Nesse momento pandêmico e seu consequente excesso de exposição em família, principalmente no que tange a função materna, venho pensando no que esse desafio toca a escolha que fiz de ser mãe três vezes. O que ele veio me mostrar, me responsabilizar, me cobrar e, de forma mais profunda, me oferecer.

Cada filho que tive me deu uma nova chance de ser mãe respeitando a mim mesma enquanto os amava mais. Me oportunizou revisitar, na trama de cada nova maternidade, a mãe que consegui ser e o quanto eu me sentia “chamada” a me aprimorar. O quanto, em cada experiência nova de recomeço na função, eu evoluía no lido com esse afeto, e não menos importante, com esse compromisso.

Navegando na sensação de que fui “manuseada” pela vida ao exercício intenso da função que escolhi, na repetição da minha maternidade, na fé de que caberia mais um na minha vida de mulher e nas minhas capacidades, e depois mais outro, e então, mais outro, não deixo de pensar que assim como o planeta vêm “reclamando” da violência com a qual o tratamos na qualidade de “parasitas” dele, os filhos urgiram por suas mães. Clamavam, em meio às disfunções do nosso tempo, pelo acompanhamento, pelo vínculo profundo, pela fusão emocional, para assim se constituírem seguros, preenchidos e amados, pelo trabalho mais intenso, “pelo menos”, enquanto pequenos, em formação. “Pelo mais”, já valeria o deleite de vê-los darem conta de suas histórias quando atravessadas com suas próprias pernas.

As famílias choravam por investimento. Por afeto, presença, atenção, muito além do desenvolvimento pessoal e particular de cada um.

Que somos parte de uma comunidade, de uma rede, que precisa, na sua cadeia, do exercício de funções importantes que vão desde a concepção de novos indivíduos, permeiam pela educação afetiva e intelectual, até a autonomia de novos seres produtivos, sempre foi algo presente na minha consciência. Mas leituras “macro” à parte queria trazer um olhar para o “micro”.

A sensação que tenho frente a este “convite” a voltar para o seio da família e me responsabilizar pelas minhas escolhas, além da vaidade de gestações bonitas e do exercício de poder que temos como “geradoras” sobre a vida e na vida, que ser mãe nos oferece, foi primeiro de um desconforto imenso. De dor. Como se algo tivesse sido roubado de mim. Minha liberdade, minha autonomia, meu tempo, minhas fugas, meus analgésicos foram sucumbidos pela falta de espaço íntimo.

De repente precisamos dormir, acordar e viver sem ter “adaptada” a maior das escolhas das nossas vidas à rotinas terceirizadas, a dias corridos, ao uso de babás ou eletrônicos na mesa, na única refeição que fazíamos em família no dia, quando as portas estavam abertas e cheias de oferecimentos sedutores que açoitavam as frequentes necessidades familiares que pediam o nosso mergulho e presença genuínos.

Quando tudo ficou intenso, o primeiro olhar atordoado foi para o “contrato” que topamos quando resolvemos constituir família, como que procurando provar que nem nas “letras miúdas” estava dito que nossas escolhas quanto a geração de filhos envolveriam as exigências de uma vida “juntos”, na presença única e exclusiva uns dos outros.

Foi nesse lugar de dor e desconforto que busquei o sentido da família. De ter filhos. A ambiguidade de correr para a rua o tempo todo e ao mesmo tempo nutrir um celeiro de pessoas em formação ficou cruelmente clara. Tudo ao mesmo tempo, de repente, deixou de parecer possível. Viável até sim, mas não do jeito que idealizei. Não os planos profissionais, conjugais, do que era prazer e lazer para mim, e que entendia, lá atrás, que poderiam “caber” integralmente e grandiosamente junto à maternidade.  Me atrevo até a dizer que essa possa ser uma sensação presente em outras mulheres, não?

Vinha atrás de um “tanto” que me levava a um buraco sem fundo de desejos e metas insaciáveis.  A ambição humana nos deixa um tanto atrapalhadas pelo seu oferecimento sedutor e cativante. Nos tornamos sequestradas por sonhos que nos põe ambivalentes, desnorteadas, culpadas. E pensar a respeito objetiva apenas questionar a dinâmica para assim, ajustá-la a quem realmente somos. Torná-la algo sadio, que se construa sem destruir parte nossa, quando tomamos por decisão “gerar”… Missão essa que transforma a gente. Que altera os limites do possível em cada área das nossas vidas. Algo divino, misterioso, de valores que mal podemos colocar em palavras, mas que são tão compreendidos quando conversamos com outras mães, e sentimos de forma empática o trajeto daquela que está “maternando” do jeito que pode, como o que tem, e o que não tem.

Me sinto grata por ser mulher, por ter tido mais de um filho, pelo convite ao recomeço que cada um deles me trouxe, e pela compreensão desse trabalho de tão alta estima,  que me tornou compositora de uma vida produtiva possível e não paralela, mas misturada… Que deixou assim de me dividir, no exercício consciente meu de conectar as minhas partes. De sonhos ressignificados e ampliados por ser eu constituída de mais gente do que eu mesma. De mudar as minhas ambições para coisas de acesso simples e vital, com ingredientes como o olhar atento, o desenvolvimento da paciência e a fé no espiritual, quando tanto do mundo que os serve e por eles é servido não podemos controlar.

Mãe reza. Se não conversa com Deus, conversa com alguém. Confia em um mundo melhor para amanhã, bota fé na vacina, nas transformações da educação, na sobrevivência das empresas, na regeneração das pessoas, na viabilidade da nova família, na construção da felicidade no depois. Mãe dá segunda chance, e terceira… Confia de novo porque eles precisam e a gente precisa seguir na travessia acreditando que todos ficarão bem. Porque não há conforto maior do que vê-los crescer e conhecendo-os. Orientando, ajustando “parafusos” e caminhos, juntos. Não há dinheiro ou sonho que pague essa conta, que valha a troca para alguém que um dia escolheu a maternidade por ela fazer todo o sentido.

E, de verdade?

Sem nos abandonarmos, é claro, e sem deixarmos de tocar a vida com os nossos talentos, trabalhos e ideais, talvez tenhamos “voltado para casa” nessa pandemia, no sentido mais amplo que essa jornada possa ter. Para uma produção que não forma “robôs”, mas a nossa natureza. A humana. E que pode ser mais leve e genuína pela sensação confortável de se estar na sua mais valiosa função. Apropriada da escolha, ou delas, que é o meu caso, sendo quem se é e se comprometendo com o viável, e não com aquilo tudo o que esperavam que um dia a gente fosse, ou mesmo nós achamos possível que sim…

Nem a Mulher Maravilha daria conta de tanto, e ela nem tinha filhos… Vai sobrar logo para nós?

Menos… passei:)

Comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES