“Se você ainda me ama, então me ame. Se você sente saudades, então sinta. Não vai durar para sempre…”

Esse “dito” tirei do meu filme predileto “Comer, Rezar e Amar”, e se dá na cena na qual Júlia Roberts termina de fato, dentro de si, o casamento o qual desfez por um divórcio meses antes. Ela então esgota, encerra, perdoa, deixa para trás, se põe pronta para seguir em frente, se acha em meio às cinzas…

No terraço do centro de meditação que buscou como caminho para “se encontrar”, na Índia, cheia de dor, ela dançou “fantasiosamente” com o seu ex parceiro, e deitada no seu ombro, ao som do que seria a música do casal, se perdoou pelo caminho que escolheu e o acolheu, o ex, e a sua dor. Para mim, uma das cenas mais lindas do filme, mais cheia de significados.

Perdoar a si e ao outro pelo que deixou de ser é acolher um movimento que foi dos dois, consciente ou inconscientemente. Aquele que vem se transformando no tempo e vai distanciando aqui e ali os corpos, os horizontes e a alma. Neste momento, tão bem representado no filme, nos permitimos como “ex parceiros” sentir tudo o que se passa na gente, e por ser genuíno, e então valioso, deixar que flua livre para ser percebido, redimensionado ao tamanho que realmente tem, reconhecido, valor e dor, e curado.

Sentir é enfrentar. Sentir é ato dos valentes. “Aguentar” o que se passa, perceber como se sente, chorar, pedir ajuda, se conectar, nomear as dores, “dar tempo” e permitir regenerar, devagar, como que em uma recuperação lenta de uma cirurgia no coração, é curativo, transforma profundamente e promove evolução emocional e afetiva na gente.

As pessoas mudam após um divórcio porque em geral saem se conhecendo mais, e assim, trazem o novo naturalmente à superfície. É no que dói que compreendemos onde somos mais vulneráveis. Que identificamos o que realmente nos toca, o que verdadeiramente é “perda” e o que particularmente se constitui ganho, nova chance.

É no enfrentamento consciente dos nossos medos mais profundos que entendemos nossas buscas, nossos equívocos, atrapalhações e comportamentos repetidos na vida. É na sensação de solidão, no fundo do poço, na presença única e exclusiva da gente em “carne viva”, que aceitamos que somos mais de “carne viva e osso” do que aqueles que atuam nas “idealizações” que permeiam e “provocam” a nossa jornada como referências “bem aventuradas”. Bacanas, felizes, bem sucedidas, bonitas e com uma família de margarina. E nesse lugar, renascemos alguém capaz de viver e nutrir relações de verdade, assim como descontinuar, quando não há trabalho afetivo que compense o esforço, que valha o desgaste, ou mesmo, que o amor que vive também nos fins os justifiquem por si só…

Não há como começar do zero em uma vida vivida. O recomeço é a “linha de partida” mais complexa que poderíamos encontrar no nosso caminho. É feita de passado que não fica no passado. Carregamos pedaços vivos no ato de continuar, compreensões fruto da experiência na jornada dos afetos e medos concretos do que sabemos que podemos perder ainda, simplesmente por entendemos o quanto tudo pode ser vulnerável. Sabemos “coisas” da gente que não nos permitem mais ignorar o fato de que cada um de nós tem uma história.

Recomeçar não se trata de passar a borracha nas exigências que se deram e zerar. Se trata de começar de novo com tudo o que se tem e se é, somados. E se permitir “sentir” e deixar isso fluir, trabalha o “músculo” da nossa fortaleza emocional. Nos constitui capazes de dar conta do que é da vida, dos fins e recomeços, respeitosos com quem somos, com as nossas imperfeições, desistências, insistências e oferecimentos, e em ato contínuo, respeitosos com o que vem do outro, também imperfeito e em aperfeiçoamento.

Quem sente, acolhe o que o outro sente. Nos humaniza nas relações, nos coloca com os pés no chão, razoáveis no que cobramos da gente e dos outros nas empreitadas dos afetos. Sentir medo nos liberta dele. O deixa “pequenininho”, condicionado aos seus efeitos conhecidos, aqueles olhados com cuidado no processo de autoconhecimento, de mergulho, de construção da felicidade no depois. É quando ascendemos a luz e olhamos debaixo da cama, que nos livramos das fantasias que moram na escuridão. É na coragem de se iluminar, que corremos os fantasmas e nos vemos livres “de novo” para recomeçar.

Então se ainda amar, ame. Se sentir saudades, sinta. Se arderem as mágoas, então arda. Se o choro apertar a ponta do nariz, chore. Se o medo do dia seguinte se apresentar, então o sinta… Atentamente.  Apenas respire fundo e ascenda a luz… Assim, não vai durar para sempre. E sairá com tudo o que precisa para recomeçar.

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