Comecei uma série nova, que se chama “Amigas para sempre”. Nada como um Carnaval em casa, não é?

Quando se fala seriamente de amizade, tem assuntos afetivos envolvidos. Então, tem amor romântico, tem dramas, tem traumas, tem perdas atravessadas junto, tem problemas ou “culpas” advindas da origem (Freud teria uma explicação convincente) ou a amizade não seria tão sólida, nem chamada de algo “para sempre” com tanta apropriação.

Então queria trazer pontos atraentes dessa minha nova indicação de entretenimento…

Primeiro: a amizade é uma relação valiosa, que em muito sustenta a gente na nossa própria pele e na nossa jornada particular, independentemente das suas exigências. Só por ser companhia e ligar pessoas somente pelo que elas são. O filme é arrebatador, pelo menos para uma mulher como eu, que gosta do mergulho. Gosto de ver histórias múltiplas, de profundidade, e ver nelas o ser humano ser desafiado pela natureza do outro, como acontece nas amizades verdadeiras. Gosto do trato do afeto. E essa é a essência da série. Um aglomerado de vivências de duas mulheres como nós que evoluíram na idade, nas exigências da vida, mas não mudaram exatamente. Seguem quem sempre foram. Seguem apresentando, uma a outra, às exigências de quem carrega dores e comportamentos seus para novos confrontos, agora na maturidade, e na expectativa de novos “sim’s” dentro da amizade que construíram. Que é o que acontece com a gente, para resumirmos a história.

Nos lapidamos, mas não deixamos de ser quem somos, já que somos feitas disso, do que é nosso. E a série traz um olhar generoso dessa relação com tantas chances de sobreviver às intempéries da vida.

Segundo: onde tem amor, tem também separações. Essa é a realidade, é “vida real”, considerando que mesmo que evoluamos na compreensão de quem somos e da gente nas relações, não estamos livres da experiência conjunta, do que é do outro, do coquetel que é a mistura de pessoas e suas emoções e expectativas, e eventualmente, do fato de que elas deixam de funcionar, de fazer sentido na sua constituição.

Uma delas está em processo de divórcio. Ainda é confuso para mim o motivo do fim e o que ela realmente sente a respeito, pois estou no episódio três. De certo há e por isso estou sedenta por conhecê-la e entende-la. Mas o fato é que ela traz a crença, como percepção inicial e genuína do seu processo de separação, de que não importa de quem é a culpa, os filhos sofrem.

Sim, os filhos sofrem de certa forma. Todos nós. E quando os pais sofrem, natural que eles sofram, o que é o caso na série e na vida. A situação é nova para todos e, no enfrentamento da atrapalhação dos pais, das suas dores e do lido com as suas emoções frente à quebra da idealização de família perfeita, perpétua naquela estrutura e de “margarina”, os filhos “perdidos”, sofrem. Herdam dos pais essa “sorte”. Porque o novo desafia a todos, e é inegavelmente exigente. E um cenário em construção, bagunçado, pode gerar sofrimento, sim.

Só que a vida também é dura e cheia de convites a ele, ao sofrimento, advindo de outras “portas”. Oferece dores “jogadas” na gente, sem necessariamente às merecermos ou termos escolhido. Sem chance de defesa, muitas vezes. E aí, naquela cena de sofrimento pelo divórcio de uma das protagonistas, desejei que ela cumpra corajosamente a travessia do dela, a fim de se exonerar da culpa, essa que não deve ser de ninguém e, muito menos, ser base para o sofrimento dos filhos, entendendo que a dor e o sofrimento são da vida, não só dos filhos de casais que se divorciam.

Terceiro: a série traz a família sendo fortalecida em cada cena. A amiga, que não constituiu uma, reconhece o valor do que a outra construiu. É corajoso construir uma família. Ficar e investir é corajoso. Pedir para sair e reconstruir, também é. Porque em qualquer um dos modelos, há entrega afetiva. Há risco de dor e de perdas. Mas se pisa na “arena” em qualquer uma, e só ganha quem joga, afinal, o que vale para os afetos como para tudo. E a família é uma grande realização na vida de quem se propõe a essa ampliação de si. Por exigir essa entrega importante, essa disponibilidade nas composições, e o seu risco inerente de dependência afetiva, da liberdade do sentir, do desequilíbrio entre as “entregas” envolvidas e da falta de controle do que é feito de tantos, o que é aventura de poucos. Então, família é para os fortes, o que é representado na dupla pela personagem que a construiu.

Quarto: A presença de uma amiga no recomeço é algo grandioso… Fico pensando como dá conta quem não tem uma verdadeira companhia nessa travessia, ou em qualquer outra na vida. E fico aqui refletindo, da minha cadeira, o quão grata sou por ter tido a minha “Tully Hart” (vocês vão entender:) nas travessias exigentes da minha jornada. Quanto valor tem uma companhia verdadeira… Então fica a dica para esse investimento de relação, com o desejo de que seja vitalício para você. Para que nunca ande sozinha, para que possa ser quem realmente é na presença dela, ou dele, como se dão as relações de amizade profundas e de amparo.

O quinto ponto, e talvez o mais importante de falarmos aqui, pela sua falta de obviedade, é leitura minha dessa oportunidade de mergulho nessa série que me “engatou”. Cultivo a fé de que cada pessoa faz a sua travessia, a possível com o que se tem de ferramentas na bagagem, de capacidades, habilidades e história. E na sua própria jornada, vive e sente aquele “seu acontecimento”, com as suas dificuldades, e que não são iguais as de ninguém.

As transformações da vida consistem em oportunidades de recomeço e de ideias do bem na vida da gente. Porém, cada uma faz a sua jornada. Simplesmente porque não sentimos igual, não somos iguais. Detalhes importantes nos diferenciam, mesmo em cenas semelhantes. Esboçam de formas diferentes a nossa coragem, o nosso entusiasmo, a nossa paixão e a nossa dor. Cada uma a partir das suas histórias, através das lentes de alguém que viveu o que nem todo mundo viveu. Que possui a presença da sua ancestralidade nos seus atos e olhos. Que tem as suas lutas próprias. Que tem uma percepção do que é feliz diferente da minha, ou de outra. Que tem medos que são de sombras próprias, de escuridões íntimas que não se repetem de CPF para CPF. Que não se ferem pelas mesmas coisas, nem desabrocham pelo que é bom por senso comum…

A iniciativa para beijar quem se deseja nunca foi igual. A sensibilidade para a bebida de álcool também não. A coragem para experimentar sabores novos sempre viveu com intensidade diferente nas pessoas… Há quem precise de mais, há quem nem precise, por se nutrir da fantasia. A idealização de amor romântico acontece de forma diferente na gente. Há quem se sensibilize com flores e portas de carro sendo abertas, há quem ache isso “clichê”. Há quem olhe para a sua própria mãe com gratidão por enxergar carinho e amparo, há quem não deseje mais olhar para a sua origem com investimento, pela falta que fez, pelo desamparo que deixou, pode? Pode. Há quem sonhe com filhos, há quem não tenha desejo algum pela possibilidade de tê-los…

Por isso não há regras, não há caminho definido, não há ponto de chegada comum. Nunca sentiremos a vitória da mesma forma, quando a sensação de ganho é tão particular. E ali, naquela série, assisti viverem personagens meus da vida real. Reforcei a minha crença de que não existem melhores práticas, nem “dicas de ouro” para se atravessar a própria jornada. A gente tem é que se conhecer, se escutar, se acolher. E se acompanhar de quem ampare a nossa forma, a quem somos, a nossa dor e o nosso destino desejado, no nosso tempo.

Isso tá lá, na série. Vale conferir… A arte imitando a vida, sem idealizações. E isso diverte, além de ser coisa séria:)

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