordo com a sua narrativa, que trazia estes, entre outros adjetivos da carta. Ela veio recheada de admiração e idealização. Joana tinha apenas oito anos e eu confesso que percebia, lá atrás, a forma luminosa com a qual ela me olhava, o que reforça o sentimento da carta. Dizia que aquele casamento era a cereja mais doce e desejada do mundo para o topo da nossa relação de amor e de família. Falava do quanto era incrivelmente feliz o lar que construímos. Algo mágico…

Pois bem, achei e reli. Este mês fazemos três anos da nossa celebração de casamento, da nossa noite especial, e a minha compreensão na nova oportunidade de leitura me instigou. Me manteve reflexiva por horas a fio, buscando o “fio” por onde começar de novo.

Minha menina aprendeu na minha construção da felicidade no depois sobre a potência que temos de mudar e o quanto tem valor a “lutadora” que luta para si, para ser e para, abastecida, abastecer a quem ama. Aprendeu direitinho sobre o romance e as suas melhores práticas com as trocas de carinho entre eu e o meu marido. Viu namoros apaixonados, nos assistiu viajar, sonhar, construir casa, e me levou, junto com o irmão, ao altar, onde realmente presenciou o amor acontecendo e depois, dia a dia.

Só que a vida não é feita só disso. E como diz uma grande amiga minha, frente ao meu relato sobre este acontecimento, “quem vai contar para ela” sobre como a vida acontece?

Se tratava ali de uma jornada. Que começa assim, cheia de amor, boas intenções e momentos preservados, e que durante a travessia, sofre dos efeitos da doce e dura realidade da vida dos afetos. Que precisa de estrada para se apresentar, para “travar” de cansaço, para somar um tanto de decisões comuns, e para se posicionar em outras, propiciando que, de tanto em tanto, se discorde. A filha grande da minha casa e seu mano do meio, assistiram a um casal apaixonado receber uma terceira filha, sua nova irmã. A primeira do pai afetivo. Que demandaria de cuidados peculiares ao seu desenvolvimento e, tudo isso, em meio ao deles próprios, em pré adolescência. E nessa cena, que posso sentir daqui que já arrepia você, que me lê, nos assistiram com dias ensolarados e beijos roubados, e em outros, com tudo mais acinzentado, como são os tempos nublados e exigentes de uma família grande e trabalhada.

Você deve estar se perguntando o que tem isso, e qual é a minha preocupação com a visão dela naquela carta, eu imagino…

Da mesma filha do bilhete idealizado e amado, sobre a minha incrível figura de felicidade na vida e no amor, veio o relato do medo de me ver infeliz pelos episódios cinzentos que começou a se dar conta existir. E ali me derrubou do pedestal de “feliz”, possivelmente fadada aos abismos da infelicidade profunda de quem ou o é, ou não é…

Sem drama? Não gostou de ver o lado menos iluminado das relações. Esse que todas têm, construídas pelo tempo, pela intimidade, pelos desafios apresentados e pelo que acredito que é o tal caminho “nosso”, particular, a percorrer nessa jornada aqui.

Duro para ela entender, duro para mim assistir.

Confesso que foi aquela mesma sensação de quando eles deixaram de acreditar no Papai Noel capitalista, no Coelho da Páscoa e na fada do dente. Aquela de dor, por ver que estão crescendo e reconhecendo que, diferentemente das idealizações, as realidades são doces, mas duras e exigentes também, como é a vida. Que ninguém está ótimo todo o tempo e que faz parte do ser humano feliz, sentir-se triste. Pois só quem é capaz de abraçar a dor pode reconhecer felicidade nas coisas, tornando-a algo orgânico como sorrir em reação a uma cena, a uma lembrança… Como poder estar junto de alguém que ama na enfermidade, sentindo o valor do privilégio de poder estar ali, fazendo parte, acompanhada. Como atravessar grandes provas e sentir que não está só, e que assim, será possível seguir e sair mais forte. Que amar e ser amada tem seus dias frustrantes e pontos cegos, sem deixar de ser algo feliz e valioso…

Todos exemplos que representam felicidade, com roupagens mais humanas e até inapropriadas para crianças… E por isso foi preciso conversa. Neste caso, que não é regra, pois não acontece sempre nem é unilateral por padrão, ela aprendeu com a minha estrada, a minha vivência, sobre as partes que constituem o todo da gente e das relações. Essa que me ensinou a navegar nos sentimentos, em todos que nos compõe, sem que eles definam quem somos. Mas simplesmente façam parte da nossa humanidade. Sentir dor, raiva, tristeza, insegurança, baixa autoestima, fragilidade e atrapalhação nos palcos inesperados da vida é o que nos torna de verdade. Fontes de auto preservação e evoluções… Que nos permitem extravasar, conhecer sobre nós mesmos em situações inusitadas e buscarmos no dia seguinte uma posição mais genuína e aprendiz na nossa própria cadeira. Coisas que gostaria que ela refletisse sobre.

E ela, me retribuiu a altura, como sempre. E me lembrou das minhas capacidades de “tocar” com mais leveza o lido com as minhas realidades. Que assim, quem sabe, eu revisitaria os sabores dos dias maravilhosos, naqueles nem tanto assim, como modo de viver a vida…

Pois bem, ensinar aos filhos que a vida é boa, mas também é dura, cheia de dias incríveis e outros muito exigentes, que ganhamos tanto, mas que somos “indigestamente” convidados a lidar com perdas irreparáveis e transformações necessárias, e dar a isso tudo um tom de música gostosa e ambiente, dessas que fazem fundo à vida da gente, é algo importante na nossa função de mães, eu acredito. Permite que os nossos filhos conheçam terrenos de todo o tipo a desbravar na vida, e que para vivê-la no seu melhor, é preciso coragem para conhecer e abraçar seus dois lados, sem abandoná-los.

Quanto aos filhos, estes são ostras… E guardam pérolas valiosas e simples sobre o viver.

Escuta, percebe, descasca e lava bem. O que eles trazem em si constitui parte de grandes valores da vida e da nossa essência, essa pura que perdemos no caminho. E por isso, na conversa, na conjunção de mundos, não há perdedores nem “orientadores e aprendizes” fixos nas suas cadeiras. Ganham todos, mesmo que entre “cacos”, coroas de princesas e cavalos brancos que se desfazem no chão. Pois de tudo fica a compreensão sobre a melhor felicidade do mundo…

A possível. A humana. A não idealizada, mas real… A nossa:)

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